Os germinados de brócolos poderão ajudar a diminuir as consequências para a saúde da poluição do ar.
A exposição crónica a níveis elevados de partículas finas de matéria presentes na poluição do ar (PM2.5) prejudica a função vascular, o que pode levar a enfarte do miocárdio, hipertensão, AVC e insuficiência cardíaca. As principais fontes dessas partículas são a utilização de combustíveis fósseis e biomassa, a indústria e a agricultura (Brook et al., 2010; Münzel et al., 2017; Lelieveld et al., 2015).
Embora a poluição seja por vezes pouco valorizada como um fator de risco importante para a saúde, o facto é que globalmente é responsável por cerca de 8,79 milhões de mortes anualmente, tendo já ultrapassado o tabaco como fator de risco, o qual é responsável por cerca de 7,2 milhões de mortes por ano. De acordo com um estudo recente, estima-se que na Europa cerca de 790000 pessoas morrem todos os anos devido à poluição. Dessas mortes, cerca de 40% são por doença coronária isquémica, 8% por AVC e 7% por cancro do pulmão. Em média, a poluição do ar é responsável pela perda de dois anos de vida do cidadão europeu (Lelieveld et al., 2019). Em 2013, a Agência Internacional para a Pesquisa sobre o Cancro (IARC) classificou a poluição do ar, uma mistura complexa que contém frequentemente benzeno, como um carcinogéneo conhecido para humanos do Grupo 1 (Loomis et al., 2013; Loomis et al., 2017).
Um estudo recente em modelo animal comparou os efeitos para a saúde entre a exposição a partículas finas de poluição (PM2.5) equivalente ao que acontece em cidades como Nova Deli ou Pequim e uma dieta rica em gordura. Tanto a poluição como a dieta rica em gordura afetaram o metabolismo e levaram a resistência à insulina, de forma semelhante ao que se observa num estado pré-diabético. Além disso, esses efeitos estiveram associados a alterações no epigenoma, afetando a expressão de genes relacionados com o metabolismo e os ritmos circadianos em tecidos responsivos à insulina. Por outro lado, quando se removeu a poluição, os efeitos observados foram revertidos (Rajagopalan et al., 2020).
Um dos países do mundo com maiores concentrações de poluição do ar é a China. A dieta poderá ser uma forma eficaz de mitigar os efeitos nocivos da poluição. Além dos nutrientes essenciais à vida que encontramos nos alimentos que ingerimos, as plantas contêm fitoquímicos, que embora não sejam nutritivos, poderão melhorar a saúde ou ativar vias bioquímicas protetoras. Alguns desses fitoquímicos podem estimular vias de detoxificação do organismo como as glutationa S-tranferases (GSTs) mas também outras vias como a Keap1-Nrf2 (Palliyaguru et al., 2018; Kensler et al., 2013). A proteína Nrf2 regula a expressão de mais de 200 genes responsáveis pela expressão de proteínas protetoras contra o stress oxidativo, inflamação e pela eliminação de substâncias potencialmente cancerígenas (Kensler et al., 2013).
Um fitoquímico chamado sulforafano, presente nos brócolos, mas também em outras crucíferas como a couve kale ou as couves de bruxelas, é um dos mais potentes indutores da Nrf2, o que poderá explicar em parte as suas propriedades anticancerígenas e outras ao ativar enzimas anti-inflamatórias, detoxificantes e antioxidantes (Kensler et al., 2013). Uma das melhores fontes de sulforafano são os germinados de brócolos, com concentrações 50 a 100 vezes superiores aos brócolos maduros (McNaughton & Marks, 2003).
Um estudo clínico aleatorizado realizado na China procurou identificar a dose necessária de uma bebida de germinados de brócolos de forma a permitir a eliminação de benzeno, um dos componentes cancerígenos presentes na poluição do ar. Foram incluídos 170 participantes com diferentes doses da bebida. De acordo com os resultados do estudo, entre aqueles que tomaram a maior dose de sulforafano (cerca de 40 micromoles), houve um aumento significativo da detoxificação de benzeno. O estudo conclui que os germinados de brócolos poderão ser uma forma eficaz de diminuir as consequências para a saúde da poluição do ar (Chen et al., 2019).
Os brócolos fazem parte da família das crucíferas. As crucíferas pertencem a uma família de vegetais com características únicas, responsáveis pelas suas conhecidas propriedades quimiopreventivas. Estes vegetais são assim chamados pelo facto de a flor de cada um deles ter pétalas espaçadas simetricamente em forma de cruz. Aquilo que os distingue dos outros vegetais passa por serem uma fonte privilegiada de uma classe específica de fitoquímicos, os glicosinolatos. Quando as paredes das suas células se partem, ao serem esmagados ou cortados, dá-se uma reação química através da exposição à enzima mirosinase que converte estas substâncias em moléculas como os isotiocianatos (ITC) e indóis.
Mesmo não existindo ainda recomendações específicas para o consumo de vegetais crucíferos, de acordo com as evidências disponíveis estima-se que sejam necessárias 5 porções por semana destes vegetais de forma a se obterem os seus benefícios quimiopreventivos (Higdon et al., 2007).
A primeira vez que foi publicado um estudo que sugeria uma explicação para a relação entre o consumo de crucíferas e a diminuição do risco de cancro, foi em 1992, através da equipa liderada pelo Dr. Paul Talalay. O trabalho deste investigador centrou-se em identificar moléculas presentes em vegetais comestíveis capazes de induzir os enzimas de fase II, responsáveis por desativar substâncias potencialmente cancerígenas no nosso organismo. Essa pesquisa levou a que identificasse o sulforafano como um dos mais potentes indutores desses enzimas (Zhang et al., 1992).
O sulforafano apresenta várias propriedades importantes na proteção contra o cancro, tais como (Lenzi et al., 2014; Zhang, 2004; Heiss et al., 2001; Kensler et al., 2013):
- Indução das enzimas de fase II;
- Indução da apoptose;
- Interrupção do ciclo celular;
- Inibição da angiogénese;
- Propriedades anti-inflamatórias.
- Propriedades epigenéticas
Alguns estudos clínicos sugerem que o sulforafano poderá ser útil na prevenção ou tratamento de doenças como cancro da mama, do pulmão, da próstata, diabetes, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, doenças da pele e autismo (Palliyaguru et al., 2018; Yagishita et al., 2019).
O sulforafano forma-se a partir da glicorafanina, presente em grandes quantidades nos brócolos. Para que se dê a reação química que dá origem ao sulforafano, a glicorafanina tem de entrar em contacto com a mirosinase, o que acontece quando se corta, tritura ou esmaga os brócolos. No entanto, outra substância presente nestes vegetais, a proteína epitioespecificadora (ESP), desvia essa reação dando origem ao sulforafano nitrila, o qual não tem valor bioativo conhecido (Matusheski & Jeffery, 2001). O sulforafano nitrila é o principal produto da hidrólise da glicorafanina. Os brócolos e outros vegetais da espécie Brassica oleracea produzem nitrilas, o que já não acontece com outros membros das brássicas, tais como o rábano, a mostarda branca e a raíz-forte, as quais só formam isotiocianatos (Matusheski et al., 2004).
A forma de preparar os brócolos e outras crucíferas, tem um grande impacto sobre a presença e a biodisponibilidade destes fitoquímicos. Os glicosinolatos, precursores destas substâncias bioativas, são sensíveis ao calor e forma de confeção. Basta cozinhar em microondas durante 5 minutos para haver uma perda de 74% na concentração de glicosinolatos nos brócolos. Cozer em água durante 3 minutos resulta numa perda de 55,3% e de cerca de 18,6% de glicosinolatos a libertarem-se para a água. Por outro lado, cozer a vapor durante 3 minutos permitiu manter intactos cerca de 97,7% dos glicosinolatos (Vallejo et al., 2002).
A mirosinase, enzima fundamental para a formação de sulforafano, é também sensível ao calor. Cozinhar as crucíferas antes de permitir a hidrólise dos glicosinolatos resulta numa perda significativa desses componentes e todos os benefícios associados. Uma das estratégias passa por consumir crucíferas cruas. No entanto, como vimos antes, se cortamos ou mastigamos brócolos crus, por causa da presença de ESP, obtemos maior contentração de sulforafano nitrila. Uma vez que a ESP também é sensível ao calor, sendo mais sensível do que a mirosinase, quando aquecemos os brócolos a 60 graus durante 5 a 10 minutos, desativamos a ESP sem desativar a mirosinase, o que resulta na formação de sulforafano (Matusheski et al., 2004).
Curiosamente, a mirosinase presente nos germinados de brócolos mostram ter maior resistência ao calor do que os brócolos maduros (Matusheski et al., 2004). Mesmo quando chegamos a temperaturas como os 100 graus, obtemos sulforafano, o que significa que se trata de uma forma mais eficaz e prática de o fazer. Além disso, os germinados têm entre 20 a 50 vezes mais glicosinolatos do que brócolos maduros (Fahey et al., 1997). A ESP nos germinados de brócolos tem o seu pico de atividade no 2º dia de germinação e diminui no 5º dia, pelo que haverá vantagem em colher os germinados só a partir desse dia (Williams et al., 2008).
Existem também outras formas de garantirmos uma maior formação de sulforafano a partir de brócolos maduros. Cozinhar a vapor durante 3 minutos, garantindo que não cortamos as flores antes de os cozinharmos, permite a formação de sulforafano, evitando o sulforafano nitrila (Williams et al., 2008).
Outra das formas consiste em cozer a vapor os brócolos maduros inteiros durante o tempo que se queira e acrescentar no fim sementes de mostarda em pó, uma vez que estas são uma fonte estável de mirosinase (Dosz & Jeffery, 2013; Okunade et al., 2018). Também é possível combinar na mesma refeição brócolos cozidos com crucíferas cruas, como couve roxa, rúcula, rabanete, agrião ou outros. Uma das brássicas mais resistentes ao calor é o rábano Daikon. A mirosinase contida na raíz de rábano Daikon tem maior resistência ao calor, existindo formação de sulforafano mesmo quando aquecida a 125 graus durante 10 minutos (Dosz & Jeffery, 2013).
Embora a forma mais eficaz de se obter sulforafano a partir de brócolos seja garantindo que exista mirosinase disponível para a hidrólise dos glicosinolatos, oglicorafano pode ser em parte convertido em sulforafano no intestino grosso pela microbiota. Cerca de 10 a 20% de metabolitos de sulforafano podem ser encontrados na urina depois de se ingerir brócolos sem mirosinase, apenas pela ação das bactérias presentes no intestino grosso (Shapiro et al., 1998).
Uma dieta de base vegetal enriquecida com crucíferas como os brócolos, germinados de brócolos e outras, poderá ser uma forma eficaz de prevenir várias doenças crónicas. Além disso, poderá também diminuir os efeitos prejudiciais da poluição do ar, ajudando na detoxificação dos respetivos componentes cancerígenos.
Referências:
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