A exposição crónica a níveis elevados de partículas finas de matéria presentes na poluição do ar (PM2.5) prejudica a função vascular, o que pode levar a enfarte do miocárdio, hipertensão, AVC e insuficiência cardíaca. As principais fontes dessas partículas são a utilização de combustíveis fósseis e biomassa, a indústria e a agricultura .

Embora a poluição seja por vezes pouco valorizada como um fator de risco importante para a saúde, o facto é que globalmente é responsável por cerca de 8,79 milhões de mortes anualmente, tendo já ultrapassado o tabaco como fator de risco, o qual é responsável por cerca de 7,2 milhões de mortes por ano. De acordo com um estudo recente, estima-se que na Europa cerca de 790000 pessoas morrem todos os anos devido à poluição. Dessas mortes, cerca de 40% são por doença coronária isquémica, 8% por AVC e 7% por cancro do pulmão. Em média, a poluição do ar é responsável pela perda de dois anos de vida do cidadão europeu . Em 2013, a Agência Internacional para a Pesquisa sobre o Cancro (IARC) classificou a poluição do ar, uma mistura complexa que contém frequentemente benzeno, como um carcinogéneo conhecido para humanos do Grupo 1 .

Um estudo recente em modelo animal comparou os efeitos para a saúde entre a exposição a partículas finas de poluição (PM2.5) equivalente ao que acontece em cidades como Nova Deli ou Pequim e uma dieta rica em gordura. Tanto a poluição como a dieta rica em gordura afetaram o metabolismo e levaram a resistência à insulina, de forma semelhante ao que se observa num estado pré-diabético. Além disso, esses efeitos estiveram associados a alterações no epigenoma, afetando a expressão de genes relacionados com o metabolismo e os ritmos circadianos em tecidos responsivos à insulina. Por outro lado, quando se removeu a poluição, os efeitos observados foram revertidos .

Efeitos da poluição (PM2.5) na resistência à insulina.

Um dos países do mundo com maiores concentrações de poluição do ar é a China. A dieta poderá ser uma forma eficaz de mitigar os efeitos nocivos da poluição. Além dos nutrientes essenciais à vida que encontramos nos alimentos que ingerimos, as plantas contêm fitoquímicos, que embora não sejam nutritivos, poderão melhorar a saúde ou ativar vias bioquímicas protetoras. Alguns desses fitoquímicos podem estimular vias de detoxificação do organismo como as glutationa S-tranferases (GSTs) mas também outras vias como a Keap1-Nrf2 . A proteína Nrf2 regula a expressão de mais de 200 genes responsáveis pela expressão de proteínas protetoras contra o stress oxidativo, inflamação e pela eliminação de substâncias potencialmente cancerígenas .

Um fitoquímico chamado sulforafano, presente nos brócolos, mas também em outras crucíferas como a couve kale ou as couves de bruxelas, é um dos mais potentes indutores da Nrf2, o que poderá explicar em parte as suas propriedades anticancerígenas e outras ao ativar enzimas anti-inflamatórias, detoxificantes e antioxidantes . Uma das melhores fontes de sulforafano são os germinados de brócolos, com concentrações 50 a 100 vezes superiores aos brócolos maduros .

Um estudo clínico aleatorizado realizado na China procurou identificar a dose necessária de uma bebida de germinados de brócolos de forma a permitir a eliminação de benzeno, um dos componentes cancerígenos presentes na poluição do ar. Foram incluídos 170 participantes com diferentes doses da bebida. De acordo com os resultados do estudo, entre aqueles que tomaram a maior dose de sulforafano (cerca de 40 micromoles), houve um aumento significativo da detoxificação de benzeno. O estudo conclui que os germinados de brócolos poderão ser uma forma eficaz de diminuir as consequências para a saúde da poluição do ar .

Os brócolos fazem parte da família das crucíferas. As crucíferas pertencem a uma família de vegetais com características únicas, responsáveis pelas suas conhecidas propriedades quimiopreventivas. Estes vegetais são assim chamados pelo facto de a flor de cada um deles ter pétalas espaçadas simetricamente em forma de cruz. Aquilo que os distingue dos outros vegetais passa por serem uma fonte privilegiada de uma classe específica de fitoquímicos, os glicosinolatos. Quando as paredes das suas células se partem, ao serem esmagados ou cortados, dá-se uma reação química através da exposição à enzima mirosinase que converte estas substâncias em moléculas como os isotiocianatos (ITC) e indóis.

Mesmo não existindo ainda recomendações específicas para o consumo de vegetais crucíferos, de acordo com as evidências disponíveis estima-se que sejam necessárias 5 porções por semana destes vegetais de forma a se obterem os seus benefícios quimiopreventivos .

A primeira vez que foi publicado um estudo que sugeria uma explicação para a relação entre o consumo de crucíferas e a diminuição do risco de cancro, foi em 1992, através da equipa liderada pelo Dr. Paul Talalay. O trabalho deste investigador centrou-se em identificar moléculas presentes em vegetais comestíveis capazes de induzir os enzimas de fase II, responsáveis por desativar substâncias potencialmente cancerígenas no nosso organismo. Essa pesquisa levou a que identificasse o sulforafano como um dos mais potentes indutores desses enzimas .

O sulforafano apresenta várias propriedades importantes na proteção contra o cancro, tais como :

  • Indução das enzimas de fase II;
  • Indução da apoptose;
  • Interrupção do ciclo celular;
  • Inibição da angiogénese;
  • Propriedades anti-inflamatórias.
  • Propriedades epigenéticas.

Alguns estudos clínicos sugerem que o sulforafano poderá ser útil na prevenção ou tratamento de doenças como cancro da mama, do pulmão, da próstata, diabetes, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, doenças da pele e autismo .

 

O sulforafano forma-se a partir da glicorafanina, presente em grandes quantidades nos brócolos. Para que se dê a reação química que dá origem ao sulforafano, a glicorafanina tem de entrar em contacto com a mirosinase, o que acontece quando se corta, tritura ou esmaga os brócolos. No entanto, outra substância presente nestes vegetais, a proteína epitioespecificadora (ESP), desvia essa reação dando origem ao sulforafano nitrila, o qual não tem valor bioativo conhecido .  O sulforafano nitrila é o principal produto da hidrólise da glicorafanina. Os brócolos e outros vegetais da espécie Brassica oleracea produzem nitrilas, o que já não acontece com outros membros das brássicas, tais como o rábano, a mostarda branca e a raíz-forte, as quais só formam isotiocianatos .

A forma de preparar os brócolos e outras crucíferas, tem um grande impacto sobre a presença e a biodisponibilidade destes fitoquímicos. Os glicosinolatos, precursores destas substâncias bioativas, são sensíveis ao calor e forma de confeção. Basta cozinhar em microondas durante 5 minutos para haver uma perda de 74% na concentração de glicosinolatos nos brócolos. Cozer em água durante 3 minutos resulta numa perda de 55,3% e de cerca de 18,6% de glicosinolatos a libertarem-se para a água. Por outro lado, cozer a vapor durante 3 minutos permitiu manter intactos cerca de 97,7% dos glicosinolatos .

A mirosinase, enzima fundamental para a formação de sulforafano, é também sensível ao calor. Cozinhar as crucíferas antes de permitir a hidrólise dos glicosinolatos resulta numa perda significativa desses componentes e todos os benefícios associados. Uma das estratégias passa por consumir crucíferas cruas. No entanto, como vimos antes, se cortamos ou mastigamos brócolos crus, por causa da presença de ESP, obtemos maior contentração de sulforafano nitrila. Uma vez que a ESP também é sensível ao calor, sendo mais sensível do que a mirosinase, quando aquecemos os brócolos a 60 graus durante 5 a 10 minutos, desativamos a ESP sem desativar a mirosinase, o que resulta na formação de sulforafano .

Curiosamente, a mirosinase presente nos germinados de brócolos mostram ter maior resistência ao calor do que os brócolos maduros . Mesmo quando chegamos a temperaturas como os 100 graus, obtemos sulforafano, o que significa que se trata de uma forma mais eficaz e prática de o fazer. Além disso, os germinados têm entre 20 a 50 vezes mais glicosinolatos do que brócolos maduros . A ESP nos germinados de brócolos tem o seu pico de atividade no 2º dia de germinação e diminui no 5º dia, pelo que haverá vantagem em colher os germinados só a partir desse dia .

Existem também outras formas de garantirmos uma maior formação de sulforafano a partir de brócolos maduros. Cozinhar a vapor durante 3 minutos, garantindo que não cortamos as flores antes de os cozinharmos, permite a formação de sulforafano, evitando o sulforafano nitrila .

 

Outra das formas consiste em cozer a vapor os brócolos maduros inteiros durante o tempo que se queira e acrescentar no fim sementes de mostarda em pó, uma vez que estas são uma fonte estável de mirosinase . Também é possível combinar na mesma refeição brócolos cozidos com crucíferas cruas, como couve roxa, rúcula, rabanete, agrião ou outros. Uma das brássicas mais resistentes ao calor é o rábano Daikon. A mirosinase contida na raíz de rábano Daikon tem maior resistência ao calor, existindo formação de sulforafano mesmo quando aquecida a 125 graus durante 10 minutos .

Embora a forma mais eficaz de se obter sulforafano a partir de brócolos seja garantindo que exista mirosinase disponível para a hidrólise dos glicosinolatos, o glicorafano pode ser em parte convertido em sulforafano no intestino grosso pela microbiota. Cerca de 10 a 20% de metabolitos de sulforafano podem ser encontrados na urina depois de se ingerir brócolos sem mirosinase, apenas pela ação das bactérias presentes no intestino grosso .

Uma dieta de base vegetal enriquecida com crucíferas como os brócolos, germinados de brócolos e outras, poderá ser uma forma eficaz de prevenir várias doenças crónicas. Além disso, poderá também diminuir os efeitos prejudiciais da poluição do ar, ajudando na detoxificação dos respetivos componentes cancerígenos.

Referências:

1.
Lelieveld J, Evans JS, Fnais M, Giannadaki D, Pozzer A. The contribution of outdoor air pollution sources to premature mortality on a global scale. Nature. 2015 Sep 17;525(7569):367–71.
1.
Heiss E, Herhaus C, Klimo K, Bartsch H, Gerhäuser C. Nuclear Factor κB Is a Molecular Target for Sulforaphane-mediated Anti-inflammatory Mechanisms. J Biol Chem [Internet]. 2001 Aug 24 [cited 2020 Aug 24];276(34):32008–15. Available from: http://www.jbc.org/content/276/34/32008
1.
Zhang Y. Cancer-preventive isothiocyanates: measurement of human exposure and mechanism of action. Mutat Res. 2004 Nov 2;555(1–2):173–90.
1.
Palliyaguru DL, Yuan JM, Kensler TW, Fahey JW. Isothiocyanates: Translating the Power of Plants to People. Mol Nutr Food Res. 2018;62(18):e1700965.
1.
Loomis D, Guyton KZ, Grosse Y, El Ghissassi F, Bouvard V, Benbrahim-Tallaa L, et al. Carcinogenicity of benzene. Lancet Oncol. 2017;18(12):1574–5.
1.
Münzel T, Sørensen M, Gori T, Schmidt FP, Rao X, Brook FR, et al. Environmental stressors and cardio-metabolic disease: part II-mechanistic insights. Eur Heart J. 2017 Feb 21;38(8):557–64.
1.
Brook RD, Rajagopalan S, Pope CA, Brook JR, Bhatnagar A, Diez-Roux AV, et al. Particulate matter air pollution and cardiovascular disease: An update to the scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2010 Jun 1;121(21):2331–78.
1.
Rajagopalan S, Park B, Palanivel R, Vinayachandran V, Deiuliis JA, Gangwar RS, et al. Metabolic effects of air pollution exposure and reversibility. J Clin Invest [Internet]. 2020 Aug 11 [cited 2020 Aug 24]; Available from: https://www.jci.org/articles/view/137315
1.
Loomis D, Grosse Y, Lauby-Secretan B, El Ghissassi F, Bouvard V, Benbrahim-Tallaa L, et al. The carcinogenicity of outdoor air pollution. Lancet Oncol. 2013 Dec;14(13):1262–3.
1.
Chen JG, Johnson J, Egner P, Ng D, Zhu J, Wang JB, et al. Dose-dependent detoxication of the airborne pollutant benzene in a randomized trial of broccoli sprout beverage in Qidong, China. Am J Clin Nutr [Internet]. 2019 Sep 1 [cited 2019 Dec 10];110(3):675–84. Available from: https://academic.oup.com/ajcn/article/110/3/675/5527777
1.
Yagishita Y, Fahey JW, Dinkova-Kostova AT, Kensler TW. Broccoli or Sulforaphane: Is It the Source or Dose That Matters? Molecules [Internet]. 2019 Jan [cited 2019 Nov 7];24(19):3593. Available from: https://www.mdpi.com/1420-3049/24/19/3593
1.
Lelieveld J, Klingmüller K, Pozzer A, Pöschl U, Fnais M, Daiber A, et al. Cardiovascular disease burden from ambient air pollution in Europe reassessed using novel hazard ratio functions. Eur Heart J [Internet]. 2019 May 21 [cited 2019 Oct 15];40(20):1590–6. Available from: https://academic.oup.com/eurheartj/article/40/20/1590/5372326
1.
Okunade O, Niranjan K, Ghawi SK, Kuhnle G, Methven L. Supplementation of the Diet by Exogenous Myrosinase via Mustard Seeds to Increase the Bioavailability of Sulforaphane in Healthy Human Subjects after the Consumption of Cooked Broccoli. Mol Nutr Food Res. 2018;62(18):e1700980.
1.
McNaughton SA, Marks GC. Development of a food composition database for the estimation of dietary intakes of glucosinolates, the biologically active constituents of cruciferous vegetables. Br J Nutr. 2003 Sep;90(3):687–97.
1.
Fahey JW, Zhang Y, Talalay P. Broccoli sprouts: An exceptionally rich source of inducers of  enzymes that protect against chemical carcinogens. Proc Natl Acad Sci U S A [Internet]. 1997 Sep 16 [cited 2014 Dec 1];94(19):10367–72. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC23369/
1.
Zhang Y, Talalay P, Cho CG, Posner GH. A major inducer of anticarcinogenic protective enzymes from broccoli: isolation and elucidation of structure. Proc Natl Acad Sci U S A [Internet]. 1992 Mar 15 [cited 2014 Dec 6];89(6):2399–403. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC48665/
1.
Matusheski NV, Jeffery EH. Comparison of the bioactivity of two glucoraphanin hydrolysis products found in broccoli, sulforaphane and sulforaphane nitrile. J Agric Food Chem. 2001 Dec;49(12):5743–9.
1.
Kensler TW, Egner PA, Agyeman AS, Visvanathan K, Groopman JD, Chen JG, et al. Keap1-Nrf2 Signaling: A Target for Cancer Prevention by Sulforaphane. Top Curr Chem [Internet]. 2013 [cited 2014 Dec 4];329:163–77. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3553557/
1.
Dosz EB, Jeffery EH. Modifying the processing and handling of frozen broccoli for increased sulforaphane formation. J Food Sci. 2013 Sep;78(9):H1459-1463.
1.
Vallejo F, Tomás-Barberán F, García-Viguera C. Glucosinolates and vitamin C content in edible parts of broccoli florets after domestic cooking. Eur Food Res Technol [Internet]. 2002 Oct 1 [cited 2014 Dec 4];215(4):310–6. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007/s00217-002-0560-8
1.
Shapiro TA, Fahey JW, Wade KL, Stephenson KK, Talalay P. Human metabolism and excretion of cancer chemoprotective glucosinolates and isothiocyanates of cruciferous vegetables. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev [Internet]. 1998 Dec 1 [cited 2014 Dec 1];7(12):1091–100. Available from: http://cebp.aacrjournals.org/content/7/12/1091
1.
Williams DJ, Critchley C, Pun S, Nottingham S, O’Hare TJ. Epithiospecifier protein activity in broccoli: The link between terminal alkenyl glucosinolates and sulphoraphane nitrile. Phytochemistry [Internet]. 2008 Nov [cited 2014 Nov 24];69(16):2765–73. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0031942208004172
1.
Matusheski NV, Juvik JA, Jeffery EH. Heating decreases epithiospecifier protein activity and increases sulforaphane formation in broccoli. Phytochemistry. 2004 May;65(9):1273–81.
1.
Higdon JV, Delage B, Williams DE, Dashwood RH. Cruciferous Vegetables and Human Cancer Risk: Epidemiologic Evidence and Mechanistic Basis. Pharmacol Res [Internet]. 2007 Mar [cited 2014 Jul 8];55(3):224–36. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2737735/
1.
Lenzi M, Fimognari C, Hrelia P. Sulforaphane as a promising molecule for fighting cancer. Cancer Treat Res. 2014;159:207–23.