Nem todas as dietas vegetarianas são saudáveis.

Inúmeros estudos sugerem que as dietas de base vegetal, que incluem cereais integrais, gorduras saudáveis insaturadas, frutos, vegetais e ácidos gordos ómega-3 poderão ser eficazes na prevenção de doenças cardiovasculares e outras doenças crónicas (Hu, 2003). No entanto, uma dieta de base vegetal não significa automaticamente que estamos protegidos contra doenças crónicas. O facto é que existem muitos caminhos para uma dieta pouco saudável, mesmo em dietas de base vegetal. Uma dieta vegetariana pode ser muito rica em farinhas e cereais refinados, açúcares adicionados e gorduras pouco saudáveis, o que a torna um forte candidato a aumentar o risco de doenças. Nesse sentido, convém diferenciarmos dietas de base vegetal em função da qualidade das mesmas de forma a obtermos benefícios para a saúde.

Para identificar os efeitos de diferentes dietas de base vegetal em função da qualidade, um estudo acompanhou 146 participantes obesos durante cerca de 10 anos levando em consideração os tipos de alimentos vegetais ingeridos. Os produtos vegetais saudáveis eram maioritariamente os menos processados, como cereais integrais, frutos, vegetais, frutos secos, azeite e chá/café. Por outro lado, os produtos vegetais não-saudáveis consistiam em sumos, bebidas açucaradas, farinhas refinadas, batatas e alimentos açucarados.

No final do estudo, cerca de metade dos participantes desenvolveram hipertensão, lípidos elevados, e níveis de açúcar elevados – fatores que aumentam o risco de doenças cardiovasculares. Entre os homens, entre aqueles que ingeriram mais alimentos vegetais, houve um risco inferior desses fatores de risco. A ingestão de alimentos vegetais saudáveis esteve associada a uma maior probabilidade de manter uma pressão arterial normal, assim como os lípidos e o açúcar no sangue. Por outro lado, alimentos vegetais pouco saudáveis estiveram associados a uma pressão arterial elevada, assim como níveis elevados de lípidos e açúcar no sangue.

autora do estudo comentou que “comer menos carne é benéfico para a saúde cardiovascular, especialmente quando é substituída por alimentos vegetais saudáveis como cereais integrais, frutos, vegetais, frutos secos e azeite”.

Uma análise anterior a 3 estudos prospetivos que acompanharam 209298 participantes ao longo de 29 anos, chegou a conclusões semelhantes. A análise mostrou que uma dieta de base vegetal rica em alimentos saudáveis esteve associada a um risco 25% inferior de doença coronária. No entanto, uma dieta de base vegetal rica em alimentos pouco saudáveis esteve associada a um risco 32% superior de doença coronária (Satija et al., 2017)Não basta por isso fazer uma dieta vegetariana ou outra de base vegetal. Para diminuir o risco de doenças crónicas, além de aumentar a ingestão de alimentos vegetais, estes devem ser de qualidade.

Relativamente ao risco de doenças crónicas, dietas de base vegetal, especialmente as saudáveis, poderão diminuir o risco. Em 2013, o estudo EPIC-Oxford que seguiu 44561 participantes ao longo de 11 anos, concluiu que aqueles que faziam uma dieta vegetariana tiveram um risco 32% inferior de doença arterial coronária, comparativamente com uma dieta omnívora (Crowe et al., 2013).

No mesmo ano, o estudo Adventist Health Study 2, que incluiu 96469 participantes, concluiu também que os vegetarianos tiveram um risco 19% inferior de doença arterial coronária e 13% inferior de doença cardiovascular. Os resultados mais significativos foram entre os homens que faziam uma dieta vegana (com total exclusão de produtos de origem animal), nos quais se observou uma redução de 55% no risco de doença arterial coronária e 42% no risco de doença cardiovascular, comparativamente com os não-vegetarianos (Orlich et al., 2013).

Já em 2016, uma revisão sistemática e meta-análise concluiu que dietas vegetarianas estão associadas a uma diminuição de 25% no risco de doença coronária (Dinu et al., 2016).

Outro estudo sugere também que padrões alimentares de base vegetal poderão ser protetores contra doenças cardiovasculares e diminuir a mortalidade. Trata-se de um estudo prospetivo no qual foram acompanhados 12168 participantes ao longo de 25 anos. A dieta dos participantes foi classificada de acordo com 4 índices: dieta de base vegetal geral, dieta provegetariana, dieta de base vegetal saudável e dieta de base vegetal menos saudável (Kim Hyunju et al., 2019). Foram observados os seguintes resultados:

  • Aqueles que tiveram pontuações mais altas no índice de dieta de vegetal ou provegetariana tiveram um risco inferior de doença cardiovascular (16%), de mortalidade por doença cardiovascular (31 a 32%) e mortalidade total (18 a 25%);
  • Uma maior adesão ao índice de dieta de base vegetal saudável esteve associado a um risco inferior de mortalidade por doença cardiovascular (19%) e mortalidade total (11%);
  • Aqueles que consumiram mais produtos animais tiveram um risco superior de doenças cardiovasculares (14%), mortalidade por doenças cardiovasculares (30%) e mortalidade total (12%).

Todos os resultados foram ajustados para os principais confundidores. O estudo concluiu que na população em geral, dietas de base vegetal (ricas em produtos vegetais e pobres em produtos animais) poderão diminuir o risco de doenças cardiovascular e mortalidade (Kim Hyunju et al., 2019).

Neste estudo não houve relação entre uma dieta de base vegetal pouco saudável e o risco de doenças cardiovasculares e mortalidade. Esse facto poderá dever-se ao facto de as batatas terem sido incluídas no índice de alimentos pouco saudáveis. Quando foram isolados os efeitos das batatas, estas estão associadas a um risco inferior de doença cardiovascular e mortalidade, o que pode explicar a discrepância. Relativamente ao consumo de batatas, existem resultados contraditórios. Alguns estudos mostram um aumento de risco de doenças crónicas e hipertensão e outros uma diminuição (Borch et al., 2016Borgi et al., 2016Muraki et al., 2016Schwingshackl et al., 2019). Provavelmente esses resultados estarão dependentes do resto da dieta e também da forma como são preparadas (fritas ou não), o que terá de ser esclarecido futuramente.

Além do papel de dietas de base vegetal na prevenção de doenças cardiovasculares, estas poderão também ser úteis no tratamento da doença já instalada. Um estudo clínico mostrou que um programa de intervenção que incluiu uma dieta vegetariana pobre em gordura, cessação de tabaco, gestão de stress e exercício físico moderado ao longo de um ano foi capaz de regredir a doença em 82% dos participantes no grupo experimental, contrariamente ao grupo de controlo no qual a doença progrediu (Ornish et al., 1990). Quando a intervenção foi realizada durante 5 anos num estudo análogo posterior, foi observada uma regressão ainda mais significativa do risco (Ornish et al., 1998).

Além dos fatores de risco que podemos modificar, a predisposição genética de alguns indivíduos é também importante para o risco de doença cardiovascular. No entanto, uma análise que incluiu 4 estudos, mostrou que mesmo naqueles que têm um risco superior de doença coronária por motivos genéticos, um estilo de vida saudável está associado a uma diminuição significativa desse risco. Mesmo quando existe predisposição genética, o destino não está predestinado e depende em grande medida das nossas ações e comportamentos (Khera et al., 2016).

Dietas de base vegetal saudáveis, ricas em vegetais, frutos, cereais integrais, leguminosas, frutos secos e sementes poderão ser eficazes a diminuir o risco de doenças cardiovasculares. Mas dietas ricas em alimentos ultraprocessados, mesmo de origem vegetal, têm os mesmos riscos para a saúde de outras dietas de má qualidade, vegetarianas ou não. Afinal, refrigerantes, açúcar, bolachas ou batatas fritas, são todas de origem vegetal!

Referências:

1. Hu FB. Plant-based foods and prevention of cardiovascular disease: an overview. Am J Clin Nutr [Internet]. 2003 Sep 1 [cited 2016 Dec 1];78(3):544S-551S. Available from: http://ajcn.nutrition.org/content/78/3/544S

2. Satija A, Bhupathiraju SN, Spiegelman D, Chiuve SE, Manson JE, Willett W, et al. Healthful and Unhealthful Plant-Based Diets and the Risk of Coronary Heart Disease in U.S. Adults. Journal of the American College of Cardiology [Internet]. 2017 Jul 25;70(4):411–22. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0735109717375216

3. Crowe FL, Appleby PN, Travis RC, Key TJ. Risk of hospitalization or death from ischemic heart disease among British vegetarians and nonvegetarians: results from the EPIC-Oxford cohort study. Am J Clin Nutr [Internet]. 2013 Mar 1 [cited 2015 Jul 16];97(3):597–603. Available from: http://ajcn.nutrition.org/content/97/3/597

4. Orlich MJ, Singh PN, Sabaté J, Jaceldo-Siegl K, Fan J, Knutsen S, et al. Vegetarian Dietary Patterns and Mortality in Adventist Health Study 2. JAMA Intern Med [Internet]. 2013 Jul 8 [cited 2015 Jul 16];173(13):1230–8. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4191896/

5. Dinu M, Abbate R, Gensini GF, Casini A, Sofi F. Vegetarian, vegan diets and multiple health outcomes: a systematic review with meta-analysis of observational studies. Critical Reviews in Food Science and Nutrition [Internet]. 2016 Feb 6 [cited 2016 Feb 10];0(ja):00–00. Available from: http://dx.doi.org/10.1080/10408398.2016.1138447

6. Kim Hyunju, Caulfield Laura E., Garcia‐Larsen Vanessa, Steffen Lyn M., Coresh Josef, Rebholz Casey M. Plant‐Based Diets Are Associated With a Lower Risk of Incident Cardiovascular Disease, Cardiovascular Disease Mortality, and All‐Cause Mortality in a General Population of Middle‐Aged Adults. Journal of the American Heart Association [Internet]. 2019 Aug 20 [cited 2019 Aug 7];8(16):e012865. Available from: https://www.ahajournals.org/doi/full/10.1161/JAHA.119.012865

7. Borch D, Juul-Hindsgaul N, Veller M, Astrup A, Jaskolowski J, Raben A. Potatoes and risk of obesity, type 2 diabetes, and cardiovascular disease in apparently healthy adults: a systematic review of clinical intervention and observational studies. Am J Clin Nutr [Internet]. 2016 Aug 1 [cited 2020 Sep 1];104(2):489–98. Available from: https://academic.oup.com/ajcn/article/104/2/489/4564613

8. Borgi L, Rimm EB, Willett WC, Forman JP. Potato intake and incidence of hypertension: results from three prospective US cohort studies. BMJ. 2016 17;353:i2351.

9. Muraki I, Rimm EB, Willett WC, Manson JE, Hu FB, Sun Q. Potato Consumption and Risk of Type 2 Diabetes: Results From Three Prospective Cohort Studies. Diabetes Care. 2016 Mar;39(3):376–84.

10. Schwingshackl L, Schwedhelm C, Hoffmann G, Boeing H. Potatoes and risk of chronic disease: a systematic review and dose–response meta-analysis. Eur J Nutr [Internet]. 2019 Sep 1 [cited 2020 Sep 1];58(6):2243–51. Available from: https://doi.org/10.1007/s00394-018-1774-2

11. Ornish D, Brown SE, Billings JH, Scherwitz LW, Armstrong WT, Ports TA, et al. Can lifestyle changes reverse coronary heart disease? The Lancet [Internet]. 1990 Jul 21 [cited 2016 Nov 22];336(8708):129–33. Available from: /journals/lancet/article/PII0140-6736(90)91656-U/abstract

12. Ornish D, Scherwitz LW, Billings JH, Brown SE, Gould KL, Merritt TA, et al. Intensive lifestyle changes for reversal of coronary heart disease. JAMA. 1998 Dec 16;280(23):2001–7.

13. Khera AV, Emdin CA, Drake I, Natarajan P, Bick AG, Cook NR, et al. Genetic Risk, Adherence to a Healthy Lifestyle, and Coronary Disease. New England Journal of Medicine [Internet]. 2016 Nov 13 [cited 2016 Nov 22];0(0):null. Available from: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa1605086