Inúmeros estudos sugerem que as dietas de base vegetal, que incluem cereais integrais, gorduras saudáveis insaturadas, frutos, vegetais e ácidos gordos ómega-3 poderão ser eficazes na prevenção de doenças cardiovasculares e outras doenças crónicas . No entanto, uma dieta de base vegetal não significa automaticamente que estamos protegidos contra doenças crónicas. O facto é que existem muitos caminhos para uma dieta pouco saudável, mesmo em dietas de base vegetal. Uma dieta vegetariana pode ser muito rica em farinhas e cereais refinados, açúcares adicionados e gorduras pouco saudáveis, o que a torna um forte candidato a aumentar o risco de doenças. Nesse sentido, convém diferenciarmos dietas de base vegetal em função da qualidade das mesmas de forma a obtermos benefícios para a saúde.
Para identificar os efeitos de diferentes dietas de base vegetal em função da qualidade, um estudo acompanhou 146 participantes obesos durante cerca de 10 anos levando em consideração os tipos de alimentos vegetais ingeridos. Os produtos vegetais saudáveis eram maioritariamente os menos processados, como cereais integrais, frutos, vegetais, frutos secos, azeite e chá/café. Por outro lado, os produtos vegetais não-saudáveis consistiam em sumos, bebidas açucaradas, farinhas refinadas, batatas e alimentos açucarados.
No final do estudo, cerca de metade dos participantes desenvolveram hipertensão, lípidos elevados, e níveis de açúcar elevados – fatores que aumentam o risco de doenças cardiovasculares. Entre os homens, entre aqueles que ingeriram mais alimentos vegetais, houve um risco inferior desses fatores de risco. A ingestão de alimentos vegetais saudáveis esteve associada a uma maior probabilidade de manter uma pressão arterial normal, assim como os lípidos e o açúcar no sangue. Por outro lado, alimentos vegetais pouco saudáveis estiveram associados a uma pressão arterial elevada, assim como níveis elevados de lípidos e açúcar no sangue.
A autora do estudo comentou que “comer menos carne é benéfico para a saúde cardiovascular, especialmente quando é substituída por alimentos vegetais saudáveis como cereais integrais, frutos, vegetais, frutos secos e azeite”.
Uma análise anterior a 3 estudos prospetivos que acompanharam 209298 participantes ao longo de 29 anos, chegou a conclusões semelhantes. A análise mostrou que uma dieta de base vegetal rica em alimentos saudáveis esteve associada a um risco 25% inferior de doença coronária. No entanto, uma dieta de base vegetal rica em alimentos pouco saudáveis esteve associada a um risco 32% superior de doença coronária . Não basta por isso fazer uma dieta vegetariana ou outra de base vegetal. Para diminuir o risco de doenças crónicas, além de aumentar a ingestão de alimentos vegetais, estes devem ser de qualidade.
Relativamente ao risco de doenças crónicas, dietas de base vegetal, especialmente as saudáveis, poderão diminuir o risco. Em 2013, o estudo EPIC-Oxford que seguiu 44561 participantes ao longo de 11 anos, concluiu que aqueles que faziam uma dieta vegetariana tiveram um risco 32% inferior de doença arterial coronária, comparativamente com uma dieta omnívora .
No mesmo ano, o estudo Adventist Health Study 2, que incluiu 96469 participantes, concluiu também que os vegetarianos tiveram um risco 19% inferior de doença arterial coronária e 13% inferior de doença cardiovascular. Os resultados mais significativos foram entre os homens que faziam uma dieta vegana (com total exclusão de produtos de origem animal), nos quais se observou uma redução de 55% no risco de doença arterial coronária e 42% no risco de doença cardiovascular, comparativamente com os não-vegetarianos .
Já em 2016, uma revisão sistemática e meta-análise concluiu que dietas vegetarianas estão associadas a uma diminuição de 25% no risco de doença coronária .
Outro estudo sugere também que padrões alimentares de base vegetal poderão ser protetores contra doenças cardiovasculares e diminuir a mortalidade. Trata-se de um estudo prospetivo no qual foram acompanhados 12168 participantes ao longo de 25 anos. A dieta dos participantes foi classificada de acordo com 4 índices: dieta de base vegetal geral, dieta provegetariana, dieta de base vegetal saudável e dieta de base vegetal menos saudável . Foram observados os seguintes resultados:
- Aqueles que tiveram pontuações mais altas no índice de dieta de vegetal ou provegetariana tiveram um risco inferior de doença cardiovascular (16%), de mortalidade por doença cardiovascular (31 a 32%) e mortalidade total (18 a 25%);
- Uma maior adesão ao índice de dieta de base vegetal saudável esteve associado a um risco inferior de mortalidade por doença cardiovascular (19%) e mortalidade total (11%);
- Aqueles que consumiram mais produtos animais tiveram um risco superior de doenças cardiovasculares (14%), mortalidade por doenças cardiovasculares (30%) e mortalidade total (12%).
Todos os resultados foram ajustados para os principais confundidores. O estudo concluiu que na população em geral, dietas de base vegetal (ricas em produtos vegetais e pobres em produtos animais) poderão diminuir o risco de doenças cardiovascular e mortalidade .
Neste estudo não houve relação entre uma dieta de base vegetal pouco saudável e o risco de doenças cardiovasculares e mortalidade. Esse facto poderá dever-se ao facto de as batatas terem sido incluídas no índice de alimentos pouco saudáveis. Quando foram isolados os efeitos das batatas, estas estão associadas a um risco inferior de doença cardiovascular e mortalidade, o que pode explicar a discrepância. Relativamente ao consumo de batatas, existem resultados contraditórios. Alguns estudos mostram um aumento de risco de doenças crónicas e hipertensão e outros uma diminuição . Provavelmente esses resultados estarão dependentes do resto da dieta e também da forma como são preparadas (fritas ou não), o que terá de ser esclarecido futuramente.
Além do papel de dietas de base vegetal na prevenção de doenças cardiovasculares, estas poderão também ser úteis no tratamento da doença já instalada. Um estudo clínico mostrou que um programa de intervenção que incluiu uma dieta vegetariana pobre em gordura, cessação de tabaco, gestão de stress e exercício físico moderado ao longo de um ano foi capaz de regredir a doença em 82% dos participantes no grupo experimental, contrariamente ao grupo de controlo no qual a doença progrediu . Quando a intervenção foi realizada durante 5 anos num estudo análogo posterior, foi observada uma regressão ainda mais significativa do risco .
Além dos fatores de risco que podemos modificar, a predisposição genética de alguns indivíduos é também importante para o risco de doença cardiovascular. No entanto, uma análise que incluiu 4 estudos, mostrou que mesmo naqueles que têm um risco superior de doença coronária por motivos genéticos, um estilo de vida saudável está associado a uma diminuição significativa desse risco. Mesmo quando existe predisposição genética, o destino não está predestinado e depende em grande medida das nossas ações e comportamentos .
Dietas de base vegetal saudáveis, ricas em vegetais, frutos, cereais integrais, leguminosas, frutos secos e sementes poderão ser eficazes a diminuir o risco de doenças cardiovasculares. Mas dietas ricas em alimentos ultraprocessados, mesmo de origem vegetal, têm os mesmos riscos para a saúde de outras dietas de má qualidade, vegetarianas ou não. Afinal, refrigerantes, açúcar, bolachas ou batatas fritas, são todas de origem vegetal!
Referências:
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