síndrome de Lynch (SL) é uma doença hereditária, com transmissão autossómica dominante, que se estima ser responsável por 3 a 5% da totalidade dos casos de cancro colorretal (CCR). Os indivíduos com SL têm uma probabilidade próxima dos 70% de desenvolverem CCR. Este acontecimento ocorre geralmente em idades mais jovens, os tumores localizam-se sobretudo no cólon direito. Além disso, apresentam um risco superior acrescido de tumores extra-cólicos (TEC), nomeadamente carcinomas do endométrio, ovário, estômago, intestino delgado, urotélio, pâncreas, vias biliares, cérebro e pele (Vasen et al., 2007).

De acordo com um estudo clínico aleatorizado (CAPP2), no caso de doentes com SL, tomar aspirina diariamente poderá diminuir o risco de cancro colorretal em 50% (Burn et al., 2020). No entanto, a única intervenção que mostrou ser eficaz a reduzir o risco de tumores extra-cólicos nestes indivíduos, é a cirurgia profilática, quando indicada. Por outro lado, estes cancros, devido às suas características, têm uma mortalidade superior ao cancro colorretal nos doentes com SL (Møller et al., 2018). Nesse sentido, é importante encontrar estratégias que possam contribuir para uma diminuição do risco nestes doentes.

O estudo clínico aleatorizado CAPP2 incluiu 937 participantes com síndrome de Lynch recrutados entre 1999 e 2005. Estes participantes foram divididos em 2 grupos de forma aleatória, sendo que, durante um período até 4 anos, um dos grupos tomou 30 g de amido resistente diariamente e outro recebeu o placebo. De seguida, os participantes foram acompanhados ao longo de um período até 20 anos. Ao fim desse tempo, foram observados os seguintes resultados:

  • Aqueles que tomaram amido resistente tiveram um risco 58% inferior de cancros extra-cólicos.

Os resultados protetores do amido resistente foram particularmente pronunciados nos cancros do trato gastrointestinal superior (estômago, duodeno, vias biliares e pâncreas) (Mathers et al., 2022).

Estes resultados são importantes pelo facto de existirem poucas estratégias eficazes na prevenção de cancros hereditários como é o caso da Síndrome de Lynch. Além disso, nestes doentes, a sobrevivência após um diagnóstico antes dos 65 anos de cancros do trato gastrointestinal superior é relativamente baixa em alguns casos (pâncreas: 0%; vias biliares: 29%; estômago: 61%; duodeno: 67%).  Será necessário realizar mais estudos de grandes dimensões para confirmar estes resultados.

Um dos aspetos interessantes observados foi o facto de os efeitos do amido resistente prolongarem-se ao longo de 10 anos, mesmo tendo sido tomado durante uma média de 2,5 anos. A quantidade de amido resistente utilizada neste estudo foi o equivalente à que se encontra numa banana verde, por exemplo. Nesse sentido, as alterações necessárias no padrão alimentar para alcançar a mesma quantidade de amido resistente seriam fáceis de concretizar.

Embora ainda não sejam inteiramente conhecidos, alguns dos possíveis mecanismos dos efeitos do amido resistente na prevenção de tumores são:

  • A fermentação de amido resistente pelas bactérias da microbiota dá origem a ácidos gordos de cadeia curta como o butirato, o qual inibe a proliferação de células de cancro e poderá induzir a apoptose.
  • O amido resistente poderá diminuir a formação de ácidos biliares secundários através de alterações na microbiota.
  • Efeitos imunomoduladores do amido resistente através das alterações na microbiota.

Alimentos ricos em fibras e amido resistente são os principais alimentos de bactérias benéficas e protetoras do nosso intestino. Ao fermentarem essas fibras e amidos, certas bactérias produzem substâncias como o butirato ou o acetato, as quais têm inúmeros benefícios para a saúde.

O butirato é a principal fonte de energia das células do intestino e está associado a inúmeros benefícios para a saúde (Canani et al., 2011):

  • Diminui a inflamação;
  • Reforça a barreira intestinal;
  • Diminui a permeabilidade intestinal;
  • Reforça as junções apertadas das células do intestino;
  • Aumenta a formação de mucosa intestinal;
  • Aumenta o número de linfócitos T reguladores;
  • Diminui o pH do intestino.

O amido é um polímero presente nas plantas tendo como função o armazenamento de glicose. Esse polímero de moléculas de glicose pode ter duas configurações distintas: linear (amilose) ou ramificada (amilopectina). O amido pode ser classificado em função da velocidade a que é digerido. O amido resistente (AR) é um tipo de amido que resiste à digestão no intestino delgado, sendo posteriormente fermentado pela microbiota no intestino, o que dá origem a ácidos gordos de cadeia curta como o butirato. Existem 5 tipos de amido resistente (Lockyer & Nugent, 2017Raigond et al., 2019):

  • AR1 – inacessíveis às enzimas digestivas devido às barreiras físicas formadas pelas paredes celulares e matrizes proteicas. Ex.: cereais integrais, sementes, leguminosas.

  • AR2 – protegidas da digestão devido às suas estruturas cristalinas. Ex.: batatas cruas, bananas verdes, algumas leguminosas, milho rico em amilose.
  • AR3 – amido retrogradado formado quando alimentos ricos em amido (ex.: batatas, massa, arroz) são cozinhados e depois arrefecidos. As cadeias longas ramificadas da amilopectina foram duplas hélices que não podem ser hidrolisadas pelas enzimas digestivas.
  • AR4 – amidos modificados quimicamente formados por ligação cruzada, eterização ou esterificação.
  • AR5 – Complexos amilose-lípido formados durante o processamento ou criados artificialmente.

Uma das fontes mais ricas em amido resistente é a banana verde (não amadurecida). No entanto, existem várias outras fontes, tais como (Lockyer & Nugent, 2017Dodevska et al., 2013Chen et al., 2010Murphy et al., 2008):

  • Banana verde;
  • Mandioca;
  • Feijão branco;
  • Grão-de-bico
  • Feijão vermelho;
  • Flocos de aveia crus;
  • Lentilhas vermelhas;
  • Caju;
  • Feijão preto;
  • Lentilhas;
  • Massa integral;
  • Arroz integral.

Atualmente ainda não existem recomendações para a ingestão de amido resistente, embora alguns autores sugiram uma ingestão de 20 g por dia de forma a obterem-se benefícios para a saúde (Baghurst et al., 1996). As estimativas que existem indicam que a ingestão de amido resistente será baixa nos países desenvolvidos. Por exemplo, no Reino Unido estima-se uma ingestão média de 3 g por dia e nos EUA uma ingestão de 5 g por dia (Lockyer & Nugent, 2017Murphy et al., 2008).

São vários os efeitos benéficos conhecidos do amido resistente para a saúde (Lockyer & Nugent, 2017):

  • Aumenta a produção de ácidos gordos de cadeia curta (embora seja variável de pessoa para pessoa);
  • Modula a composição da microbiota, aumentando a quantidade de bactérias produtoras de butirato;
  • Poderá contrariar os efeitos prejudiciais da carne vermelha no risco de cancro colorretal;
  • A resposta glicémica pós-prandial (após uma refeição) é diminuída, comparativamente com amidos digeríveis;
  • Poderá diminuir o apetite e ingestão de alimentos a curto-prazo;
  • Poderá aumentar a secreção de hormonas intestinais que promovem a saciedade,
  • Poderá ter um papel no tratamento de doença renal crónica.

A EFSA autorizou uma alegação de saúde relacionada com o amido resistente, a qual refere que “substituir amido digerível por amido resistente induz um aumento inferior dos níveis de açúcar no sangue após uma refeição”. Essa alegação aplica-se nos casos em que o amido resistente representa 14% de todo o amido presente (EFSA Panel on Dietetic Products & Nutrition and Allergies (NDA), 2011).

O amido resistente faz parte de um conjunto de fibras reconhecidas pelos seus efeitos benéficos para a saúde. Parte desses efeitos são mediados pela microbiota. A melhor forma de obter na alimentação amido resistente será uma dieta baseada em vegetais que inclua leguminosas, cereais integrais e sementes. Por outro lado, a banana verde é uma forma prática de aumentar ainda mais essa ingestão.

Referências:

  1. Vasen HFA, Möslein G, Alonso A, Bernstein I, Bertario L, Blanco I, et al. Guidelines for the clinical management of Lynch syndrome (hereditary non‐polyposis cancer). J Med Genet [Internet]. 2007 Jun [cited 2022 Jul 28];44(6):353–62. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2740877/

2. Burn J, Sheth H, Elliott F, Reed L, Macrae F, Mecklin JP, et al. Cancer prevention with aspirin in hereditary colorectal cancer (Lynch syndrome), 10-year follow-up and registry-based 20-year data in the CAPP2 study: a double-blind, randomised, placebo-controlled trial. The Lancet [Internet]. 2020 Jun 13 [cited 2022 Jul 28];395(10240):1855–63. Available from: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30366-4/fulltext

3. Møller P, Seppälä TT, Bernstein I, Holinski-Feder E, Sala P, Gareth Evans D, et al. Cancer risk and survival in path_MMR carriers by gene and gender up to 75 years of age: a report from the Prospective Lynch Syndrome Database. Gut [Internet]. 2018 Jul [cited 2022 Jul 28];67(7):1306–16. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6031262/

4. Mathers JC, Elliott F, Macrae F, Mecklin JP, Möslein G, McRonald FE, et al. Cancer Prevention with Resistant Starch in Lynch Syndrome Patients in the CAPP2-Randomized Placebo Controlled Trial: Planned 10-Year Follow-up. Cancer Prevention Research [Internet]. 2022 Jul 25 [cited 2022 Jul 28];OF1–12. Available from: https://doi.org/10.1158/1940-6207.CAPR-22-0044

5. Canani RB, Costanzo MD, Leone L, Pedata M, Meli R, Calignano A. Potential beneficial effects of butyrate in intestinal and extraintestinal diseases. World J Gastroenterol [Internet]. 2011 Mar 28 [cited 2017 Feb 11];17(12):1519–28. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3070119/

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7. Raigond P, Dutt S, Singh B. Resistant Starch in Food. In: Mérillon JM, Ramawat KG, editors. Bioactive Molecules in Food [Internet]. Cham: Springer International Publishing; 2019 [cited 2022 Jul 28]. p. 815–46. (Reference Series in Phytochemistry). Available from: https://doi.org/10.1007/978-3-319-78030-6_30

8. Dodevska MS, Djordjevic BI, Sobajic SS, Miletic ID, Djordjevic PB, Dimitrijevic-Sreckovic VS. Characterisation of dietary fibre components in cereals and legumes used in Serbian diet. Food Chemistry [Internet]. 2013 Dec 1 [cited 2022 Jul 28];141(3):1624–9. Available from: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0308814613006699

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