A relação entre o consumo de ovos e a saúde não é linear, com vários estudos a chegar a conclusões contraditórias, alguns mostrando aumentar o risco de doenças cardiovasculares ou mortalidade, outros diminuindo ou sem efeito (Shin et al., 2013Rong et al., 2013Xu et al., 2019Li et al., 2013Khawaja et al., 2017). Estes resultados devem-se a problemas em controlar todos os confundidores presentes na dieta, ou seja, outros elementos que poderão confundir os resultados, como os hábitos de estilo de vida associados ao consumo de ovos e os alimentos que fazem parte da dieta total. Por exemplo, em alguns países é comum acompanhar os ovos com carnes processadas, o que necessariamente eleva o risco de algumas doenças. Além disso, os estudos anteriores têm amostras pouco variadas e um período de acompanhamento curto.

Os ovos têm estado tradicionalmente associados ao risco de doenças cardiovasculares por serem fonte de colesterol. O colesterol obtido através da dieta tem menos efeito sobre os valores de colesterol LDL no sangue do que a gordura saturada, facto que levou a que as recomendações alimentares nos EUA em 2015 deixassem de considerar o colesterol nos alimentos um fator de preocupação. No entanto, o mesmo relatório recomendava também que se deve consumir a menor quantidade possível de colesterol no contexto de um padrão alimentar saudável. O relatório atualizado de 2020 refere que “parece prudente recomendar uma ingestão inferior de alimentos ricos em colesterol”, e menciona também a necessidade de mais estudos para esclarecer o assunto.

O facto é que grande parte dos estudos mais recentes são financiados pela indústria dos ovos, o que poderá enviesar os resultados, menorizando os reais efeitos do colesterol sobre os níveis de LDL e por conseguinte do risco de doenças cardiovasculares.

Um novo estudo procurou obter evidências mais robustas sobre a relação entre ovos, colesterol e o risco de mortalidade (Zhao et al., 2022). Para isso foi analisado um estudo prospetivo com 27078 homens acompanhados ao longo de mais de 30 anos e realizada uma meta-análise atualizada a estudos prospetivos.

Alguns resultados do estudo:

  • Por cada 300 mg adicionais de colesterol ingerido diariamente houve um risco 10% e 13% superior de mortalidade total e por doença cardiovascular, respetivamente;
  • Por cada ovo de 50 g adicionais ingerido diariamente houve um risco 6% e 9% superior de mortalidade total e por doença cardiovascular, respetivamente;
  • Níveis superiores de colesterol no sangue estiveram associados a um risco superior de mortalidade por doença cardiovascular.

A meta-análise chegou a resultados semelhantes em que a ingestão diária de 1 ovo de 50 g esteve associada a um risco superior de doenças cardiovasculares. O estudo concluiu que uma ingestão superior de colesterol e de ovos poderá estar associada a um risco superior de mortalidade total e por doenças cardiovasculares, sendo prudente restringir a ingestão de colesterol na alimentação como forma de melhorar a saúde e aumentar a longevidade (Zhao et al., 2022).

Um estudo prospetivo anterior que acompanhou 29615 participantes ao longo de 17 anos, obteve os seguintes resultados:

  • Por cada 300 mg de colesterol ingerido diariamente houve um risco 17% superior de doença cardiovascular e um risco 18% superior de mortalidade total;
  • Por cada meio ovo ingerido diariamente houve um risco 6% superior de doença cardiovascular um risco 8% superior de mortalidade total.

De acordo com os resultados, o estudo concluiu que uma ingestão elevada de colesterol ou ovos poderá aumentar o risco de doença cardiovascular e mortalidade, sendo que esse risco é proporcional à dose ingerida (Zhong et al., 2019). O colesterol está presente exclusivamente em produtos animais como carne vermelha, carne processada e produtos lácteos gordos, sendo que os ovos, especificamente a gema de um ovo contém cerca de 186 mg de colesterol. Este estudo procurou controlar melhor todas as variáveis confundidoras, tendo mostrado que o risco de mortalidade e doença cardiovascular devido ao consumo de colesterol de qualquer fonte foi independente do resto da dieta e do exercício físico, ou seja, mesmo no contexto de uma dieta saudável, consumir ovos ou outra fonte de colesterol parece aumentar esse risco. Por outro lado, este estudo tem algumas limitações que poderão enviesar os resultados. Nomeadamente o estudo baseia-se numa única recolha de hábitos alimentares dos participantes, não levando em consideração eventuais alterações nesses hábitos ao longo da duração do estudo.

Anteriormente, uma meta-análise a 55 estudos clínicos aleatorizados mostrou que por cada 100 mg de colesterol por dia (cerca de meio ovo), houve um aumento de 4,5 mg/dl de colesterol LDL (Vincent et al., 2019).

Mais recentemente, um estudo prospetivo acompanhou 521120 participantes, ao longo de 16 anos, tendo sido observado os seguintes resultados (Zhuang et al., 2021):

  • A ingestão de ovos inteiros e de colesterol esteve associada ao risco superior de mortalidade total, por doença cardiovascular e por cancro;
  • Por cada 1/2 ovo inteiro ingerido por dia houve um risco 7% superior de mortalidade total, 7% de mortalidade por DCV e 7% de mortalidade por cancro;
  • Por cada 300 mg adicionais de colesterol ingerido por dia houve um risco 19%, 16% e 24% superior de mortalidade total, por DCV e por cancro, respetivamente;
  • A ingestão de colesterol associada à ingestão de ovos inteiros contribuiu para 63,2%, 62,3% e 49,6% da mortalidade total, por DCV e por cancro, respetivamente;
  • Aqueles que substituíram os ovos inteiros por outros alimentos ou claras de ovos tiveram um risco inferior de mortalidade total e mortalidade por AVC, cancro, doenças respiratórias e doença de Alzheimer.

O estudo conclui que a ingestão de ovos e colesterol esteve associada a um risco superior de mortalidade total, por DCV e por cancro e que essa associação foi fortemente influenciada pela ingestão de colesterol. Substituir ovos por proteína vegetal e fontes alternativas de proteína ou claras de ovos poderá diminuir a mortalidade total, por DCV, cancro ou doenças respiratórias (Zhuang et al., 2021).

De acordo com os autores, qual o significado deste estudo?

  • As atuais recomendações relativas à ingestão de ovos e colesterol pode levar a um aumento da ingestão de colesterol, o que poderá ser prejudicial para a prevenção de morte prematura;
  • Os profissionais de saúde e decisores políticos deveriam reforçar a limitação da ingestão de colesterol, com base nestes resultados;
  • Deveria ser recomendada a substituição de ovos inteiros por fontes de proteína alternativas ou claras de ovos para melhorar a saúde cardiovascular e diminuir a mortalidade.

Tal como todos os outros produtos animais, os ovos devem ser vistos como um alimento opcional para ser ingerido em pequenas quantidades. Só assim conseguimos atingir os objetivos não só de saúde mas também de sustentabilidade. Para isso devemos centrar as nossas refeições em alimentos como leguminosas, frutos secos, cereais integrais, vegetais, frutos e sementes.

Referências:

  1. Shin JY, Xun P, Nakamura Y, He K. Egg consumption in relation to risk of cardiovascular disease and diabetes: a systematic review and meta-analysis. Am J Clin Nutr. 2013 Jul;98(1):146–59.

2. Rong Y, Chen L, Zhu T, Song Y, Yu M, Shan Z, et al. Egg consumption and risk of coronary heart disease and stroke: dose-response meta-analysis of prospective cohort studies. BMJ. 2013 Jan 7;346:e8539.

3. Xu L, Lam TH, Jiang CQ, Zhang WS, Zhu F, Jin YL, et al. Egg consumption and the risk of cardiovascular disease and all-cause mortality: Guangzhou Biobank Cohort Study and meta-analyses. Eur J Nutr [Internet]. 2019 Mar 1 [cited 2019 Mar 31];58(2):785–96. Available from: https://doi.org/10.1007/s00394-018-1692-3

4. Li Y, Zhou C, Zhou X, Li L. Egg consumption and risk of cardiovascular diseases and diabetes: a meta-analysis. Atherosclerosis. 2013 Aug;229(2):524–30.

5. Khawaja O, Singh H, Luni F, Kabour A, Ali SS, Taleb M, et al. Egg Consumption and Incidence of Heart Failure: A Meta-Analysis of Prospective Cohort Studies. Front Nutr. 2017;4:10.

6. Zhao B, Gan L, Graubard BI, Männistö S, Albanes D, Huang J. Associations of Dietary Cholesterol, Serum Cholesterol, and Egg Consumption With Overall and Cause-Specific Mortality, and Systematic Review and Updated Meta-Analysis. Circulation [Internet]. 2022 [cited 2022 Apr 17];CIRCULATIONAHA.121.057642. Available from: https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIRCULATIONAHA.121.057642

7. Zhong VW, Horn LV, Cornelis MC, Wilkins JT, Ning H, Carnethon MR, et al. Associations of Dietary Cholesterol or Egg Consumption With Incident Cardiovascular Disease and Mortality. JAMA [Internet]. 2019 Mar 19 [cited 2019 Mar 16];321(11):1081–95. Available from: https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2728487

8. Vincent MJ, Allen B, Palacios OM, Haber LT, Maki KC. Meta-regression analysis of the effects of dietary cholesterol intake on LDL and HDL cholesterol. Am J Clin Nutr [Internet]. 2019 Jan 1 [cited 2019 Dec 17];109(1):7–16. Available from: https://academic.oup.com/ajcn/article/109/1/7/5266898

9. Zhuang P, Wu F, Mao L, Zhu F, Zhang Y, Chen X, et al. Egg and cholesterol consumption and mortality from cardiovascular and different causes in the United States: A population-based cohort study. PLOS Medicine [Internet]. 2021 fev [cited 2021 Feb 10];18(2):e1003508. Available from: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1003508