A relação entre o consumo de ovos e a saúde não é linear, com vários estudos a chegar a conclusões contraditórias. Os ovos têm estado tradicionalmente associados ao risco de doenças cardiovasculares por serem fonte de colesterol. No entanto, o colesterol obtido através da dieta tem menos efeito sobre os valores de colesterol LDL no sangue do que a gordura saturada, facto que levou a que as recomendações alimentares nos EUA em 2015 deixassem de considerar o colesterol nos alimentos um fator de preocupação.
No entanto, o mesmo relatório recomendava também que se deve consumir a menor quantidade possível de colesterol no contexto de um padrão alimentar saudável. O facto é que grande parte dos estudos estudos mais recentes são financiados pela indústria dos ovos, o que poderá enviesar os resultados, menorizando os reais efeitos do colesterol sobre os níveis de LDL e por conseguinte do risco de doenças cardiovasculares.
Uma revisão sistemática procurou identificar a fonte de financiamento dos estudos sobre o efeito dos ovos no colesterol desde os anos 50 . Dos 153 estudos incluídos na revisão, entre 2010 e 2019, 60% dos estudos foram financiados pela indústria, em contraste com o que acontecia entre os anos 50 e os anos 70, em que nenhum estudo foi financiado pela indústria dos ovos. De seguida, os autores da revisão procuraram perceber se o financiamento enviesava os resultados dos estudos. Tanto nos estudos não financiados pela indústria (93%) como financiados (86%), houve uma associação entre a ingestão de ovos e uma subida do colesterol. No entanto, os estudos financiados pela indústria mais frequentemente desvalorizavam esses resultados, ou seja, mesmo que houvesse uma subida dos níveis de colesterol, muitos desses estudos concluíram que os ovos não tinham efeitos, muitas das vezes por não terem significância estatística .
Por um exemplo, um estudo de 2014 concluiu que 400mg/dia de colesterol não esteve associado a diferenças nos níveis de LDL. No entanto, embora não houvesse significância estatística, houve um aumento de 15mg/dl de colesterol LDL .
Uma das formas de se chegar a resultados assim, passa por financiar estudos com amostras pequenas, nas quais é menos provável chegar a resultados com significância estatística, como foi o caso. Para saber mais como a indústria influencia os resultados dos estudos:
Além disso, a contradição que se observou nas recomendações alimentares dos EUA surge frequentemente quando isolamos um componente da alimentação e perdemos de vista o conjunto dos alimentos. Não é difícil de perceber o contrassenso de por um lado não limitar o consumo de colesterol, mas por outro diminuir o consumo de outros fatores de risco como as gorduras saturadas, as quais aumentam de forma clara o risco de colesterol elevado e de doença cardiovascular. O problema é que os alimentos ricos em colesterol são geralmente também ricos em gordura saturada, por isso será sempre preferível fazer recomendações orientadas para alimentos do que para nutrientes.
Por outro lado, quando isolamos um alimento do resto da alimentação, podemos incorrer no mesmo erro. Os alimentos não são ingeridos isoladamente e estão integrados num conjunto de outros alimentos e de comportamentos de risco. Por isso é tão difícil fazer investigação em nutrição. Para identificarmos os efeitos de um determinado elemento, temos de controlar todas as outras variáveis. Por exemplo, quem consome mais vegetais tem também geralmente outros comportamentos saudáveis como não fumar ou fazer exercício, os quais poderão ser determinantes para os efeitos protetores dessa alimentação.
Comer ovos ou não comer ovos vai depender do resto da alimentação e do peso que têm no conjunto das refeições. Se por um lado comemos ovos ao pequeno almoço em vez de cereais refinados cheios de açúcar, comer ovos poderá ser mais saudável. Se por outro lado, comemos ovos em vez de cereais integrais, frutos secos e leguminosas, então nesse caso diminuímos a qualidade da dieta.
O que substituímos por um determinado alimento vai determinar os correspondentes efeitos para a saúde. Isso está bem expresso, por exemplo, num estudo prospetivo de grandes dimensões que acompanhou 131342 participantes ao longo de 32 anos, tendo concluído que comer mais proteína vegetal (leguminosas, frutos secos e cereais integrais) está associado a um risco inferior de mortalidade (10%) e comer mais proteína animal (carne vermelha, aves, peixe, ovos e laticínios) está associado a um risco superior de mortalidade (8%). Especificamente, substituir 3% das calorias de proteína animal a partir de ovo por proteína vegetal esteve associado a uma redução de 19% no risco de mortalidade de todas as causas .
Outro estudo prospetivo com 416104 participantes acompanhados ao longo de 16 anos mostrou também que uma ingestão superior de proteína vegetal esteve associada a uma diminuição de 5% no risco de mortalidade e que substituir 3% das calorias de proteína animal por proteína vegetal esteve associado a um risco 10% inferior de mortalidade total. Além disso, a mortalidade mais baixa foi observada quando se substituiu proteína do ovo por proteína vegetal e proteína de carne vermelha por proteína vegetal .
Estes resultados estão aliás de acordo com o que o próprio relatório da Comissão Científica responsável pelas recomendações alimentares dos EUA recomenda como os três padrões alimentares consistentes com uma redução de risco de doenças cardiovasculares, hipertensão, acidente vascular cerebral, diabetes e alguns cancros: dieta ocidental saudável, dieta vegetariana saudável e dieta mediterrânica saudável .
Anteriormente, uma revisão sistemática e meta-análise a 112 estudos clínicos aleatorizados mostrou que substituir uma a duas porções de proteínas animais por proteínas vegetais todos os dias pode levar a uma redução nos três principais marcadores de colesterol relacionados com a prevenção de doenças cardiovasculares (LDL, colesterol não-HDL e ApoB) . O estudo concluiu que a evidência disponível a partir de estudos clínicos aleatorizados sugerem que uma a duas porções de proteína vegetal em substituição de proteína animal (carne, produtos lácteos e ovos) diminui o colesterol LDL, o colesterol não-HDL e a apoliproteína B em cerca de 4% em adultos com ou sem hiperlipidémia. Por outras palavras, se comer mais ovos e menos açúcares livres e farinhas refinadas, haverá vantagem para a saúde. Mas se em vez de ovos comer mais leguminosas, frutos secos e cereais integrais, então será ainda mais benéfico na prevenção de doenças crónicas.
Relativamente aos efeitos dos ovos para a saúde, existem resultados contraditórios, alguns mostrando aumentar o risco de doenças cardiovasculares ou mortalidade, outros diminuindo ou sem efeito . Estes resultados devem-se a problemas em controlar todos os confundidores presentes na dieta, ou seja, outros elementos que poderão confundir os resultados, como os hábitos de estilo de vida associados ao consumo de ovos e os alimentos que fazem parte da dieta total. Por exemplo, em alguns países é comum acompanhar os ovos com carnes processadas, o que necessariamente eleva o risco de algumas doenças. Além disso, os estudos anteriores têm amostras pouco variadas e um período de acompanhamento curto.
Para tentar esclarecer a relação entre a ingestão de colesterol e o risco de mortalidade e doenças cardiovasculares, foi realizado um estudo prospetivo que acompanhou 29615 participantes ao longo de 17 anos, tendo sido observado os seguintes resultados:
- Por cada 300 mg de colesterol ingerido diariamente houve um risco 17% superior de doença cardiovascular e um risco 18% superior de mortalidade total;
- Por cada meio ovo ingerido diariamente houve um risco 6% superior de doença cardiovascular um risco 8% superior de mortalidade total.
De acordo com os resultados, o estudo concluiu que uma ingestão elevada de colesterol ou ovos poderá aumentar o risco de doença cardiovascular e mortalidade, sendo que esse risco é proporcional à dose ingerida . O colesterol está presente exclusivamente em produtos animais como carne vermelha, carne processada e produtos lácteos gordos, sendo que os ovos, especificamente a gema de um ovo contém cerca de 186 mg de colesterol. Este estudo procurou controlar melhor todas as variáveis confundidoras, tendo mostrado que o risco de mortalidade e doença cardiovascular devido ao consumo de colesterol de qualquer fonte foi independente do resto da dieta e do exercício físico, ou seja, mesmo no contexto de uma dieta saudável, consumir ovos ou outra fonte de colesterol parece aumentar esse risco. Por outro lado, este estudo tem algumas limitações que poderão enviesar os resultados. Nomeadamente o estudo baseia-se numa única recolha de hábitos alimentares dos participantes, não levando em consideração eventuais alterações nesses hábitos ao longo da duração do estudo.
Anteriormente, uma meta-análise a 55 estudos clínicos aleatorizados mostrou que por cada 100 mg de colesterol por dia (cerca de meio ovo), houve um aumento de 4,5 mg/dl de colesterol LDL .
A relação entre níveis elevados de LDL e risco superior de doença cardiovascular (DCV) está muito bem fundamentada e não é hoje motivo de discussão através de diferentes tipos de estudos :
- Epidemiológicos: estudos prospetivos mostram que níveis elevados de LDL estão associados a um risco superior de DCV;
- Genéticos: pessoas com níveis elevados de LDL por razões genéticas têm um risco superior de DCV;
- Farmacológicos: fármacos que reduzem a formação de LDL diminuem o risco de DCV;
- Mecanismos: os macrófagos presentes nas placas de ateroma atraem partículas de LDL formando células de espuma.
Relativamente ao consumo de ovos, alguns estudos sugerem outros problemas associados, nomeadamente risco de cancros gastrointestinais, cancro da próstata e diabetes:
- Um estudo prospetivo que acompanhou 27607 homens ao longo de 14 anos mostrou que ingerir 2,5 ovos por semana esteve associado a um risco 81% superior de cancro da próstata letal .
- Uma meta-análise que incluiu 424867 participantes mostrou que ingerir menos de 3 ovos por semana esteve associado a um risco 13% superior de cancros gastrointestinais; ingerir mais do que 5 ovos por semana esteve associado a um risco 19% superior de cancros gastrointestinais e a um risco 42% superior de cancro do colon .
- Uma análise que incluiu 15 estudos prospetivos mostrou que ingerir meio ovo por dia esteve associado a um risco 14% superior de cancro da próstata letal .
- Uma meta-análise a 10 estudos prospetivos com 251213 participantes mostrou que ingerir 1 ovo por dia esteve associado a um risco 13% superior de diabetes tipo 2 e no caso dos EUA esteve associado a um risco 47% superior de diabetes tipo 2 .
Mais recentemente, um estudo com 8545 participantes acompanhados ao longo de 18 anos mostrou que aqueles que ingeriram 1 ou mais ovos por dia tiveram um risco 60% superior de diabetes tipo 2. Mesmo quantidades baixas como 38g de ovo por dia esteve associado a um risco 25% superior de diabetes tipo 2 .
Por último, hoje cada vez conhecemos os efeitos para a saúde mas também para o ambiente de uma dieta de base vegetal. Nesse sentido, reduzir ao mínimo todos os produtos animais e aumentar o consumo de produtos vegetais de qualidade é fundamental não para a prevenção de doenças crónicas mas também para diminuir o impacto ambiental da alimentação e combater a crise climática. De acordo com as recomendações do relatório EAT-Lancet para uma dieta de saúde planetária, não deveríamos ultrapassar os 13 g de ovos por dia, o que significa não comer mais do que 1,5 ovos por semana.
Tal como todos os outros produtos animais, os ovos devem ser vistos como um alimento opcional para ser ingerido em pequenas quantidades. Só assim conseguimos atingir os objetivos não só de saúde mas também de sustentabilidade. Para isso devemos centrar as nossas refeições em alimentos como leguminosas, frutos secos, cereais integrais, vegetais, frutos e sementes. E claro, podemos sempre substituir os ovos mexidos matinais por tofu mexido e os ovos dos bolos por linhaça moída em água!
Referências:
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