Em 2018, o IPCC alertava-nos para o facto de precisarmos de diminuir cerca de metade as emissões de gases com efeitos de estufa até 2030, se quisermos ter alguma chance de manter o aquecimento médio global abaixo dos 1,5 graus. Neste momento já ultrapassámos 1 grau e as probabilidades de ultrapassarmos os 1,5 graus nos próximos 5 anos são muito elevadas.

No meio de uma crise pandémica, a qual nos obrigou a alterações coletivas e individuais sem precedentes, corremos o risco, como é da natureza humana, de correr atrás dos velhos hábitos e de ansiar por voltarmos à nossa conhecida normalidade. A mesma normalidade que nos colocou onde estamos hoje. Devemos por isso rejeitar a normalidade como se de um vírus muito mais perigoso do que o SARS-CoV-2 se tratasse. Até porque se trata.

A maior ameaça hoje, num cenário da maior crise existencial que já enfrentámos enquanto humanidade (a emergência climática), é não aproveitarmos a oportunidade da crise pandémica para recriarmos e reorientarmos os nossos objetivos económicos e perpetuarmos o temido Business as Usual (BU!). E aquilo que está em risco é tudo o que conhecemos como compatível com a vida das nossas civilizações.

Um artigo científico publicado na revista Nature, traça um cenário com contornos apocalíticos para as próximas décadas, no caso de não encontrarmos rapidamente uma vacina para o vírus BU (business as usual). Levando em consideração vários fatores, como o crescimento da população mundial e a taxa de desflorestação atual, os autores concluem que temos apenas décadas (20 a 40 anos), antes de um colapso irreversível da nossa civilização. Colocado de outra forma, de acordo com os seus cálculos, mantendo a atual taxa de desflorestação temos uma probabilidade inferior a 10% de sobreviver sem um colapso catastrófico eminente. Em síntese, se insistirmos no BU, a sociedade como a conhecemos poderá colapsar em 20 a 40 anos.

Este colapso baseia-se especialmente na rápida desflorestação que estamos a provocar. Entre 2000 e 2013, 2,3 milhões de km2 de florestas em todo o mundo foram destruídos. A este ritmo, todas as florestas desapareceriam em 100 a 200 anos. Claro que muito antes de todas as árvores desaparecerem, as consequências para nós seriam catastróficas. Escusado será dizer que sem árvores é impossível a sobrevivência de inúmeras espécies, incluindo a nossa. As árvores são fundamentais para reter o carbono da atmosfera, assim como para a produção de oxigénio, conservação dos solos e regulação do ciclo de água. São a mais importante arma no combate às alterações climáticas.

A atual crise deve levar-nos a repensar a economia centrada no crescimento e utilização infinita de recursos e centrar a atividade humana numa visão de conjunto, levando em consideração as condições do sistema do qual fazemos parte e dependemos. As sociedade modernas são guiadas pela economia, a qual privilegia os ganhos particulares. Estes são na maior parte das vezes prevalentes, mesmo quando existem tentativas de vincular um esforço coletivo a compromissos como o Acordo de Paris. O pensamento que antecede o acordo desse tipo, no atual modelo económico, será sempre: o que ganho ou perco com isso? O futuro da humanidade exige que tenhamos outras premissas centradas no valor superior da vida e da visão sistémica do planeta.

Os autores do artigo da Nature sugerem que se defina um novo modelo de sociedade, por oposição ao atual modelo de sociedade económica, a que deram o nome de “sociedade cultural”, a qual privilegia os interesses do ecossistema acima do interesse individual dos seus componentes, mas também em sintonia com o interesse comunitário. Poderíamos também falar de uma “Economologia”. Os autores concluem assim que entendendo uma “civilização cultural” como uma civilização não fortemente regida pela economia, apenas civilizações capazes de mudar de uma sociedade económica para uma cultural poderão sobreviver .

É importante relembrar que a produção de carne, leite, ovos e aquacultura utiliza 83% dos terrenos agrícolas em todo o mundo, contribuindo para 58% das emissões de GEEs relacionados com a produção de alimentos. No entanto, estes alimentos representam apenas 18% das calorias e 37% das proteínas ingeridas.

A produção de gado é por isso um dos principais responsáveis pela desflorestação, ocupando a maior parte do solo que tem de ser reflorestado de forma a ser possível travar a emergência climática. Sem essa reposição de vegetação e se o setor da produção de gado continuar “business as usual”, este poderá representar cerca de 49% do orçamento de emissões em 2030, exigindo que outros setores reduzam as emissões em níveis irrealistas, além dos níveis previstos .

De acordo com o recente relatório do IPCC sobre a utilização de terrenos, os esforços para diminuir as emissões de GEEs e os impactos do aquecimento global serão muito insuficientes sem alterações drásticas na forma como utilizamos os terrenos globalmente, na agricultura e nas dietas humanas. O relatório refere-se às dietas de base vegetal como uma grande oportunidade de mitigar e adaptarmo-nos às alterações climáticas, incluindo uma recomendação específica de se reduzir o consumo de carne vermelha.

Transitarmos para uma dieta de base vegetal globalmente é uma das medidas importantes para travarmos as alterações climáticas. De acordo com o IPCC, Se mudássemos para uma dieta sem produtos animais, em 2050 usaríamos menos terrenos, conseguiríamos regenerar florestas e diminuiríamos cerca de 7,8 GtCO2 por ano. Essa redução seria equivalente à utilização global de energia nuclear. Caso reduzíssemos o consumo de carne e aumentássemos o consumo de leguminosas, diminuiríamos entre 4,3 e 6,4 GtCO2 por ano .

Caso mudássemos para um padrão alimentar que excluísse produtos animais haveria uma redução de 76% na utilização de terreno, uma área equivalente ao território dos EUA, China, EU e Austrália juntos, assim como uma diminuição de 49% na emissão de GEEs (6,6 GiTCO2eq), 50% na acidificação e 49% na eutroficação. Além disso, o solo que não seja utilizado para produção de alimentos poderia remover 8,1 GiTCO2eq da atmosfera em cada ano ao longo de 100 anos .

Além disso, a destruição de ecossistemas e a desflorestação são atividades que nos colocam em risco de novas pandemias no futuro. Tal como com as crises climáticas e de biodiversidade, as pandemias recentes são uma consequência direta da atividade humana – particularmente os nossos sistemas globais financeiros e económicos, baseados num paradigma que premeia o crescimento económico a qualquer custo”. A contínua desflorestação, expansão da agricultura, agropecuária intensiva e desenvolvimento de infraestruturas, assim como a exploração de espécies selvagens criou a tempestade perfeita para a passagem de doenças da vida selvagem para os humanos.

Todos os dias quando olhamos para o nosso prato podemos visualizar as florestas do nosso planeta e perceber como dependemos tão intimamente delas para sobreviver enquanto humanidade. Ao preenchermos o prato com plantas e vegetais estamos a dar um dos mais importantes contributos para o mundo e para o nosso futuro. Comer plantas é um ato de prazer e de altruísmo.

Referências:

1.
Bologna M, Aquino G. Deforestation and world population sustainability: a quantitative analysis. Scientific Reports [Internet]. 2020 May 6 [cited 2020 Aug 11];10(1):7631. Available from: https://www.nature.com/articles/s41598-020-63657-6
1.
Harwatt H. Including animal to plant protein shifts in climate change mitigation policy: a proposed three-step strategy. Climate Policy [Internet]. 2019 May 28 [cited 2020 May 14];19(5):533–41. Available from: https://doi.org/10.1080/14693062.2018.1528965
1.
Schiermeier Q. Eat less meat: UN climate-change report calls for change to human diet. Nature [Internet]. 2019 Aug 8 [cited 2019 Aug 31];572:291–2. Available from: http://www.nature.com/articles/d41586-019-02409-7
1.
Poore J, Nemecek T. Reducing food’s environmental impacts through producers and consumers. Science [Internet]. 2018 Jun 1 [cited 2018 Jun 1];360(6392):987–92. Available from: http://science.sciencemag.org/content/360/6392/987