Alterações de estilo de vida, mesmo na meia-idade, poderão diminuir o risco de AVC.

acidente vascular cerebral (AVC) é uma das principais causas de morte em todo o mundo. Nesse sentido, é fundamental conhecer os seus fatores de risco e o efeito de alterações de estilo de vida no risco da doença. Existem mais casos de AVC e de mortalidade por AVC nas mulheres do que nos homens. A média de idades do primeiro AVC nas mulheres é 75 anos, pelo que alterações no estilo de vida na meia-idade poderá ser útil a diminuir o risco de AVC (Lundberg & Volgman, 2016).

Poucos estudos clínicos aleatorizados procuraram examinar os efeitos de intervenções de estilo de vida no risco de AVC. Um desses estudos foi o PREDIMED (prevención  con  Dieta  Mediterránea) que concluiu que, numa população de risco elevado, uma dieta Mediterrânica enriquecida com frutos secos ou azeite diminui o risco a 5 anos de AVC em 31% e 28%, respetivamente. No entanto, é difícil investigar os efeitos de intervenções contínuas ao longo de grandes períodos de tempo em estudos clínicos aleatorizados (Estruch et al., 2018).

Um novo estudo prospetivo que acompanhou 59727 mulheres com uma média de idades de 52 anos ao longo de 26 anos procurou examinar os efeitos de estilo de vida (dieta, tabagismo, exercício físico e peso corporal) no risco de AVC, tendo chegado aos seguintes resultados:

  • Alterações no estilo de vida estiveram associadas a uma diminuição de 25% no risco de AVC total e de 36% no risco de AVC isquémico;
  • Alterações na dieta estiveram associadas a uma diminuição de 23% no risco de AVC total;
  • Uma ingestão superior de peixe e frutos secos acompanhada de uma ingestão inferior de carne vermelha esteve associada a uma diminuição do risco de AVC total;
  • Uma ingestão inferior de carne vermelha e processada esteve associada a uma diminuição no risco de AVC isquémico;
  • Uma ingestão superior de peixe esteve associada a uma diminuição do risco de AVC hemorrágico.

O estudo concluiu que intervenções de estilo de vida como deixar de fumar, atividade física, perder peso e comer mais frutos secos e peixe e menos carne vermelha e processada poderão diminuir o risco de AVC em mulheres de meia-idade. Por outras palavras, nunca é tarde demais para iniciar alterações de estilo de vida como forma de prevenir um AVC futuro (Jain Priyanka et al., n.d.).

Um estudo anterior com dois grupos, um com 5050 e outro com 8302 participantes mostrou que uma dieta vegetariana esteve associada a uma diminuição de 74% no risco de AVC isquémico no primeiro grupo e a uma diminuição de 48% no risco de AVC, 59% no risco de AVC isquémico e 66% no risco de AVC hemorrágico, no segundo grupo. O estudo concluiu que uma dieta vegetariana, rica em vegetais, frutos secos e soja, poderá diminuir o risco de AVC (Chiu et al., 2020).

Estes resultados, embora estejam em sintonia com resultados anteriores relativamente aos efeitos de uma dieta de base vegetal na prevenção de AVC, especialmente isquémico, contrastam com os resultados de outro estudo recente que sugeria que uma dieta vegetariana poderá aumentar o risco de AVC hemorrágico e diminuir o risco de cardiopatia isquémica. No entanto, os participantes desse estudo ingeriam níveis baixos de fibra, o que sugere que tivessem um padrão alimentar pouco saudável, rico em alimentos refinados (Tong et al., 2019).

Além disso, o facto de os participantes do estudo mais recente não ingerirem álcool por motivos religiosos, poderá explicar essas diferenças, uma vez que o álcool poderá aumentar o risco de AVC hemorrágico na presença de níveis baixos de colesterol, tal como é comum nas dietas vegetarianas (Ebrahim et al., 2006).

No entanto, é preciso levar em consideração que ao contrário de uma dieta vegetariana saudável, uma dieta vegetariana pouco saudável, rica em cereais refinados, açúcar e gorduras saturadas está associada a um aumento do risco de doenças cardiovasculares (Satija et al., 2017).

Anteriormente, um estudo prospetivo que acompanhou 418329 participantes a partir de 9 países europeus, procurou identificar os principais alimentos que poderão afetar o risco dos dois tipos de AVC. Alguns resultados do estudo (Tong et al., 2020):

  • A ingestão de frutos, vegetais, fibra e produtos lácteos esteve associada a uma diminuição do risco de AVC isquémico, mas não hemorrágico.
  • A cada 10g de fibra ingerida por dia, houve uma diminuição de 23% no risco de AVC isquémico e a cada 200g de frutos e vegetais por dia houve uma diminuição de 13%.
  • Uma ingestão elevada de carne vermelha esteve associada a um risco superior de AVC isquémico.
  • A cada 20g de ingestão de ovo, houve um aumento de 25% no risco de AVC hemorrágico.

ingestão de fibra parece ser o elemento mais importante na prevenção de AVC isquémico. No caso do AVC hemorrágico, a ingestão de ovos poderá aumentar o risco. No estudo, 20g de ovos aumenta o risco em 25%, sendo que um ovo pesa cerca de 60g.

Relativamente ao AVC isquémico, dietas de base vegetal parecem ser especialmente protetoras. Por exemplo, um estudo anterior do EPIC-Oxford mostrou que o risco de doenças cardiovasculares é 32% inferior entre vegetarianos e veganos (Crowe et al., 2013).

Além disso, uma dieta vegana parece ser a mais protetora contra a hipertensão, estando associado a uma diminuição de 75% no risco da doença, sendo que a hipertensão é um importante fator de risco para o AVC (Fraser, 2009Appleby et al., 2002).

Por outro lado, um estudo prospetivo que incluiu 188518 participantes mostrou que a ingestão de 1 porção por dia de qualquer tipo de carne está associado a um aumento de 30% no risco de hipertensão, especialmente no caso de carne vermelha, mas também de carne branca e em menor grau de peixe (Borgi et al., 2015).

Outros fatores que poderão diminuir o risco de AVC:

  • A ingestão elevada de frutos, vegetais, folato, vitamina C e fibra está associada a uma diminuição do risco de AVC. Por outro lado uma ingestão elevada de carne vermelha e processada poderá estar associada a um aumento do risco de AVC (Campbell, 2017).
  • As dietas mais bem estudadas que mostram benefícios na prevenção de AVC são a dieta mediterrânica e a DASH. Ambas as dietas são de base vegetal pobres em gordura saturada e em cereais refinados (Hoevenaar-Blom et al., 2012Fung et al., 2009Dearborn et al., 2015).
  • O estudo clínico PREDIMED sugere também que uma dieta mediterrânica enriquecida com azeite ou frutos secos diminui o risco de AVC entre aqueles que têm risco superior de doença cardiovascular (Estruch et al., 2018).

Em resumo: uma dieta de base vegetal de qualidade, rica em fibra, frutos secos, vegetais, frutos, soja e algum peixe poderá ser benéfico na prevenção de AVC isquémico e hemorrágico. Mesmo no caso de mulheres na meia-idade, fazer alterações de estilo de vida poderá ser eficaz na prevenção de AVC.

Referências:

1. Lundberg GP, Volgman AS. Burden of stroke in women. Trends Cardiovasc Med. 2016 Jan;26(1):81–8.

2. Estruch R, Ros E, Salas-Salvadó J, Covas MI, Corella D, Arós F, et al. Primary Prevention of Cardiovascular Disease with a Mediterranean Diet Supplemented with Extra-Virgin Olive Oil or Nuts. New England Journal of Medicine [Internet]. 2018 Jun 13 [cited 2018 Jun 14]; Available from: https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa1800389

3. Jain Priyanka, Suemoto Claudia K., Rexrode Kathryn, Manson JoAnn E., Robins James M., Hernán MA, et al. Hypothetical Lifestyle Strategies in Middle-Aged Women and the Long-Term Risk of Stroke. Stroke [Internet]. [cited 2020 Apr 23];0(0):STROKEAHA.119.026761. Available from: https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/STROKEAHA.119.026761

4. Chiu THT, Chang HR, Wang LY, Chang CC, Lin MN, Lin CL. Vegetarian diet and incidence of total, ischemic, and hemorrhagic stroke in 2 cohorts in Taiwan. Neurology [Internet]. 2020 Feb 26 [cited 2020 Mar 9];10.1212/WNL.0000000000009093. Available from: http://www.neurology.org/lookup/doi/10.1212/WNL.0000000000009093

5. Tong TYN, Appleby PN, Bradbury KE, Perez-Cornago A, Travis RC, Clarke R, et al. Risks of ischaemic heart disease and stroke in meat eaters, fish eaters, and vegetarians over 18 years of follow-up: results from the prospective EPIC-Oxford study. BMJ [Internet]. 2019 Sep 4 [cited 2019 Sep 5];366:l4897. Available from: https://www.bmj.com/content/366/bmj.l4897

6. Ebrahim S, Sung J, Song YM, Ferrer RL, Lawlor DA, Smith GD. Serum cholesterol, haemorrhagic stroke, ischaemic stroke, and myocardial infarction: Korean national health system prospective cohort study. BMJ [Internet]. 2006 Jul 1 [cited 2020 Mar 26];333(7557):22. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1488755/

7. Satija A, Bhupathiraju SN, Spiegelman D, Chiuve SE, Manson JE, Willett W, et al. Healthful and Unhealthful Plant-Based Diets and the Risk of Coronary Heart Disease in U.S. Adults. Journal of the American College of Cardiology [Internet]. 2017 Jul 25;70(4):411–22. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0735109717375216

8. Tong TYN, Appleby PN, Key TJ, Dahm CC, Overvad K, Olsen A, et al. The associations of major foods and fibre with risks of ischaemic and haemorrhagic stroke: a prospective study of 418 329 participants in the EPIC cohort across nine European countries. Eur Heart J [Internet]. 2020 [cited 2020 Feb 24]; Available from: https://academic.oup.com/eurheartj/advance-article/doi/10.1093/eurheartj/ehaa007/5748325

9. Crowe FL, Appleby PN, Travis RC, Key TJ. Risk of hospitalization or death from ischemic heart disease among British vegetarians and nonvegetarians: results from the EPIC-Oxford cohort study. Am J Clin Nutr [Internet]. 2013 Mar 1 [cited 2015 Jul 16];97(3):597–603. Available from: http://ajcn.nutrition.org/content/97/3/597

10. Fraser GE. Vegetarian diets: what do we know of their effects on common chronic diseases?1234. Am J Clin Nutr [Internet]. 2009 May [cited 2018 Oct 10];89(5):1607S-1612S. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2677008/

11. Appleby PN, Davey GK, Key TJ. Hypertension and blood pressure among meat eaters, fish eaters, vegetarians and vegans in EPIC-Oxford. Public Health Nutr. 2002 Oct;5(5):645–54.

12. Borgi L, Curhan GC, Willett WC, HU FB, Satija A, Forman JP. Long-term intake of animal flesh and risk of developing hypertension in three prospective cohort studies. J Hypertens [Internet]. 2015 Nov [cited 2018 Sep 14];33(11):2231–8. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4797063/

13. Campbell T. A plant-based diet and stroke. J Geriatr Cardiol [Internet]. 2017 May [cited 2019 Sep 5];14(5):321–6. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5466937/

14. Hoevenaar-Blom MP, Nooyens ACJ, Kromhout D, Spijkerman AMW, Beulens JWJ, van der Schouw YT, et al. Mediterranean style diet and 12-year incidence of cardiovascular diseases: the EPIC-NL cohort study. PLoS ONE. 2012;7(9):e45458.

15. Fung TT, Rexrode KM, Mantzoros CS, Manson JE, Willett WC, Hu FB. Mediterranean diet and incidence of and mortality from coronary heart disease and stroke in women. Circulation. 2009 Mar 3;119(8):1093–100.

16. Dearborn JL, Urrutia VC, Kernan WN. The case for diet: a safe and efficacious strategy for secondary stroke prevention. Front Neurol. 2015;6:1.