De acordo com o mais recente relatório do IPCC, a evidência científica mostra de forma inequívoca que a atividade humana, nomeadamente as emissões de gases com efeitos de estufa (GEE’s) está a aquecer a atmosfera, a superfície terrestre e os oceanos. A escala e rapidez das alterações climáticas a que assistimos atualmente não têm precedentes em milhares de anos, sendo que essas alterações são já responsáveis por vários eventos climáticos extremos que ocorrem globalmente. Caso não se façam reduções muito significativas e rápidas nas emissões de GEE’s nas próximas décadas vamos assistir a um aumento superior a 1,5°C e 2,0°C ao longo deste século, o que pode significar eventos graves comprometendo o equilíbrio e sustentabilidade das sociedades humanas.

Por outro lado, uma má alimentação é o principal fator de risco de mortalidade em todo o mundo. Comer de forma desequilibrada mata mais do que todos os outros fatores de risco como o tabaco ou a hipertensão. Cerca de 1 em cada 5 mortes em todo o mundo está relacionada com uma dieta desequilibrada. Em 2017, 11 milhões de mortes estiveram diretamente relacionadas com a alimentação. Os 3 principais fatores de risco alimentares responsáveis por essas mortes são: 1) demasiado sal (3 milhões de mortes); 2) insuficientes cereais integrais (3 milhões de mortes); 3) insuficiente fruta (2 milhões de mortes). Além disso, outros fatores importantes foram os níveis insuficientes de frutos secos, sementes, vegetais, ómega-3 e fibra. As principais causas de mortes relacionadas com a alimentação foram as doenças cardiovasculares (10 milhões), seguidas de doenças oncológicas (913090) e diabetes tipo 2 (333714), sendo que estas representam cerca de 40% de todas as mortes globalmente (Afshin et al., 2019).

Nesse sentido, mudar hábitos alimentares é fundamental para mitigar tanto as doenças crónicas associadas a uma alimentação desequilibrada como as emissões associadas à crise climática. Um estudo avaliou 5853 alimentos, classificando-os em função do seu impacto para a saúde e para o ambiente (Stylianou et al., 2021). Para isso foi utilizado o Health Nutritional Index (HENI), o qual estima os efeitos benéficos ou prejudiciais dos alimentos em minutos de vida saudável associados a uma porção de alimento.

Além disso foi calculado o impacto ambiental dos alimentos analisados, utilizando o método IMPACT World+, o qual avalia o impacto do ciclo de vida dos alimentos (produção, processamento, fabrico, preparação, consumo, desperdício). No final, os investigadores classificaram os alimentos em 3 códigos de cor: verde, amarelo e vermelho, baseados nos seus efeitos combinados nutricionais e ambientais.

  • cor verde representa alimentos que são benéficos para a saúde e têm um baixo impacto ambiental, nos quais se incluem frutos secos, fruta, vegetais, leguminosas, cereais integrais e algum peixe;
  • cor vermelha representa alimentos que são prejudiciais para a saúde e/ou elevado impacto ambiental, nos quais se incluem carnes processadas e carnes vermelhas.

Além disso, o estudo mostrou que substituir 10% da ingestão calórica diária a partir de carne vermelha e processada por frutos, vegetais, frutos secos, leguminosas e algum peixe poderá aumentar 48 minutos de vida saudável por dia e reduzir em 33% a pegada de carbono associada a esses alimentos. Um exemplo seria: comer um cachorro quente custaria 36 minutos de vida saudável e pelo contrário, comer uma porção de frutos secos significaria um ganho de 26 minutos de vida saudável (Stylianou et al., 2021).

Regenerar os solos e repor a vegetação natural, como as florestas, é atualmente a melhor opção para remover CO2 da atmosfera e deve ser feito imediatamente para ser efetivo dentro da oportunidade de tempo que existe até atingirmos emissões zero em 2050 (Lewis et al., 2019). O setor dos solos, comumente referido como “agricultura, floresta e outras utilizações do solo” (AFOLU) é responsável por cerca de 10 a 12 GtCO2e (cerca de 25%) das emissões antropogénicas de gases com efeitos de estufa (GEEs). A agricultura é responsável por cerca de metade dessas emissões e a utilização dos solos, a modificação dos solos e a gestão da floresta de outra metade.

O solo representa um setor fundamental para a mitigação das emissões de GEEs por ser um potencial armazenador de carbono. A cadeia de produção de alimentos é responsável por cerca de 26% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e está associada à utilização de 43% do solo livre de gelo e de deserto. Além disso, essa produção é também responsável por cerca de 32% da acidificação terrestre e 78% da eutroficação (Poore & Nemecek, 2018). A agropecuária é responsável por cerca de 14,5% das emissões de gases com efeitos de estufa (GEE) globais. A produção de ração (45%) e fermentação entérica (39%) são as duas principais fontes de emissões do setor, sendo que a produção de carne de vaca e de laticínios representam 41% e 20% dessas emissões, respetivamente.

A produção de carne, leite, ovos e aquacultura utiliza 83% dos terrenos agrícolas em todo o mundo, contribuindo para 58% das emissões de GEEs relacionados com a produção de alimentos. No entanto, estes alimentos representam apenas 18% das calorias e 37% das proteínas ingeridas.

As emissões de GEEs (CO2) associadas à produção de 100 g de proteína de diferentes alimentos são as seguintes (Poore & Nemecek, 2018):

  • Carne de vaca (para comer): 50 kg;
  • Cordeiro/carneiro: 20 kg;
  • Crustáceos (aquacultura): 18 kg;
  • Carne de vaca (para leite): 17 kg;
  • Queijo: 11 kg;
  • Porco: 7,6 kg;
  • Aves: 12 kg;
  • Peixe (aquacultura): 6 kg;
  • Aves: 5,7 kg;
  • Ovos: 4,2 kg;
  • Tofu: 2 kg;
  • Leguminosas: 0,8 kg;
  • Ervilhas: 0,4 kg.

Caso mudássemos para um padrão alimentar que excluísse produtos animais haveria uma redução de 76% na utilização de terreno, uma área equivalente ao território dos EUA, China, EU e Austrália juntos, assim como uma diminuição de 49% na emissão de GEEs (6,6 GiTCO2eq), 50% na acidificação e 49% na eutroficação. Além disso, o solo que não seja utilizado para produção de alimentos poderia remover 8,1 GiTCO2eq da atmosfera em cada ano ao longo de 100 anos (Poore & Nemecek, 2018).

produção de gado é por isso um dos principais responsáveis pela desflorestação, ocupando a maior parte do solo que tem de ser reflorestado de forma a ser possível travar a emergência climática. Sem essa reposição de vegetação e se o setor da produção de gado continuar “business as usual”, este poderá representar cerca de 49% do orçamento de emissões em 2030, exigindo que outros setores reduzam as emissões em níveis irrealistas, além dos níveis previstos (Harwatt, 2019). A utilização de terrenos para produzir carne e a respetiva desflorestação representa por isso um custo de oportunidade de carbono importante. Por outras palavras, esses terrenos poderiam contribuir para o sequestro de CO2, em vez de serem uma fonte de emissões (Searchinger et al., 2018West et al., 2010).

De acordo com o IPCC, Se mudássemos para uma dieta sem produtos animais, em 2050 usaríamos menos terrenos, conseguiríamos regenerar florestas e diminuiríamos cerca de 7,8 GtCO2 por ano. Essa redução seria equivalente à utilização global de energia nuclear. Caso reduzíssemos o consumo de carne e aumentássemos o consumo de leguminosas, diminuiríamos entre 4,3 e 6,4 GtCO2 por ano (Schiermeier, 2019).

De acordo com o recente relatório do IPCC sobre a utilização de terrenos, os esforços para diminuir as emissões de GEEs e os impactos do aquecimento global serão muito insuficientes sem alterações drásticas na forma como utilizamos os terrenos globalmente, na agricultura e nas dietas humanas. O relatório refere-se às dietas de base vegetal como uma grande oportunidade de mitigar e adaptarmo-nos às alterações climáticas, incluindo uma recomendação específica de se reduzir o consumo de carne vermelha.

Além dos benefícios para o combate às alterações climáticas, uma dieta de base vegetal tem também muitos benefícios para a saúde na redução do risco de doenças crónicas e de mortalidade. As mesmas alterações alimentares que poderiam diminuir o risco de doenças crónicas, seriam também importantes para atingir os objetivos de sustentabilidade ambiental (Clark, Springmann, Hill & Tilman, 2019).

De acordo com o relatório EAT-Lancet, de forma a garantirmos a sustentabilidade da produção de alimentos assim como redução do impacto destes nas doenças crónicas, é preciso levar a cabo uma transformação global do sistema alimentar. A mudança para dietas sustentáveis até 2050 vai necessitar de alterações muito significativas, incluindo uma redução maior do que 50% no consumo global de alimentos pouco saudáveis, tais como carne vermelha e açúcar, e um aumento maior do que 100% no consumo de alimentos saudáveis, como vegetais, frutos, leguminosas e frutos secos. Essas mudanças poderão evitar 10,8-11,6 milhões de mortes por ano, o que corresponde a uma diminuição de 19-23,6%.

Referências:

  1. Afshin A, Sur PJ, Fay KA, Cornaby L, Ferrara G, Salama JS, et al. Health effects of dietary risks in 195 countries, 1990–2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. The Lancet [Internet]. 2019 Apr 3 [cited 2019 Apr 10];0(0). Available from: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(19)30041-8/abstract
  2. Stylianou KS, Fulgoni VL, Jolliet O. Small targeted dietary changes can yield substantial gains for human and environmental health. Nat Food [Internet]. 2021 Aug [cited 2021 Aug 19];2(8):616–27. Available from: https://www.nature.com/articles/s43016-021-00343-4
  3. Lewis SL, Wheeler CE, Mitchard ETA, Koch A. Restoring natural forests is the best way to remove atmospheric carbon. Nature. 2019;568(7750):25–8.
  4. Poore J, Nemecek T. Reducing food’s environmental impacts through producers and consumers. Science [Internet]. 2018 Jun 1 [cited 2018 Jun 1];360(6392):987–92. Available from: http://science.sciencemag.org/content/360/6392/987
  5. Harwatt H. Including animal to plant protein shifts in climate change mitigation policy: a proposed three-step strategy. Climate Policy [Internet]. 2019 May 28 [cited 2020 May 14];19(5):533–41. Available from: https://doi.org/10.1080/14693062.2018.1528965
  6. Searchinger TD, Wirsenius S, Beringer T, Dumas P. Assessing the efficiency of changes in land use for mitigating climate change. Nature [Internet]. 2018 Dec [cited 2020 Sep 17];564(7735):249–53. Available from: https://www.nature.com/articles/s41586-018-0757-z
  7. West PC, Gibbs HK, Monfreda C, Wagner J, Barford CC, Carpenter SR, et al. Trading carbon for food: global comparison of carbon stocks vs. crop yields on agricultural land. Proc Natl Acad Sci USA. 2010 Nov 16;107(46):19645–8.
  8. Schiermeier Q. Eat less meat: UN climate-change report calls for change to human diet. Nature [Internet]. 2019 Aug 8 [cited 2019 Aug 31];572:291–2. Available from: http://www.nature.com/articles/d41586-019-02409-7
  9. Clark MA, Springmann M, Hill J, Tilman D. Multiple health and environmental impacts of foods. PNAS [Internet]. 2019 Nov 12 [cited 2019 Nov 28];116(46):23357–62. Available from: https://www.pnas.org/content/116/46/23357