O selénio é um elemento traço que é essencial para o funcionamento do organismo em pequenas quantidades, mas que, tal como todos os elementos essenciais, pode ser tóxico em grandes quantidades. Ao contrário das plantas, a maior parte dos animais, incluindo os humanos, necessitam de selénio para o funcionamento apropriado de cerca de 25 enzimas conhecidas como selenoproteínas. Estas enzimas têm funções fundamentais na reprodução, metabolismo das hormonas da tiróide, síntese de ADN e proteção contra os danos oxidativos e infeções. Algumas das funções do selénio passam por:

  • Faz parte de pelo menos 25 proteínas (selenoproteínas);
  • Apoia enzimas antioxidantes como a glutationa peroxidase;
  • Necessário para a síntese de hormonas tiroideias;
  • Necessário para o bom funcionamento do sistema imunitário.

A deficiência de selénio produz alterações bioquímicas que poderão aumentar a predisposição de algumas doenças na presença de outros fatores de stress fisiológico. Por exemplo, a deficiência de selénio em combinação com provavelmente uma infeção viral pode levar a um tipo de cardiomiopatia congestiva que afeta especialmente crianças e mulheres jovens, conhecida como doença de Keshan. A doença tem o nome da região na China onde a deficiência de selénio é endémica devido à natureza dos solos. Quando a população dessas regiões começou um programa de suplementação com selénio, a incidência da doença de Keshan diminuiu muito significativamente .

A deficiência de selénio está também associada à infertilidade masculina e poderá ter um papel na doença de Kashin-Beck, uma osteoartrite deformante que afeta mais comumente crianças e adolescentes, sendo prevalente em regiões pobres em selénio tais como se encontram na China, Tibete e Sibéria .

Em relação a outras doenças como o cancro, níveis baixos de selénio poderão também aumentar o risco de alguns cancros como colorretal, bexiga, próstata, pulmão, esófago e gastrointestinais . Uma revisão da Cochrane que incluiu 55 estudos prospetivos e oito estudos clínicos aleatorizados mostrou que níveis superiores de selénio estiveram associados a um risco 31% inferior de cancro e 40% inferior de mortalidade por cancro. Houve uma diminuição de risco no caso do cancro da bexiga e da próstata .

O selénio poderá também ser benéfico no tratamento de algumas doenças relacionadas com o funcionamento do sistema imunitário e infeções virais . Por exemplo, no caso de infeção por VIH existe uma correlação entre níveis superiores de selénio e uma diminuição da mortalidade da doença, possivelmente devido à capacidade de inibir a progressão de carga viral em seropositivos .

Alguns estudos sugerem que a deficiência de selénio possa aumentar a virulência de vírus de RNA e que essa deficiência leva a uma incapacidade de produzir selenoproteínas antioxidantes, o que pode resultar na mutação do vírus numa forma mais virulenta que causa mais danos ao organismo. Nesse sentido, o selénio parece ser relevante para uma série de diferentes vírus, através dos seus potenciais efeitos imunomoduladores consistentes com os vários papeis essenciais do selénio no sistema imunitário e a sua capacidade de influenciar a mutação viral e sua evolução .

Por existir uma relação entre deficiência de selénio e o possível agravamento de infeções virais, investigadores levantaram a hipótese de haver uma associação entre o desfecho de COVID-19 e os níveis de selénio de diferentes regiões da China . As condições para se estudar essa associação são favoráveis uma vez que a China é o país com os maiores contrastes nos níveis regionais de selénio, com os níveis mais baixos e mais altos do mundo .

Ao serem examinados os dados de províncias com mais de 200 casos de COVID-19 e cidades com mais de 40 casos entre 14 e 18 de fevereiro, os investigadores verificaram que áreas com níveis elevados de selénio tinham maiores probabilidade de recuperar da doença. Por exemplo, dentro da Província de Hubei, cuja capital é Wuhan, a taxa de cura na cidade de Einshi foi de 36,4%, cerca de 3 vezes superior à média das outras cidades (13,1%). Einshi é conhecido por ter uma das ingestões mais elevadas de selénio na China, com ingestões até 550 µg por dia, o que pode inclusive aumentar o risco de toxicidade. Por outro lado, no caso da Província de Heilongjiang, uma região no nordeste da China que inclui Keshan, cuja população tem níveis muito baixos de selénio, teve uma taxa de mortalidade cerca de 5 vezes superior (2,4%) à média de todas as outras regiões fora de Hubei (0,5%) .

Estes resultados sugerem que possa existir uma relação entre as taxas de cura de COVID-19 e os níveis de selénio. No entanto, por se tratar de um estudo populacional no qual não se obtiveram os elementos individuais dos doentes e não foram controlados os confundidores, trata-se de um estudo muito preliminar, sendo necessário investigar a hipótese com estudos mais robustos.

Entretanto, por muitos motivos que poderão ou não incluir os seus efeitos na COVID-19, devemos garantir que não temos deficiência de selénio na nossa alimentação. De acordo com os valores de referência da EFSA, a ingestão adequada para adultos de selénio é de 70 µg por dia. Para outras faixas etárias as recomendações são as seguintes :

  • Bebés lactentes: 15 µg/dia;
  • Crianças (1-3 anos): 15 µg/dia;
  • Crianças (4-6 anos): 20 µg/dia;
  • Crianças (7-10 anos): 35 µg/dia;
  • Crianças (11-14 anos): 55 µg/dia;
  • Adolescentes (15-17 anos): 70 µg/dia;
  • Mulheres lactantes: 85 µg/dia.

Embora o selénio seja um elemento essencial para a saúde, doses elevadas podem levar a toxicidade (selenose). Os sintomas mais frequentes de selenose são cabelo e unhas quebradiças e perda de cabelo. Outros sintomas podem incluir distúrbios gastrointestinais, erupções cutâneas, hálito com odor a alho, fadiga, irritabilidade e problemas neurológicos. A EFSA estabeleceu o nível máximo de selénio em 300 µg por dia no caso de adultos e os seguintes valores para as outras faixas etárias :

  • Crianças (1-3 anos): 60 µg/dia;
  • Crianças (4-6 anos): 90 µg/dia;
  • Crianças (7-10 anos): 130 µg/dia;
  • Crianças (11-14 anos): 200 µg/dia;
  • Adolescentes (15-17 anos): 250 µg/dia;
  • Mulheres lactantes: 300 µg/dia.

Alguns alimentos como certos peixes ou mariscos são ricos em selénio, mas de longe a melhor fonte do mineral são as castanhas do Brasil. Uma só castanha do Brasil contém cerca de 95,9 µg de selénio, além de serem ricas em magnésio, fósforo, cobre, manganésio e outros nutrientes importantes. Outros alimentos vegetais ricos em selénio, embora em menores concentrações, são por exemplo: sementes de girassol, gérmen de trigo, massa integral, farinha de Kamut, sementes de sésamo, cogumelos shitake, cogumelos Paris, tofu e sementes de chia.

A quantidade de selénio nos alimentos vegetais está dependente da quantidade presente no solo e outros fatores. Nesse sentido, as concentrações de selénio nos mesmos produtos podem variar de região para região. Em Portugal, os terrenos são geralmente pobres em selénio. Os níveis mais altos de selénio encontrados no solo foram em Trás-os-Montes (225 µg kg-1). Estima-se que cerca de 20% da população europeia não obtém a quantidade diária recomendada de selénio .

Devido à eventual toxicidade de níveis muito altos de selénio, sempre que possível deveríamos obter as quantidades adequadas do mineral a partir de alimentos. Os suplementos de selénio embora possam ter utilidade em casos de deficiência grave, poderão estar associados a alguns problemas de saúde, nomeadamente aumentar o risco de diabetes tipo 2, alopecia e dermatite .

A árvore da castanha do Brasil é de grandes dimensões e vive entre 500 a 800 anos. No Brasil estas árvores são protegidas, sendo ilegal cortá-las. Entre vários outros benefícios, a castanha do Brasil é a melhor fonte alimentar de selénio, bastando comer apenas 1 ou 2 castanhas para obtermos a necessidade diária de selénio. No entanto, a concentração de selénio nas castanhas do Brasil depende da presença deste elemento nos solos. Além de selénio, as castanhas do Brasil são ricas em gorduras insaturadas, proteína, magnésio, cobre e fósforo.

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