Molécula presente nas carnes vermelhas poderá aumentar o risco de cancro

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É praticamente de senso comum que o consumo de carnes vermelhas e especialmente de carnes processadas está associado a um aumento no risco de alguns tipos de cancro. De acordo com o relatório da WCRF/AICR, existe uma relação convincente entre o consumo de carnes vermelhas e processadas e o risco de cancro colorretal

(American Institute for Cancer Research & World Cancer Research Fund, 2007). Em relação a outros tipos de cancro ainda não existem provas convincentes para podermos ter uma ideia final mas ainda assim existem indicadores sugestivos de que o consumo de carnes vermelhas e processadas possam estar associado a um risco superior de vários cancros:

  • Esófago
  • Pulmão
  • Pâncreas
  • Endométrio
  • Estômago
  • Próstata

Uma meta-análise de estudos prospetivos cujos resultados são consistentes e dependentes da dose, conclui que por cada 120 g de carne vermelha consumida diariamente existe um aumento de 28% no risco de cancro colorretal (Larsson & Wolk, 2006). Em relação às carnes processadas, uma meta-análise de 5 estudos conclui que por cada 50 g diários consumidos, o risco aumenta em 21% de cancro colo-retal.

Um novo estudo desenvolvido pela Harvard (Harvard’s Nurses’ Health Study II) procurou perceber a relação entre o consumo de carnes vermelhas em idades jovens e o risco de cancro da mama. Foram incluídas mais de 88000 mulheres na fase anterior à menopausa, seguidas ao longo de 20 anos. De acordo com os resultados, o consumo de carnes vermelhas está associado a um aumento de 22% no risco de cancro da mama. Cada porção diária adicional de carne vermelha está associado a um aumento de 13% no risco de cancro da mama (Farvid et al., 2014).

As recomendações atuais para a prevenção do cancro incluem uma dieta de base vegetal, limitando o consumo de carnes vermelhas e evitando o consumo de carnes processadas (American Institute for Cancer Research & World Cancer Research Fund, 2007).

Os principais estudos populacionais disponíveis têm confirmado os benefícios de uma dieta de base vegetal na prevenção de alguns tipos de cancro:

  • Adventist Health Study-2 (AHS-2) acompanha cerca de 96000 membros da comunidade Adventista nos EUA (Tantamango-Bartley et al., 2013):
    • Em 2012, o AHS-2 publicou um relatório no qual examinou a incidência de cancro em mais de 69000 participantes.
    • Nesse relatório aqueles que seguem uma dieta vegan tiveram um risco 16% inferior de cancro quando comparados com Adventistas que consomem carne, com um risco 34% inferior em cancros específicos da mulher.
    • Aqueles que seguiram uma dieta lacto-ovo-vegetariana mostraram um risco 8% inferior de cancro e uma redução de 24% nos cancros gastrointestinais.
  • European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC) acompanha cerca de 520000 participantes de 10 países europeus :
    • Em 2014, o grupo EPIC-Oxford publicou resultados sobre a incidência de cancro em 61647 participantes observados ao longo de uma média de cerca de 15 anos.
    • Quando comparados com participantes que consomem carne mas que fazem uma dieta equilibrada, o risco total de cancro foi 19% inferior em vegans11% inferior em vegetarianos e 12% inferior naqueles que consomem peixe mas não consomem carne.

Embora se observe uma relação entre o consumo de carnes vermelhas e o risco de cancro, os mecanismos pelos quais esta relação acontece ainda não são inteiramente compreendidos. Uma das pistas que poderá ajudar a perceber melhor esta questão é o facto de os seres humanos serem os únicos mamíferos carnívoros que ao consumirem carne têm um risco superior de alguns cancros.

Uma das características que nos distingue dos outros animais como os primatas, consiste na inexistência nos humanos de uma molécula conhecida como Neu5Gc, a qual poderá contribuir para o aparecimento de cancros. O Neu5Gc é um ácido siálico que os seres humanos não conseguem sintetizar, uma vez que o respetivo gene está desativado e que se encontra em quantidades abundantes na carne de mamíferos.

Um estudo recente mostrou que ratos modificados de forma a serem deficientes em Neu5Gc (como os humanos) alimentados com essa molécula, apresentaram um aumento significativo de cancros . O estudo não envolveu a exposição a carcinogéneos nem cancros artificialmente induzidos, o que sugere que seja o Neu5Gc a ligação entre o consumo de carne vermelha e o cancro.

Anteriormente, os investigadores decobriram que o Neu5Gc de fonte animal é absorvido pelos tecidos humanos. Neste estudo, foi colocada a hipótese que o consumo de carne vermelha poderá levar a um estado de inflamação crónica se o sistema imunitário estiver permanentemente a gerar anticorpos contra o Neu5Gc ao identicar esta molécula como estranha.

Para testar esta hipótese, os investigadores modificaram ratos de forma a mimetizarem a falta de Neu5Gc observada em humanos. Quando estes ratos consumiram Neu5Gc, desenvolveram inflamação sistémica, o que poderá ser um fator de risco importante para o desenvolvimento do cancro. A formação espontânea de tumores nesses ratos aumentou 5 vezes e a molécula acumulou-se nesses tumores.

No caso de um chimpanzé que coma carne vermelha, o Neu5Gc presente na carne será captado pelas células epiteliais e apresentado à sua superfície. Uma vez que essa molécula é um componente natural das células, não existe uma resposta imunológica adversa. Por outro lado, os humanos, cuja produção de Neu5Gc está desativada, ainda têm os mecanismos celulares necessários para processar esta molécula e apresentá-la à superfície. No entanto, o nosso sistema imunitário reconhece-a como estranha ativando uma resposta imunitária.

Existem outros mecanismos que poderão contribuir para a relação entre o consumo de carnes vermelhas e o risco de alguns cancros:

  • Aminas Heterocíclicas e Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos: Quando as carnes dos músculos de animais é exposta a temperaturas altas, formam-se dois tipos de compostos altamente cancerígenos chamados aminas heterocíclicas (HCA) e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAH).
  • IGF-1: A proteína completa e os alimentos com um índice glicémico alto contribuem para o aumento dos níveis de IGF-1. Níveis elevados desta hormona de crescimento estão associados ao risco superior de vários tipos de cancro.
  • Metionina: Este aminoácido está presente em grande quantidades nos alimentos de origem animal. As células de cancro têm uma dependência absoluta deste aminoácido: na sua ausência morrem, ao contrário das células saudáveis que conseguem sobreviver sem ele.
  • Colesterol: Um metabólito do colesterol (27-hidroxicolesterol) comporta-se como o estrogénioestimulando o crescimento de cancros dependentes desta hormona, tal como o da mama.
  • Ferro Heme: O ferro heme presente na carne vermelha está relacionado com a formação de compostos N-nitroso .
  • Nitritos: conservante utilizado nas carnes processadas, produz nitrosaminas .
  • Carnitina e Colina: presentes em grandes quantidades produtos de origem animal, são metabolizados por bactérias nos intestinos, transformados em N-óxido de trimetilamina (TMAO), a qual poderá aumentar o risco de doença cardiovascular e contribuir para um aumento dos níveis inflamatórios.

Referências:

1. Farvid MS, Cho E, Chen WY, Eliassen AH, Willett WC. Dietary protein sources in early adulthood and breast cancer incidence: prospective cohort study. BMJ. 2014;348:g3437.

1. Bastide NM, Pierre FHF, Corpet DE. Heme Iron from Meat and Risk of Colorectal Cancer: A Meta-analysis and a Review of the Mechanisms Involved. Cancer Prev Res [Internet]. 2011 Feb 1 [cited 2015 Jan 15];4(2):177–84. Available from: http://cancerpreventionresearch.aacrjournals.org/content/4/2/177

1. American Institute for Cancer Research, World Cancer Research Fund. Food, nutrition, physical activity and the prevention of cancer: a global perspective: a project of World Cancer Research Fund International. Washington, D.C: American Institute for Cancer Research; 2007. 517 p.

1. Tantamango-Bartley Y, Jaceldo-Siegl K, Fan J, Fraser G. Vegetarian Diets and the Incidence of Cancer in a Low-risk Population. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev [Internet]. 2013 Feb 1 [cited 2014 Dec 30];22(2):286–94. Available from: http://cebp.aacrjournals.org/content/22/2/286

1. Loh YH, Jakszyn P, Luben RN, Mulligan AA, Mitrou PN, Khaw K-T. N-Nitroso compounds and cancer incidence: the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC)-Norfolk Study. Am J Clin Nutr. 2011 May;93(5):1053–61.

1. Larsson SC, Wolk A. Meat consumption and risk of colorectal cancer: a meta-analysis of prospective studies. Int J Cancer. 2006 Dec 1;119(11):2657–64.