Meditação poderá aumentar qualidade de vida e sobrevivência de doentes de cancro

Quase todas as ideias e conceitos que herdamos das nossas raízes culturais não sobrevivem ao desgaste natural da passagem do tempo. Na maior parte das vezes o sentido original de certas palavras encontra-se de forma diluída nas utilizações modernas que fazemos. Um bom exemplo disso é o que entendemos hoje por “dieta“. Geralmente o sentido que adquire esta palavra está circunscrito a uma dimensão corporal, especialmente a perda de peso. No máximo poderá significar padrão alimentar, ou seja, o conjunto de hábitos e comportamentos que se refletem em determinadas escolhas de alimentos.

No entanto a palavra original grega, diaita, traduz um conceito mais abrangente do que meramente físico, sendo a alimentação apenas um dos aspetos de uma constelação de ações que visam a obtenção de saúde. A tradução possível do termo grego diaita é “modo de vida“. Este modo de vida representa um esforço de se fazerem escolhas que conduzam o indivíduo a uma condição de equilíbrio físico, mental e psicológico. Fazer dieta por isso não era entendido como restrição alimentar mas como uma atitude ativa e consciente que possa contribuir para a saúde total do indivíduo.

É exatamente nesse sentido que a noção de “estilo de vida” deve ser compreendido: um conjunto de escolhas e comportamentos que facilitem a saúde, das quais fazem parte elementos como a alimentação, o exercício físico, as relações sociais e também a gestão dos estados mentais e emocionais.

As recomendações para a prevenção do cancro são já conhecidas: envolvem controlar o peso, fazer exercício físico, fazer uma dieta de base vegetal, reduzir o consumo de carnes vermelhas e evitar as carnes processadas, entre outras. A última recomendação da WCRF/AICR sugere que um sobrevivente de cancro deverá seguir as mesmas recomendações para a prevenção primária. De acordo com o que vários estudos têm sugerido, talvez no futuro se recomende também alguma prática de meditação para melhorar a qualidade de vida depois de um diagnóstico, ou mesmo para diminuir o risco de recidivas.

A utilização de práticas complementares aos tratamentos por parte dos doentes oncológicos de forma a diminuir os sintomas de stress e a fazer uma gestão emocional é já hoje uma realidade, estimando-se que cerca de 32% destes doentes já tenha recorrido em algum momento a práticas como: meditação, yoga ou gestão emocional

(Mao et al., 2011). Uma dessas técnicas de intervenção mente-corpo mais bem estudadas em populações de cancro é a redução de stress baseado no mindfulness (MBSR), um programa desenhado para ajudar indivíduos a lidar com os desafios físicos e emocionais através da prática de mindfulness(Kabat-Zinn, 2013).

Jon Kabat-Zinn

MBSR foi desenvolvido por Kabat-Zinn et al nos anos 70 para ajudar a aliviar o sofrimento em indivíduos com dores crónicas, ansiedade e outras sintomatologias médicas (Kabat-Zinn, 2013Jane Ott, 2010). O programa tradicional de MBSR envolve oito sessões semanais de 150 minutos que consistem em instruções didáticas, discussão em grupo, meditação, yoga e um retiro de 6 horas de meditação. Além disso, também prevê a integração de mindfulness nas atividades diárias. Duas intervenções baseadas em mindfulness (MBI) foram avaliadas em populações oncológicas: terapia cognitivas baseada em mindfulness (MBCT(Williams et al., 2008), que combina o programa de MBSR com princípios da terapia cognitiva, originalmente desenvolvida para o tratamento da depressão; e a recuperação de cancro baseada no mindfulness (MBCR), uma das adaptações do MBSR especificamente para o cancro mais estudada que envolve oito sessões em grupo com a duração de 90 minutos.

Vários estudos têm mostrado benefícios de intervenções baseadas em mindfulness (MBI) em diferentes níveis: redução de sintomas, desfechos psicológicos positivos e melhoria dos biomarcadores (Rouleau et al., 2015):

  1. Redução de sintomas: os doentes oncológicos estão suscetíveis a vários sintomas associados à doença, ao seu tratamento e a comorbidades. Estes sintomas podem incluir: stress psicológico, distúrbios do sono, respiração curta, náusea, diarreia, dor, sintomas vasomotores e anemia. De todos os sintomas associados à doença, aqueles que estão mais estudados relativamente à utilização de MBIs são o stress, os distúrbios do sono e a fadiga. Estas intervenções podem trazer benefícios e melhorar todos estes sintomas melhorando assim a qualidade de vida.
  2. Desfechos psicológicos positivos: existe um reconhecimento crescente que não tem sido dada a devida atenção ao potencial terapêutico de se conseguir perceber a doença como uma experiência de crescimento pessoal e de procura de sentido, o que pode diminuir o stress associado. As MBIs estão associadas a melhoria na qualidade de vida em doentes oncológicos, assim como a mudanças positivas em áreas como: espiritualidade, sentimentos positivos, sentido, aceitação, conforto, felicidade, relaxamento e crescimento pós-traumático.
  3. Biomarcadores: Além de diminuir os sintomas associados à doença, vários estudos têm sugerido que as MBIs estão associadas a alterações em marcadores biológicos importantes de stress e saúde, tais como: função imunitária, regulação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, PSA e atividade autonómica nervosa. Uma meta-análise que inclui 10 estudos mostrou que praticar meditação mindfulness e práticas relacionadas depois de um diagnóstico de cancro tem grandes benefícios a diminuir estados de depressão, ansiedade e stress e alguns benefícios em variáveis de saúde física, tais como: função imunitária, pressão arterial e marcadores tumorais (Ledesma & Kumano, 2009).

Sabemos que as práticas de meditação como o mindfulness estão relacionadas com bem-estar emocional e mental, mas poderão também ter um efeito significativo ao nível biológico, o que explicaria os benefícios na recuperação e sobrevivência ao cancro. Outro dos marcadores biológicos que poderão ser modificados por MBIs, são o comprimento dos telómeros e a atividade da telomerase. Os telómeros são estruturas que protegem as extremidades dos cromossomas e que a cada divisão celular vão diminuindo de tamanho. Quando atingem um valor mínimo, a célula deixa-se de poder dividir e entra em senescência (Peres, 2011). O comprimento dos telómeros por isso é um bom indicador de longevidade. A telomerase é um enzima envolvido na manutenção e prolongamento dos telómeros (Greider, 1996).

Alguns estudos sugerem que o comprimento dos telómeros sejam um indicador preditivo de risco de doença, progressão da doença e mortalidade prematura (Ornish et al., 2008). Relativamente ao cancro, telómeros curtos e pouca atividade da telomerase, poderão estar associados a maior risco de cancro e menor sobrevivência (Ghaffari et al., 2008Willeit et al., 2010Rossi et al., 2009)Dois estudos clínicos recentes investigaram o impacto de duas intervenções baseadas em mindfulness (MBSR e MBCR) sobre o comprimento dos telómeros e da atividade da telomerase em doentes com cancro da mama (Lengacher et al., 2014Carlson et al., 2015). Ambos os estudos mostram resultados promissores.

Um dos estudos mostrou que o programa de redução de stress baseado em mindfulness (MBSR) aplicado ao longo de 12 semanas em sobreviventes de cancro da mama, melhorou a atividade da telomerase em 17% nestas pessoas, quando comparado com cuidados normais (Lengacher et al., 2014). Outro estudo mais recente mostrou também que um programa de recuperação de cancro baseado em mindfulness (MBCR) mostrou que o comprimento dos telómeros não se alteraram em sobreviventes de cancro da mama quando comparados com um grupo no qual não houve intervenção (Carlson et al., 2015).

Este último estudo foi realizado durante 3 meses com 88 sobreviventes de cancro da mama que tinham terminado os tratamentos há mais de 3 meses e com uma média de idades de 55 anos. As participantes foram divididas em 3 grupos: ao primeiro foi pedido que frequentassem 8 sessões de grupo semanais com cerca de 90 minutos cada nas quais os participantes recebiam instruções sobre meditação mindfulness e yoga, além de serem incentivados a praticarem meditação em casa por 45 minutos diariamente; o segundo grupo encontrou-se semanalmente durante 90 minutos, sendo encorajados a falar abertamente sobre as suas preocupações e sentimentos; o terceiro grupo participou num workshop de gestão de stress com a duração de 6 horas. Antes e depois do estudo os participantes fizeram análises e foi-lhes medido o comprimento dos telómeros. Ao fim dos 3 meses de duração do estudo, ambos os grupos que frequentaram sessões de apoio mantiveram o comprimento dos telómeros. Por outro lado, os telómeros do terceiro grupo diminuíram.

meditação mindfulness é frequentemente definida como uma consciência sem julgamento do momento presente. Esta consciência contrasta com a experiência comum das nossas vidas na qual tendemos a dispersar os nossos pensamentos com preocupações passadas e futuras, enquanto julgamos as situações presentes. O mindfulness pode tomar a forma de uma prática de meditação formal, ou apenas uma tentativa de estar presente e inteiro nas tarefas que se fazem no quotidiano. Embora o mindfulness tenha as suas origens em tradições orientais, nomeadamente em práticas do Budismo Theravada, foi trazido para o Ocidente por vários praticantes, entre os quais Jon Kabat-Zinn, criador do sistema Redução de Stress Baseado em Mindfulness (MBSR). Durante os últimos 30 anos, o MBSR tem sido estudado, melhorado e adaptado no sentido de ir ao encontro das necessidades específicas dos doentes, existindo hoje mais de 2500 artigos científicos publicados sobre o assunto.

Referências:

1. Mao JJ, Palmer C, Healy K, Desai K, Amsterdam J. Complementary and Alternative Medicine Use among Cancer Survivors: a Population-Based Study. J Cancer Surviv [Internet]. 2011 Mar [cited 2015 Dec 20];5(1):8–17. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3564962/ DOWNLOAD

2. Kabat-Zinn J. Full catastrophe living: using the wisdom of your body and mind to face stress, pain, and illness. Revised and updated edition. New York: Bantam Books trade paperback; 2013. 650 p.

3. Jane Ott M. The art and science of mindfulness: integrating mindfulness into psychology and the helping professions. Written by Shauna L. Shapiro and Linda E. Carlson. American Psychological Association, Washington, DC, 2009. 194 pages. Price: $59.95 (US), £51.50 (UK). ISBN: 978-1433804656. Psycho-Oncology [Internet]. 2010 Apr 1 [cited 2015 Dec 20];19(4):447–8. Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/pon.1688/abstract

4. Williams JMG, Russell I, Russell D. Mindfulness-Based Cognitive Therapy. J Consult Clin Psychol [Internet]. 2008 Jun [cited 2015 Dec 20];76(3):524–9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2834575/ DOWNLOAD

5. Rouleau CR, Garland SN, Carlson LE. The impact of mindfulness-based interventions on symptom burden, positive psychological outcomes, and biomarkers in cancer patients. Cancer Manag Res [Internet]. 2015 Jun 1 [cited 2015 Dec 20];7:121–31. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4457221/ DOWNLOAD

6. Ledesma D, Kumano H. Mindfulness-based stress reduction and cancer: a meta-analysis. Psychooncology. 2009 Jun;18(6):571–9.

7. Peres J. Telomere Research Offers Insight on Stress–Disease Link. JNCI J Natl Cancer Inst [Internet]. 2011 Jun 8 [cited 2015 Dec 21];103(11):848–50. Available from: http://jnci.oxfordjournals.org/content/103/11/848

8. Greider CW. Telomere length regulation. Annu Rev Biochem. 1996;65:337–65.

9. Ornish D, Lin J, Daubenmier J, Weidner G, Epel E, Kemp C, et al. Increased telomerase activity and comprehensive lifestyle changes: a pilot study. Lancet Oncol. 2008 Nov;9(11):1048–57.

10. Ghaffari SH, Shayan-Asl N, Jamialahmadi AH, Alimoghaddam K, Ghavamzadeh A. Telomerase activity and telomere length in patients with acute promyelocytic leukemia: indicative of proliferative activity, disease progression, and overall survival. Ann Oncol [Internet]. 2008 Nov 1 [cited 2015 Dec 21];19(11):1927–34. Available from: http://annonc.oxfordjournals.org/content/19/11/1927 DOWNLOAD

11. Willeit P, Willeit J, Mayr A, Weger S, Oberhollenzer F, Brandstätter A, et al. Telomere length and risk of incident cancer and cancer mortality. JAMA. 2010 Jul 7;304(1):69–75.

12. Rossi D, Lobetti Bodoni C, Genuardi E, Monitillo L, Drandi D, Cerri M, et al. Telomere length is an independent predictor of survival, treatment requirement and Richter’s syndrome transformation in chronic lymphocytic leukemia. Leukemia. 2009 Jun;23(6):1062–72.

13. Lengacher CA, Reich RR, Kip KE, Barta M, Ramesar S, Paterson CL, et al. Influence of Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR) on Telomerase Activity in Women With Breast Cancer (BC). Biol Res Nurs [Internet]. 2014 Oct [cited 2015 Dec 21];16(4):438–47. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4559344/ DOWNLOAD

14. Carlson LE, Beattie TL, Giese-Davis J, Faris P, Tamagawa R, Fick LJ, et al. Mindfulness-based cancer recovery and supportive-expressive therapy maintain telomere length relative to controls in distressed breast cancer survivors. Cancer. 2015 Feb 1;121(3):476–84. DOWNLOAD