A imunoterapia mostra eficácia no tratamento da leucemia
O ano de 2013 fechou com a promessa de grandes avanços na imunoterapia. A boa-nova está lançada e tudo indica que nos próximos anos iremos assistir a cada vez melhores resultados na utilização destes tratamentos. Tem sido um longo percurso desde que William Coley (o pai da imunoterapia) percebeu que o sistema imunitário poderia ser estimulado para combater o cancro, até aos dias de hoje, em que a imunoterapia parece afirmar-se como um tratamento futuro de 1ª linha.
As boas-novas parecem por isso ter vindo para ficar, como se pode ver em alguns dos resultados positivos que este ano já se começam a fazer notar. Investigadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center dão-nos conta dos resultados do maior estudo clínico de linfócitos T geneticamente modificados realizado até à data em pacientes com leucemia em fase avançada. De acordo com o estudo, 88% destes doentes entraram em remissão completa. De acordo com um dos autores Michael Sadelain, MD, Diretor do Center for Cell Engineering no Memorial Sloan Kettering, “estes resultados extraordinários demostram que a terapia clular é um tratamento poderoso para pacientes que esgotaram todas as terapias covencionais.
A leucemia linfoblástica aguda (LLA) de células B (cancro do sangue que se desenvolve nas células B) em adultos é de muito difícil tratamento devido a existir uma grande probabilidade de recidiva na maioria dos pacientes. Para o caso de haver uma recidiva existem poucas opções de tratamento no qual apenas 30% dos doentes respondem à quimioterapia. Sem um transplante de medula óssea bem-sucedida, poucos terão hipótese de uma sobrevivência a longo prazo.
De acordo com o estudo, 16 pacientes com recidiva de LLA receberam uma infusão dos seus próprios linfócitos T geneticamente modificados. Estas células foram programadas de forma a reconhecerem e destruírem células de cancro que expressem a proteína CD19. Destes 16 doentes, 88% entraram em remissão completa e 44% puderam realizar um transplante de medula bem sucedido a seguir ao tratamento. Três desses pacientes não puderam realizar o transplante por não conseguirem entrar em remissão. Historicamente apenas 5% de doentes com recidiva de LAA estão aptos a serem transplantados.
Estes resultados não são um fenómeno isolado. Outros estudos com base no mesmo tratamento apresentam resultados muito semelhantes. Três anos e meio depois de iniciarem um estudo clínico no qual investigadores do Perelman School of Medicine da University of Pennsylvania e do Children’s Hospital of Philadelphia apresentam resultados muito promissores. Os estudos envolveram tanto adultos como crianças com cancros do sangue que não responderam a tratamentos convencionais.
Dois dos primeiros 3 doentes com leucemia linfocítica crónica (LLC) que participaram no estudo que começou em 2010, continuam em remissão. Os testes realizados a estes sobreviventes mostram que estas células reprogramadas ainda circulam nos seus organismos, a postos para eliminar células malignas que possam reaparecer no futuro, o que revela uma das características mais entusiasmantes destas terapias: o facto dos seus efeitos poderem ser duradouros. Os novos resultados de estudos mais recentes incluem uma taxa de remissão completa de 89% entre adultos e crianças com LLA.
Um dos autores do estudo, o Dr. Carl June, manifesta o seu entusiasmo nesta forma de tratamento: “as nossas descobertas mostram que o sistema imunitário e estas células “predadoras” modificadas trabalham em conjunto no sentido de atacar os tumores de uma forma inteiramente nova”.
Os resultados dos estudos realizados por uma equipa que inclui investigadores que tratam doentes no Hospital of the University of Pennsylvania e no Children’s Hospital of Philadelphia, dizem respeito a 3 grupos diferentes de pacientes:
- 15 de 32 pacientes adultos com LLC (47%) responderam à terapia, 7 dos quais tiveram uma remissão completa da sua doença.
- 19 de 22 pacientes pediátricos com LLA (86%) tiveram uma remissão completa. Cinco crianças tiveram uma recidiva. A primeira criança tratada com este protocolo continua em remissão até hoje.
- Todos os 5 adultos com LLA tiveram remissão completa. Um paciente realizou um transplante de medula óssea e continua em remissão e outro teve uma recidiva 3 meses depois.
Como funciona o tratamento:
O tratamento utiliza células do sistema imunitário extraídas a partir do sangue do paciente, os linfócitos T. Estas células são depois geneticamente modificadas para expressarem uma proteína que irá reconhecer e ligar-se a uma alvo chamado CD19, o qual encontra-se nos linfócitos B malignos:
- As células de cancro. Os linfócitos B, que se encontram no sistema imunitário, tornam-se malignos em certas leucemias e linfomas.
- As células saudáveis do sistema imunitário. Os linfócitos T reconhecem e atacam células invasoras doentes.
- O problema. As células de cancro escapam à vigilância do sistema imunitário, evitando a deteção por parte dos linfócitos T.
- A solução. Neste tratamento experimental, os linfócitos T são recolhidos a partir do sangue do paciente e modificadas em laboratório no sentido de passarem a reconhecer e ligarem-se a uma proteína que só se encontra na superfície dos linfócitos B. Depois desta modificação, estas células passam a ser chamadas de linfócitos T recetores quiméricos de antigénio (chimeric antigen receptor T cells). As células são introduzidas de volta no paciente onde se dispersam de forma a encontrarem linfócitos B malignos.
- O resultado. Enquanto as células modificadas se multiplicam no organismo, ligam-se e destroem os linfócitos B cancerosos de divisão rápida. Elas permanecem no organismo por muito tempo continuando a buscar e destruir qualquer novo linfócito B canceroso.
Efeitos secundários do tratamento:
Todas as outras células que não expressem CD19 são ignoradas pelos linfócitos T modificados, o que limita os efeitos colaterais tipicamente sentidos durante os tratamentos convencionais. Além da morte das células de cancro, as CAR (células modificadas) induzem a célula a produzir citoquinas que estimulam o crescimento de outros linfócitos T, criando assim um exército que aumenta até todas as células alvo terem sido destruídas. Nos pacientes que tiveram remissão completa após o tratamento, as células CAR exibiram uma grande proliferação após a inoculação. Este efeito levou a que todos os pacientes desenvolvessem um síndrome de libertação de citoquinas caracterizado por febres, náusea, hipoxia e pressão baixa, tratado com um fármaco que bloqueia as citoquinas. Outro dos efeitos colaterais passa pela destruição de linfócitos B saudáveis. Uma vez que estas células são importantes para o sistema imunitário do organismo combater infeções, os pacientes recebem um tratamento preventivo para evitar complicações.
O estudo realizado pelos investigadores do Memorial Sloan Kettering permitiu também perceber melhor como gerir os efeitos secundários destes tratamentos. Foram desenvolvidos testes que permitem identificar quais os pacientes com maior risco de desenvolverem o síndrome referido.
Embora estes tratamentos estejam atualmente a ser estudados em doentes que não responderam inicialmente aos tratamentos convencionais, estão a ser planeados novos estudos que procuram determinar se os doentes poderão beneficiar em receber uma imunoterapia como tratamento de 1ª linha, o que a nosso ver será a conquista mais entusiasmante para a utilização destes tratamentos. E tudo indica que os próximos anos serão de grandes mudanças nesse sentido.
Referências:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24274181
https://www.cancerresearch.org/about/history
https://www.mskcc.org/cancer-care/doctor/michel-sadelain
https://www.mskcc.org/research/cell-engineering
https://www.med.upenn.edu/apps/faculty/index.php/g275/p2328
https://www.mskcc.org/pressroom/press/cell-therapy-shows-remarkable-ability-eradicate-clinical-study
https://www.uphs.upenn.edu/news/News_Releases/2013/12/ctl019/