Um dos problemas com o cancro do pâncreas tem a ver com o facto de este cancro estar defendido por uma fortaleza biológica que o defende dos ataques externos, quer estes se tratem de linfócitos T ou de fármacos citotóxicos. Alguns estudos recentes têm-se dedicado a tentar furar esta barreira e conseguir atingir o tumor aumentando assim os números das taxas de sobrevivência, ainda demasiado baixos para este tipo de cancro.
Estes esforços levaram a que investigadores desenvolvessem um tratamento que poderá vir a provar-se eficaz no tratamento do cancro do pâncreas, contornando o problema da barreira biológica. O método utiliza um fármaco que destrói a barreira protetiva que envolve os tumores de cancro do pâncreas, dando assim espaço para que os linfócitos T possam invadir e destruir as células malignas. O fármaco é utilizado em simultâneo com um anticorpo que bloqueia a proteína PD-L1, um dos “travões” explorados pelos tumores para desativar os linfócitos T.
Outro estudo recente sugere que uma das soluções que poderá ser útil a quebrar a barreira à volta do tumor, permitindo que os leucócitos lá cheguem, pode ser algo tão simples como a Vitamina A. O estudo mostra que esta barreira é composta maioritariamente de células chamadas “células estreladas do pâncreas” (PSCs) impedindo que leucócitos específicos alcancem o tumor.
De acordo com os investigadores, as células estreladas do pâncreas presentes na barreira protetora (estroma) interagem com alguns leucócitos importantes, tais como os linfócitos T CD8, mantendo-os retidos na parte exterior desta malha de proteção.
Diz-nos Hemant Kocher, um dos autores do estudo, que “a quantidade de linfócitos T CD8 que consegue chegar ao tumor varia entre pacientes. Níveis mais elevados estão relacionados com melhor sobrevivência após a cirurgia. Isto sugere que se conseguirmos furar a barreira e permitir que estas células entrem livremente no cancro, estas possam combater o tumor”.
Partindo de um estudo anterior publicado em 2011, no qual a mesma equipa de investigadores mostrou que o comportamento das células estreladas poderia ser modificado expondo-as a um subproduto da vitamina A (ATRA), desta vez os cientistas trataram ratos com cancro do pâncreas com ácido retinoico. Nas palavras de Kocher “pacientes com cancro do pâncreas têm deficiências de vitamina A uma vez que o tumor bloqueia a produção de sucos digestivos do pâncreas e do fígado”.
A células estreladas do pâncreas são responsáveis por conservar vitaminas dentro do pâncreas. Os investigadores descobriram que ao restaurarem os níveis de vitamina A nessas células evitam que interajam com os linfócitos T CD8, permitindo assim que mais destas células atravessem a barreira e alcancem o tumor.
Kocher conclui dizendo que “sabemos que existem leucócitos que podem combater este cancro, mas por causa da estroma, só a imunoterapia não será suficiente. O mesmo se passa com a quimioterapia. A chave passará por derrubar esta barreira e com a vitamina A temos uma forma potencial de o fazer.”
Os níveis elevados de carotenoides (percursores da vitamina A) no sangue têm estado associados a taxas mais baixas de cancro. Um desses exemplos pode ser visto num estudo desenvolvido por investigadores da Harvard Medical School onde analizaram os dados de 8 diferentes estudos os quais cobrem cerca de 80% da pesquisa publicada sobre carotenoides e cancro da mama. A análise incluiu mais de 3000 participantes e perto de 4000 sujeitos de controlo. As mulheres com níveis de carotenoides superiores apresentaram um risco de 15 a 20% inferior de cancro da mama quando comparadas com aquelas com níveis inferiores de carotenoides. De acordo com um dos autores, A. Heather Eliassen, “parece existir uma relação linear. Quanto maior os níveis de carotenoides menor o risco de cancro da mama”.
Os carotenoides são os pigmentos amarelos, laranja e vermelhos naturalmente presentes nos frutos e vegetais. Existem mais de 600 carotenoides; os mais consumidos e estudados incluem o beta-caroteno, alfa-caroteno, beta-criptoxantina, licopeno, luteína e a zeaxantina. O alfa-caroteno, beta-caroteno e a beta-criptoxantina são provitaminas A, o que significa que podem ser convertidos pelo organismo em retinol. Os carotenoides podem ser genericamente classificados em duas classes: os carotenos (alfa e beta-caroteno e licopeno) e xantofilas (beta-criptoxantina, luteína e zeaxantina).
Metabolismo e biodisponibilidade
A assimilação dos carotenoides requer a presença de gordura numa refeição. Cerca de 3 a 5 gr. de gordura parecem ser suficientes para garantir a sua absorção. Nos intestinos e no fígado, os carotenoides provitamina A podem ser quebrados de forma a produzir retinol, uma forma de vitamina A. A eficácia desta conversão é determinada pelos níveis de vitamina A de cada um.
Atividades biológicas
- Vitamina A: esta vitamina é essencial para o crescimento normal, melhora a ação do sistema imunitário e a visão. A conversão em vitamina A é superior a partir do beta-caroteno em relação ao alfa-caroteno.
- Atividade antioxidante: Alguns estudos indicam que os carotenoides podem inibir a oxidação das gorduras em certas condições. Nas plantas estas substâncias têm um importante papel antioxidante no processo da fotossíntese. O papel análogo em humanos ainda não é inteiramente claro.
- Filtro de luz: os carotenoides absorvem a luz no se espectro visível. Esta característica tem uma relevância especial para os olhos, onde a luteína e a zeaxantina absorvem a luz azul. Ao reduzir a quantidade de luz azul que alcança estruturas fundamentais da vista, pode proteger os olhos de danos oxidativos.
- Comunicação intercelular: os carotenoides podem facilitar a comunicação entre células vizinhas estimulando a síntese de proteínas conexinas. Estas proteínas permitem às células comunicarem-se através da troca de pequenas moléculas. Esta comunicação é importante para manter as células num estado diferenciado o qual é geralmente perdido nas células de cancro. Os carotenoides aumentam a expressão do gene que codifica uma proteína conexina.
Licopeno: esta substância apresenta várias propriedades anticancerígenas sendo um poderoso antiangiogénico (inibidor da vascularização do tumor) através da inibição do fator de crescimento PDGF (responsável por ativar a geração de novos vasos sanguíneos). Em estudos animais, o licopeno inibe o desenvolvimento dos cancros da mama, fígado, cólon, próstata, além de suprimir as metástases. O Estudo em Profissionais de Saúde (Health Professionals Follow-Up Study), desenvolvido pela Harvard Medical School, no qual foram seguidos 51000 homens, mostrou que a população que consumiu mais licopeno apresentou uma redução de 15% no risco de desenvolver cancro da próstata quando comparada com homens com um menor consumo. Esta molécula torna-se mais biodisponível quando cozinhada, utilizando um pouco de gordura. Nesse mesmo estudo, aqueles homens que consumiram mais do que duas porções semanais de pasta de tomate apresentaram 23% menor risco de cancro da próstata quando comparados com aqueles que consumiam menos de uma porção por mês.
De acordo com o relatório da WCRF/AICR uma dieta rica em licopeno poderia prevenir cerca de 11% de casos de cancro da próstata nos EUA. Uma meta-análise de 21 estudos conclui que o consumo de licopeno está associado a uma diminuição de risco de cancro da próstata. O licopeno é melhor absorvido a partir de frutos e vegetais que o contêm depois de cozinhados e reduzidos a puré. Quebrar as células do alimento rico em licopeno pelo calor permite uma melhor extração da molécula, bem como mudanças na sua estrutura que a tornam mais biodisponível. As gorduras aumentam igualmente a biodisponibilidade do licopeno, pelo que é recomendável cozinhar vegetais como os tomates num pouco de azeite até fazer uma pasta, de forma a melhor aproveitar as suas propriedades.
O licopeno pode ser encontrado nos tomates, melancia ou pimentos vermelhos.
Beta-caroteno: este carotenoide foi o primeiro a ser medido no sangue humano. Alguns estudos sugerem que tenha uma ação protetora em relação ao cancro do pulmão. Segundo o relatório da WCRF, alimentos ricos em beta-caroteno poderão ajudar a prevenir o cancro do esófago. No entanto, embora níveis elevados de beta-caroteno no sangue esteja associado a um risco inferior de cancro, mais do que um estudo sugerem que quando tomado na forma de suplemento poderá aumentar o risco de cancro do pulmão em fumadores. O beta-caroteno pode ser encontrado em frutos e legumes amarelos e cor-de-laranja assim como legumes verdes tais como as cenouras, espinafres, alface, tomates, batatas-doce, brócolos e abóbora. De uma maneira geral quanto maior a intensidade da cor destes frutos e legumes maior a concentração deste carotenoide.
Alfa-caroteno: embora o beta-caroteno seja o carotenóide mais estudado, o alfa-caroteno é aquele que de forma mais precisa reflete o consumo de vegetais, uma vez que não se encontra em suplementos. É também um excelente marcador do consumo de vegetais densos em nutrientes, uma vez que os vegetais de cor verde escura e laranja são as fontes mais ricas de alfa-caroteno. Os vegetais verdes são aqueles que têm maior concentração de nutrientes. Um estudo revelou que aqueles que apresentavam níveis superiores de alfa-caroteno no sangue tiveram uma diminuição de 39% no risco de morte quando comparados com aqueles com níveis inferiores. O alfa-caroteno em si mesmo não representa benefício antioxidante mas é um marcador de outros componentes, esses sim com propriedades anticancerígenas conhecidas presentes nos vegetais verdes e laranjas. Alguns exemplos de vegetais ricos em alfa-caroteno: couve-lombarda, cenouras, acelgas, couve-galega, brócolos, abóbora.
Como nota final fica a recomendação que se obtenham os benefícios destas substâncias através dos alimentos no seu estado natural, uma vez que não só a sinergia entre os seus vários componentes torna-os mais eficazes na prevenção de vários cancros, assim como alguns suplementos onde são isolados e tomados em grandes concentrações, poderão ter efeitos contrários aos desejados. Uma salada variada e colorida ainda é a forma mais agradável e eficaz de obtermos estes micronutrientes.
Referências:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0016508513010767
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0016508511008262
https://www.bci.qmul.ac.uk/index.php/news/publications/306-vitamin-a-pancreatic-cancer.html
https://www.bci.qmul.ac.uk/index.php/new-publication.html
https://www.nature.com/milestones/milecancer/full/milecancer01.html
https://jnci.oxfordjournals.org/content/early/2012/12/05/jnci.djs627.full
https://jnci.oxfordjournals.org/content/early/2012/12/05/jnci.djs461.abstract
https://www.eurekalert.org/pub_releases/2012-12/jotn-wwh120412.php
https://lpi.oregonstate.edu/infocenter/phytochemicals/carotenoids/
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