Novos mecanismos anticancerígenos dos Ómega-3 descobertos
Acredita-se que dos vários benefícios atribuídos aos ácidos gordos ómega-3, um deles possa passar pela prevenção do cancro. Parte desses benefícios poderá ser explicado pelo papel da relação entre os ómega-3 e os ómega-6 nos processos inflamatórios. Do equilíbrio entre estes dois ácidos gordos depende em grande medida o equilíbrio entre as moléculas que promovem a inflamação (ómega-6) e aquelas que a inibem (ómega-3) quando já não é necessária. Embora se reconheça a importância destes nutrientes para a saúde, ainda não existem suficientes evidências que mostrem os todos os mecanismos pelos quais atuam nos processos relacionados com o desenvolvimento do cancro ou que mostrem de forma clara as suas propriedades quimiopreventivas ou até mesmo anticancerígenas.
Recentemente têm sido publicados alguns estudos que podem ajudar a perceber melhor os vários benefícios dos ómega-3 na sua relação com o cancro. De acordo com um estudo recente, uma dieta rica em ácidos gordos ómega-3 poderá inibir o crescimento de cancro da mama em 30%. Acredita-se que o estudo, publicado na revista Journal of Nutritional Biochemistry, seja o primeiro a providenciar uma evidência inequívoca de que os ómega-3 reduzem o risco de cancro. De acordo com David Ma, um dos autores e professor na Universidade de Guelph no Canadá, “esta é uma descoberta muito significativa. Nós mostrámos que uma exposição ao longo da vida aos ómega-3 tem um papel benéfico na prevenção de doenças, neste caso no cancro da mama. O mais importante é que provámos que os ómega-3 são os responsáveis por estes benefícios e não outra coisa qualquer”.
Mais recentemente ainda, um novo estudo acrescenta novos dados para a compreensão dos mecanismos biológicos pelos quais os ómega-3 poderão interferir com o desenvolvimento do cancro. Os seus benefícios poderão não se limitar aos processos inflamatórios como também aos mecanismos angiogénicos, ou seja, a capacidade que o tumor tem de estimular o crescimento de novos vasos sanguíneos de forma a obter todos os nutrientes que necessita para crescer. Investigadores da UC Davis (Universidade da Califórnia) descobriram que um produto resultante do metabolismo do ácido gordo ómega-3 ajuda a combater o cancro, inibindo a angiogénese, necessária para que o tumor cresça e se espalhe pelo organismo. Trata-se do EDP (ácido epóxi docosapentaenoico), um metabólito produzido pelo organismo a partir do ácido gordo ómega-3 DHA (docosahexaenoico), presente nos óleos de peixe, no leite materno e em certas algas. Em modelo animal, estes investigadores descobriram que o EDP inibe a angiogénese.
Este estudo pela primeira vez apresenta evidência científica acerca dos efeitos anticancerígenos de inibição das metástases do EDP. Este metabólito funciona de forma diferente dos atuais fármacos que bloqueiam a angiogénese. De acordo com o principal autor do estudo, Guodong Zhang, “esta investigação permite uma nova compreensão acerca dos caminhos pelos quais os ácidos gordos ómega-3 exercem os seus efeitos biológicos. Tanto quanto saibamos, os EDPs são os primeiros lípidos de sinalização descobertos a terem tais potentes efeitos anticancerígenos”. Jonathan Lindner, professor de medicina na Oregon Health & Sciences University, diz que “o estudo de Zhang e seus colegas descobriu um efeito anteriormente desconhecido dos ácidos gordos ómega-3, os quais são importantes na prevenção das doenças cardiovasculares e do cancro. Bloqueando o fornecimento de sangue ao tumor, estes componentes podem de forma dramática diminuir o crescimento do tumor e prevenir a invasão de outros tecidos. Os resultados deste estudo sugerem que novas estratégias para o combate ao cancro podem surgir a partir do conhecimento de como o organismo utiliza a nutrição para promover a saúde“.
Os investigadores também descobriram que um metabólito do ácido araquidónico (AA), um ácido gordo ómega-6, tem o efeito contrário do EDP. Este metabólito, o epoxieicosatrienoico (EET), aumenta a angiogénese e a progressão de tumores sólidos. De acordo com Katherine Ferrara, professora no Departamento de Engenharia Biomédica da UC Davis, “os EETs estimulam a cura das feridas, enquanto os EDPs bloqueiam o crescimento e metastastização de tumores sólidos. Os nossos resultados mostram que os EDPs e os EETs funcionam como mediadores de um interruptor angiogénico de forma a regularem a carcinogénese. Além disso, estes resultados mostram a existência de uma relação nova entre os ómega-3, os ómega-6 e o cancro“.
De acordo com os cientistas da UC Davis, o EDP inibe o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e o fator de crescimento fibroblástico 2 (FBF-2), ambos relacionados com a angiogénese. Em culturas de laboratório, o EDP também inibe a migração de células endoteliais necessárias para novos vasos sanguíneos.
Os investigadores da Harvard Mark Kieram e Dipak Panigrahy conduziram os estudos sobre as metástases.
Estes resultados vêm reforçar a importância dos ómega-3 na prevenção e no combate ao cancro e do necessário equilíbrio entre estes ácidos gordos e os ómega-6 na regulação não só dos processos inflamatórios como dos angiogénicos. Estes dois mecanismos são essenciais para o desenvolvimento do cancro. No organismo, os ómega-6 são transformados em leucotrienos, moléculas pro-inflamatórias que promovem a coagulação e o crescimento celular. Os ómega-3 obtidos de fonte vegetal (ALA) são convertidos em ácido docosahexaenoico (DHA) e ácido eicosapentaenoico (EPA), dois tipos de moléculas com propriedades anti-inflamatórias, anti-coagulantes e anti-proliferativas. O equilíbrio entre ómegas-3 e ómegas-6 através da dieta é assim fundamental para assegurar um controlo adequado dos processos inflamatórios. A conversão destes ácidos-gordos nas moléculas ativas dá-se através do mesmo sistema enzimático (desaturase). Isto significa que as mesmas enzimas competem pela sua conversão. Um excesso de ómegas-6 e deficiência de ómegas-3 cria condições para uma ambiente pro-inflamatório. O ideal é que se consiga uma relação de 1:1 no consumo de alimentos ricos nestes dois ácidos-gordos. Estima-se que atualmente a nossa dieta ocidental comum contribua para uma relação entre ómegas-6 e ómegas-3 de 20-30:1, ou seja consumimos de 20 a 30 vezes mais ómegas-6 do que ómegas-3.
Para que se consiga um equilíbrio entre estes dois ácidos-gordos devemos conciliar um aumento de ómegas-3 com uma diminuição no consumo de ómegas-6, de forma a prevenirmos um ambiente orgânico cronicamente inflamatório. Por vezes, em particular naqueles que seguem uma dieta sem produtos de origem animal, pode ser útil uma suplementação extra de ómegas-3, uma vez que a conversão de ALA (na sua forma vegetal, de cadeia curta) para EPA e DHA é relativamente baixa. Os suplementos de EPA e DHA podem vir na forma de óleo de peixe ou de fontes vegetais (algas).
Alguns exemplos de alimentos ricos nestes componentes:
Ómega-6 (LA) | ||
Alimento | Porção | LA (g) |
Óleo de cártamo | 1 colher de sopa | 10.1 |
Sementes de girassol | 28 g | 9.7 |
Pinhões | 28 g | 9.4 |
Óleo de girassol | 1 colher de sopa | 8.9 |
Óleo de milho | 1 colher de sopa | 7.3 |
Óleo de soja | 1 colher de sopa | 6.9 |
Nozes pecã | 28 g | 6.4 |
Castanha do Brasil | 28 g | 5.8 |
Óleo de sésamo | 1 colher de sopa | 5.6 |
Outras fontes:
- Carnes e ovos (de animais alimentados a ração)
Ómega-3 (ALA) | ||
Alimento | Porção | ALA (g) |
Óleo de linhaça | 1 colher de sopa | 7.3 |
Nozes | 28 g | 2.6 |
Sementes de linhaça moídas | 1 colher de sopa | 1.6 |
Óleo de noz | 1 colher de sopa | 1.4 |
Óleo de colza | 1 colher de sopa | 1.3 |
Óleo de soja | 1 colher de sopa | 0.9 |
Óleo de mostarda | 1 colher de sopa | 0.8 |
Tofu | Meia chávena | 0.7 |
Nozes com casca negra | 28 g | 0.6 |
Outras fontes:
- Sementes de cânhamo
- Sementes de chia
- Beldroegas
Referências:
https://www.pnas.org/content/early/2013/04/03/1304321110
https://www.jnutbio.com/article/S0955-2863(12)00209-4/fulltext
https://lpi.oregonstate.edu/infocenter/othernuts/omega3fa/