A expressão “ter muita fibra”, significando uma pessoa forte, com coragem, é também sinónimo de saúde e longevidade quando relacionada com os alimentos que consumimos. Quanto mais fibra, menos riscos de vários tipos de cancro e outras doenças degenerativas. A fibra é um marcador de alimentos ricos em fitoquímicos e nutrientes quimiopreventivos, ou seja, alimentos de origem vegetal, uma vez que só nestes alimentos se pode encontrar fibra, sendo inexistente em alimentos de origem animal. Mas como se não bastasse a nossa dieta moderna ser predominantemente à base de alimentos de origem animal, os poucos alimentos de origem vegetal que consumimos chegam-nos ao prato muitos deles desprovidos de fibra e de nutrientes essenciais, através do processo de refinamento e branqueamento através dos quais se retiram as partes mais nutritivas dos alimentos. Parece existir uma relação proporcional entre o consumo de alimentos refinados e o risco de vários tipos de doença, incluindo o cancro.

Gráfico compilado a partir dos dados da taxa de mortalidade em 1960, de acordo com a OMS e o NIH. Dados sobre a distribuição dos alimentos obtidos a partir da FAO da ONU.
Relativamente à prevenção do cancro, de acordo com as evidências disponíveis atualmente, sabemos que o consumo de fibra diminiu o risco do cancro coloretal e da mama. A juntar a estes dois, surge agora um estudo que sugere que o consumo de fibra poderá ter o potencial de controlar a progressão do cancro da próstata quando diagnosticado numa fase precoce da doença.
Sendo o cancro da próstata o segundo cancro mais comum nos homens, a sua incidência não é linear nem homogénea entre as várias regiões do mundo. Essas variações dão-nos pistas para o que poderão ser os fatores responsáveis por tais diferenças. Tal como o cancro da mama, o cancro da próstata é maioritariamente mais comum em países desenvolvidos, podendo a sua taxa de incidência ser cerca de 25 vezes superior nestes países em relação aos países de menores rendimentos. As taxas de incidência ajustadas pela idade podem chegar aos mais de 100 casos em cada 100000 habitantes nos EUA contrastando com menos de 10 na maioria da Ásia. Os estudos feitos em populações migratórias apontam para uma forte influência de fatores ambientais no risco do cancro da próstata. Populações que emigraram para os EUA vindos do Japão e da China, com taxas de incidência tradicionalmente muito baixas, viram os números de casos de cancro da próstata aumentar até se aproximarem das taxas de incidência do país de destino em menos de duas gerações. Um estudo mais recente avaliou a incidência de cancro em indianos no seu país de origem e em países para onde emigraram, concluindo que a incidência é maior nestes últimos, sendo a dieta um fator central nessas diferenças.
Vários componentes associados ao estilo de vida de cada região poderão contribuir para as diferenças observadas nas incidências deste e de outros cancros. Os autores do estudo referido mais acima acreditam que o consumo de alimentos ricos em fibra poderá ser um desses fatores que contribui para essas diferenças. No estudo foram comparados animais alimentados com hexafosfato de inositol (IP6), um dos componentes fundamentais de uma dieta rica em fibras. Quando se comparou com animais de controlo verificou-se uma diminuição muito significativa no volume dos tumores através dos efeitos antiangiogénicos do IP6.
Fundamentalmente, através do consumo do ingrediente ativo de uma dieta rica em fibra foi possível evitar que os tumores da próstata conseguissem criar novas vasos sanguíneos necessários ao seu desenvolvimento (angiogénese). Isto sem contar com todos os outros benefícios que uma dieta rica em alimentos de origem vegetal enquanto fonte de fibra representa através do consumo de muitos outros fitoquímicos e nutrientes naturalmente presentes com conhecidas propriedades quimiopreventivas. Além disso, o tratamento com IP6 diminuiu a capacidade dos cancros da próstata em metabolizar glicose, o que como se sabe é o combustível básico e exclusivo das células de cancro através da glicólise, mesmo na presença de oxigénio (ao contrário das células saudáveis que produzem energia através da fosforilação oxidativa através dos mecanismos da respiração celular). Um dos mecanismos a partir dos quais o IP6 poderá afetar o metabolismo da glicose inclui a redução de uma proteína chamada GLUT-4, fundamental no transporte da glicose. Quando consumimos farinhas refinadas por exemplo, obtemos um produto que por um lado fica desprovido de fitoquímicos e nutrientes, isento de fibra (que como vimos ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue), por outro lado por ficar reduzido a um alimento rico em hidratos de carbono simples, estes são digeridos muito rapidamente no organismo levando a um aumento rápido dos níveis de açúcar no sangue, de insulina e de IGF-1, todos fatores que contribuem para a progressão do cancro.
De acordo com Komal Raina, um dos autores do estudo, “Os investigadores têm há muito procurado encontrar variações genéticas entre as populações da Ásia e do Ocidente que pudesse explicar as diferenças nas taxas de cancro da próstata, mas parece certo que a diferença possa não ser genética mas com origem na dieta”. Este estudo tem vários contributos importantes:
- Reforça a ideia de que o cancro é uma doença de estilo de vida, cujos fatores de risco dependem quase totalmente de condições externas e modificáveis.
- Mostra que além da fibra ser um marcador de outros componentes presentes em alimentos ricos nesse nutriente, a fibra em si própria poderá ter propriedades quimiopreventivas tais como a redução dos níveis de açúcar no sangue ou no caso dos cancros hormono-dependentes a capacidade de se ligar a hormonas como o estrogénio facilitando a sua eliminação do organismo.
- Reforça a ideia da importância de uma dieta predominantemente à base de vegetais, fonte de fibra, como medida de prevenção do cancro.
- Por ter estudado os efeitos de uma dieta rica em fibra em animais já diagnosticados com cancro da próstata, sugere a importância do consumo de fibra após o diagnóstico como forma de tratamento adjuvante. Este dado é importante uma vez que ainda existem muitos poucos estudos que avaliam a importância da dieta no tratamento e na sobrevivência ao cancro.
Anteriormente outro estudo já havia sugerido benefícios claros no prognóstico de cancro da próstata através de uma alteração na dieta, previlegiando o consumo de alimentos de origem vegetal. Há mais de 35 anos que o médico e investigador Dean Ornish, membro do Intituto de Pesquisa em Medicina Preventiva, em parceria com a Universidade da Califórnia tem vindo a investigar a relação entre as alterações na dieta e estilo de vida e a saúde. Um desses estudos consistiu em acompanhar 93 doentes de cancro da próstata que participaram voluntariamente num estudo no qual se avaliaram os efeitos de uma alteração da dieta e de estilo de vida no controlo da doença. Durante um ano, 43 participantes fizeram parte do grupo experimental, o qual adotou uma dieta bem planeada com exclusão de produtos de origem animal e baixo consumo de gordura. Além disso, seguiram um programa de exercício físico e gestão do stress. Os doentes do grupo de controlo receberam o tratamento convencional. Ao fim desse ano nenhum dos que faziam parte do grupo experimental necessitaram de tratamento convencional, ao contrário de 6 no grupo de controlo. O Antigéno Específico da Próstata (PSA) diminuiu 4% no primeiro grupo contrastando com um aumento de 6% no segundo, tendo-se observado uma inibição do crescimento das células de cancro da próstata quase 8 vezes superior no grupo experimental quando comparado com o de controlo.
Ao fim de dois anos os participantes foram de novo avaliados constatando-se que 13 de 49 (27%) dos pacientes no grupo de controlo e 2 de 43 (5%) do grupo experimental tiveram de dar inicio a tratamentos convencionais (remoção da próstata, radiação e terapia hormonal). O estudo conclui que pacientes com cancro da próstata de estágio inicial optando por uma vigilância ativa, poderão ser capazes que evitar ou adiar tratamento convencional por pelo menos 2 anos fazendo alterações significativas na sua dieta e estilo de vida.
Fibra: o que é?
A fibra alimentar é definida como “a parte comestível das plantas ou hidratos de carbono análogos que sejam resistentes à digestão e à absorção pelo intestino delgado nos humanos, com completa ou parcial fermentação no intestino grosso”. A fibra pertence à família dos hidratos de carbono e inclui polissacarídeos, oligossacarídeos, lignina e outras substâncias vegetais associadas. Por outras palavras o termo fibra refere-se a hidratos de carbono que não podem ser digeridos. A Fibra está presente em todos os alimentos de origem vegetal consumidos como alimento, tais como frutos, vegetais, cereais e leguminosas. Existem várias formas de categorizar a fibra: pela origem ou pela forma como se dissolve na água. Fibras solúveis dissolvem-se parcialmente na água. Fibras insolúveis não se dissolvem na água. Estas diferenças são importantes para determinar os seus efeitos em certas condições de saúde.
Alguns dos benefícios atribuídos às fibras passam por:
- Melhoria do trânsito intestinal;
- Melhoria da eliminação do ácido bílico, do estrogénio e de substâncias carcinogénicas presentes nas fezes ligando-se a estas;
- Diminuição dos níveis de colesterol;
- Diminuição da absorção de glicose e aumento da sensibilidade à insulina;
- Diminuição da pressão sanguínea;
- Promoção da perda de peso;
- Inibição da peroxidação dos lípidos;
- Propriedades anti-inflamatórias.
As recomendações atuais são para que se consuma cerca de 30 gr. de fibra diariamente, sendo que quanto mais calorias se consuma mais fibras serão necessárias. Para as crianças recomenda-se cerca de 20 gr. diárias a partir dos alimentos e não de suplementos. Especificamente recomenda-se que se consuma 14 gr. de fibra por cada 1000 calorias consumidas diariamente. Em média um adulto consome cerca de 15 gr. por dia nas nossas sociedades ocidentais.
Alguns exemplos de alimentos ricos em fibras por porção:
- Feijão branco: 19 gr.
- Ervilhas: 16 gr.
- Lentilhas: 15 gr.
- Feijão preto: 15 gr.
- Tâmaras: 14 gr.
- Feijão vermelho: 13 gr.
- Feijão de soja: 10 gr.
- Pêras: 10 gr.
- Bulgur: 8 gr.
- Framboesas: 8 gr.
- Couve-galega: 7 gr.
- Esparguete integral: 6 gr.
- Brócolos: 5 gr.
- Batata-doce: 5 gr.
- Arroz integral: 3,5 gr.
- Sementes de chia: 5,5 gr. por colher de sopa.
- Sementes de linhaça: 2 gr. por colher de sopa.
Para saber mais como prevenir o cancro da próstata consultar este artigo.
Referências:
https://cancerpreventionresearch.aacrjournals.org/content/6/1/40
https://www.coloradocancerblogs.org/high-fiber-diet-prevents-prostate-cancer-progression/
https://archinte.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=227566
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1972548/
https://ije.oxfordjournals.org/content/37/1/147.long
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16094059
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18602144
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19335713
https://www.iom.edu/Global/News%20Announcements/~/media/C5CD2DD7840544979A549EC47E56A02B.ashx
https://www.ars.usda.gov/SP2UserFiles/Place/12354500/Data/SR25/nutrlist/sr25w291.pdf
https://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/fiber-full-story/
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