O álcool aumenta o risco de vários cancros

As equações não são simples. Entre os supostos benefícios de algumas bebidas alcoólicas e os seus eventuais malefícios parece ser difícil chegar a uma conclusão definitiva. É de consenso geral que uma bebida de vinho tinto é benéfico para o coração e inclusive é rico numa substância chamada resveratrol, fitoquímico com propriedades anticancerígenas presente nas uvas pretas. Esta é aliás a razão porque o vinho contém resveratrol: é feito a partir das uvas. Mas o vinho, pela sua forma de produção contém algo mais: o etanol, vulgarmente chamado de álcool, e este parece ser afinal um anti-herói nesta bebida “saudável”. De acordo com as evidências disponíveis, a Agência Internacional da Pesquisa sobre o Cancro classificou o etanol como uma substância cancerígena para os humanos. De acordo com a pesquisas feitas, não existem níveis seguros para o consumo desta substância. De modo a não existir risco de cancro causado pelo álcool, a recomendação é que não se beba de todo. Quanto mais álcool foi consumido, maior o risco de vários cancros e até um consumo moderado pode significar uma ameaça. Não existe diferença no tipo de bebida alcoólica, uma vez que todas são constituídas por etanol. De acordo com alguns estudos, cerca de 10% de todos os cancros nos homens e 3% nas mulheres podem ser atribuídos o consumo de álcool. No entanto, perante estes factos, 1 em cada 5 pessoas não sabe que o seu consumo pode causar cancro.

Ainda não se conhecem inteiramente os mecanismos pelos quais o etanol possa causar cancro, existem algumas causas prováveis:

  • O etanol poderá causar cancro através da formação de acetaldeído, o seu metabolito mais tóxico. Esta substância tem propriedades cancerígenas, ligando-se ao ADN  aumentando assim os riscos de mutações e divisões celulares deficientes.
  • O etanol poderá causar dano diretamente nos tecidos irritando o tecido epitelial e aumentando a absorção de substâncias cancerígenas ao funcionar como solvente.
  • O etanol poderá aumentar os níveis de estrogénio, aumentando o risco de cancro da mama.
  • O etanol pode causar dano nas células do fígado podendo levar ao cancro.
  • Beber demasiado álcool pode levar a uma deficiência de folatos absorvidos pela alimentação, indispensáveis para manter a saúde do ADN nos nossos genes.

Segundo o relatório da AICR/WCRF, existem evidências convincentes suficientes para afirmarmos que o consumo de álcool aumenta o risco de cancro da mama, colo-retal (homens), esófago, boca, faringe e laringe. Provavelmente aumenta o risco de cancro colo-retal (mulheres) e do fígado.

O consumo de álcool é assim considerado um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento do cancro. Entre os consumidores, o risco para todos os cancros aumenta com cada bebida adicional diária. Além disso, o consumo em simultâneo de álcool e tabaco produz um efeito de risco acrescido, o que significa que o efeito do uso combinado dos dois aumenta mais o risco de cancro do que a soma das partes individuais. No que diz respeito às mulheres o risco é maior pelo facto de metabolizarem o álcool de forma mais lenta do que os homens. Isso leva a que o prejudicial etanol permaneça mais tempo em circulação sanguínea, criando assim mais condições para fazer danos. Talvez esse factor contribua para o facto de o risco de cancro da mama aumentar com o consumo de bebidas alcoólicas. De facto, por cada bebida comum diária parece haver um aumento de 11% de risco de cancro da mama pós-menopausa. Um estudo envolvendo mais de 320 000 mulheres sugere que duas ou mais bebidas por dia aumenta 41% a possibilidade de desenvolver cancro da mama.

Um outro estudo recente sugere que o consumo de álcool está associado a um risco superior de cancro da próstata. De acordo com os resultados do estudo, aqueles que bebem mais de 7 bebidas por semana têm 21% mais possibilidades de terem cancro da próstata e 34% de terem cancro da próstata de alto risco. Foram avaliados mais de 6700 homens.

Além de o consumo de álcool representar um fator de risco para o cancro de ação direta, contribui também indiretamente por ser uma fonte de calorias de pouco valor nutricional, contribuindo assim para o aumento de peso. O excesso de peso e a obesidade aumentam o risco de vários cancros. E mesmo o suposto benefício para a função cardíaca pode não ser inteiramente certa. A Organização Mundial da Saúde World Health Organisation afirmou em 2007 que “desde o ponto de vista da saúde pública e clínico, não existe benefício em promover o consumo de álcool como uma estratégia preventiva”.

Em última análise a única recomendação verdadeiramente segura em função da ação cancerígena do etanol será o evitar o consumo de bebidas alcoólicas. Caso se queira usufruir destas bebidas não deverão ser ultrapassadas as duas bebidas para os homens e uma bebida para as mulheres. Havendo um historial de cancro da mama a recomendação será mesmo evitar completamente.

“É uma realidade infeliz o facto do álcool causar cancro. De facto o álcool é responsável por aproximadamente um em cada dez cancros na UE. Consumidores de álcool têm o direito de serem informados desta realidade (…). Estes consumidores podem substancialmente reduzir o seu risco de cancro bebendo menos e menos vezes”.

Dr. Nick Sheron, Royal College of Physicians

Referências:

https://www.alcoholandcancer.eu/

https://www.aicr.org/assets/docs/pdf/brochures/facts-about-alcohol.pdf

https://www.dietandcancerreport.org/cancer_resource_center/downloads/chapters/chapter_04.pdf

https://www.dietandcancerreport.org/expert_report/recommendations/recommendation_alcoholic_drinks.php

https://monographs.iarc.fr/ENG/Classification/ClassificationsAlphaOrder.pdf

https://alcoholandcancer.eu/wp-content/uploads/2012/06/alcohol_cancer_IARC_2007.pdf

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9480365?dopt=Citation

https://www.renalandurologynews.com/prostate-cancer-linked-to-heavy-alcohol-intake/article/226251/

https://www.who.int/cardiovascular_diseases/guidelines/PocketGL.ENGLISH.AFR-D-E.rev1.pdf