A alimentação é central para a saúde humana (e planetária). O principal fator de risco de mortalidade em todo o mundo é uma má alimentação. Comer mal mata mais do que todos os outros fatores de risco, como o tabaco ou a hipertensão. Cerca de 1 em cada 5 mortes em todo o mundo está relacionada com uma dieta desequilibrada, de acordo com um estudo que decorre há 27 anos (Global Burden of Disease) o qual analisa as causas de morte em 195 países e territórios (Afshin et al., 2019).

De acordo com a última atualização do estudo, em 2017 onze milhões de mortes estiveram diretamente relacionadas com a alimentação. Os 3 principais fatores de risco alimentares responsáveis por essas mortes foram: 1) demasiado sal (3 milhões de mortes); 2) insuficientes cereais integrais (3 milhões de mortes); 3) insuficiente fruta (2 milhões de mortes). Além disso, outros fatores importantes foram os níveis insuficientes de frutos secos, sementes, vegetais, ómega-3 e fibra. As principais causas de mortes relacionadas com a alimentação foram as doenças cardiovasculares (10 milhões), seguidas de doenças oncológicas (913090) e diabetes tipo 2 (333714). Relativamente ao consumo adequado para a saúde, globalmente estamos a consumir 23% da quantidade ideal de cereais integrais e 12% da quantidade de frutos secos. Por outro lado, estamos globalmente a consumir mais 90% do que o recomendado de carnes processadas, 86% de sal e 18% de carne vermelha.

Por ordem, os fatores de risco que mais contribuíram para a mortalidade globalmente foram: excesso de sal, poucos cereais integrais, pouca fruta, poucos frutos secos e sementes, poucos vegetais, pouco ómega-3, pouca fibra, poucas gorduras insaturadas e poucas leguminosas. Na Europa, o principal fator de risco foi o consumo insuficiente de cereais integrais, seguido de pouca fruta, poucos frutos secos e sementes, muito sal, poucos vegetais, pouco ómega-3, pouca fibra, poucas leguminosas e poucas gorduras insaturadas.

Em Portugal, 14,5% de todas as mortes estão relacionadas com má alimentação, sendo que por ano morrem 119,6 pessoas por 100000 habitantes por causas relacionadas com má alimentação. Os 3 principais fatores que mais contribuíram para a maior perda de anos de vida saudável são: o elevado consumo de carne vermelha, o baixo consumo de cereais integrais e a elevada ingestão de sódio.

Estes dados cruzam-se com os resultados recentes do relatório EAT-Lancet que nos dá um conjunto de recomendações científicas para uma alimentação saudável e sustentável (Willett et al., 2019). De acordo com o relatório, de forma a diminuirmos o número de mortes relacionadas com alimentação assim como o impacto ambiental da nossa dieta, o consumo global de frutos, vegetais, frutos secos e leguminosas terá de duplicar, e o consumo de alimentos como carne vermelha e açúcar terá de diminuir mais de 50%. Alguns limite e recomendações propostas para a dieta da saúde planetária:

  • Cereais integrais: 232 g/dia
  • Vegetais e frutos: 500 g/dia
  • Tubérculos e amiláceos: 50 g/dia
  • Produtos lácteos: 250 g/dia
  • Carne vermelha: 14 g/dia
  • Galinha e outras aves: 29 g/dia
  • Peixe: 28 g/dia
  • Ovos: 13 g/dia
  • Leguminosas: 75 g/dia
  • Frutos secos: 25 g/dia
  • Óleos insaturados: 40 g/dia
  • Todos os açúcares: 31 g/dia

Mais recentemente, um estudo desenvolveu uma metodologia que permite integrar o que se conhece sobre os efeitos de alterações na alimentação na saúde e na esperança de vida (Fadnes et al., 2022). Tomando como ponto de partida uma dieta tipicamente ocidental (TO), rica em produtos animais, gordura e açúcar, o estudo estimou os efeitos na esperança de vida em função de alterações sustentadas na ingestão de frutos, vegetais, cereais integrais, cereais refinados, oleaginosas, leguminosas, peixe, ovos, laticínios, carne vermelha, carne processada e bebidas açucaradas. Duas dietas foram analisadas: dieta otimizada (DO – onde se observam os maiores benefícios) e dieta exequível (DE – meio termo entre a dieta otimizada e a ocidental). As três dietas incluem as seguintes características:

  • Cereais integrais: 225 g (DO); 137,5 g (DE); 50 g (TO);
  • Vegetais: 400 g (DO); 325 g (DE); 250 g (TO);
  • Frutos: 400 g (DO); 300 g (DE); 200 g (TO);
  • Oleaginosas: 25 g (DO); 12,5 (DE); 0 g (TO);
  • Leguminosas: 200 g (DO); 100 g (DE); 0 g (TO);
  • Peixe: 200 g (DO); 125 g (DE); 50 g (TO);
  • Ovos: 25 g (DO); 37,5 g (DE); 50 g (TO);
  • Laticínios: 200 g (DO); 250 g (DE); 300 g (TO);
  • Cereais refinados: 50 g (DO); 100 g (DE); 150 g (TO);
  • Carne vermelha: 0 g (DO); 50 g (DE); 100 g (TO);
  • Carne processada: 0 g (DO); 25 g (DE); 50 g (TO);
  • Carne branca: 50 g (DO); 62,5 (DE); 75 g (TO);
  • Bebidas açucaradas: 0 g (DO); 250 g (DE); 500 g (TO);
  • Óleos vegetais: 25 g (DO); 25 g (DE); 25 g (TO).

De acordo com os resultados, a mudança sustentada de uma dieta ocidental para uma dieta otimizada a partir dos 20 anos de idade, está associada a um aumento de 10,7 anos na esperança de vida das mulheres e 13 anos na esperança de vida dos homens. Os maiores benefícios foram observados com uma maior ingestão de leguminosas, cereais integrais e oleaginosas, assim como uma menor ingestão de carne vermelha e processada.et al., 2016).

Mudar de uma dieta ocidental para uma dieta otimizada aos 60 anos de idade esteve associado a um aumento da esperança de vida em 8 anos nas mulheres e 8,8 anos nos homens. Mesmo quando essas alterações acontecem aos 80 anos, estima-se um aumento em cerca de 3,4 anos na esperança de vida. No caso de a mudança ser de uma dieta ocidental para uma dieta exequível a partir dos 20 anos de idade, estima-se que haja um aumento da esperança de vida em 6,2 anos no caso das mulheres e 7,3 anos no caso dos homens.

Um aumento na ingestão de leguminosas, cereais integrais e oleaginosas, assim como uma diminuição de carne vermelha e processada está associada a um aumento de cerca de 1 ano na esperança de vida para cada um desses grupos de alimentos. Os frutos e vegetais, assim como o peixe, também estão associados a benefícios, mas não se observa tanto os efeitos dessas alterações uma vez que a ingestão não é tão diferente entre a dieta ocidental e uma dieta otimizada como nos outros grupos.

O estudo permite concluir que:

  • Mudar de uma dieta ocidental para uma dieta otimizada a partir de uma idade precoce pode aumentar em mais de 10 anos a esperança de vida;
  • Os benefícios são menores quando essas mudanças acontecem mais tarde na vida, especialmente perto dos 80 anos. No entanto, existem sempre benefícios em qualquer etapa da vida. Por outras palavras, nunca é tarde para mudar, mas quanto mais cedo melhor;
  • Leguminosas, cereais integrais e oleaginosas são os alimentos que maior impacto têm no aumento da esperança de vida;
  • Diminuir a ingestão de carne vermelha e processada é a medida que mais impacto tem sobre o aumento da esperança de vida.

Com base no estudo, foi criada uma ferramenta online que permite estimar os efeitos de alterações da alimentação na esperança de vida.

https://food4healthylife.org/

Todas as evidências apontam no mesmo sentido: precisamos de fazer a transição para uma dieta de base vegetal, minimamente processada, rica em vegetais, frutos, cereais integrais, leguminosas, frutos secos e sementes, com um consumo reduzido de produtos animais. Dessa forma podemos ser mais saudáveis, felizes e ajudar o planeta!

Referências:

  1. Afshin A, Sur PJ, Fay KA, Cornaby L, Ferrara G, Salama JS, et al. Health effects of dietary risks in 195 countries, 1990–2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. The Lancet [Internet]. 2019 Apr 3 [cited 2019 Apr 10];0(0). Available from: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(19)30041-8/abstract

2. Willett W, Rockström J, Loken B, Springmann M, Lang T, Vermeulen S, et al. Food in the Anthropocene: the EAT–Lancet Commission on healthy diets from sustainable food systems. The Lancet [Internet]. 2019 Jan 16 [cited 2019 Jan 17];0(0). Available from: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(18)31788-4/abstract

3. Fadnes LT, Økland JM, Haaland ØA, Johansson KA. Estimating impact of food choices on life expectancy: A modeling study. PLOS Medicine [Internet]. 2022 Aug 2 [cited 2022 Feb 9];19(2):e1003889. Available from: https://journals.plos.org/plosmedicine/article?id=10.1371/journal.pmed.1003889