Fritar batatas ou torrar pão produz acrilamida, uma substância provavelmente cancerígena
Não nos deixemos enganar. A imagem no centro da torrada ao lado está longe de ser uma benção. Antes pelo contrário, se o pão se apresenta com tom acastanhado, bem podemos pô-lo de lado, mesmo que uma figura religiosa nos faça acreditar no oposto.
Se por um lado temos as perigosas aminas heterocíclicas produzidas quando expomos as proteínas animais a altas temperaturas, do lado dos alimentos vegetais podemos encontrar um homólogo. O problema parece surgir de cada vez que utilizamos o calor (excessivo) para prepararmos os nossos alimentos. A acrilamida é produzida através da reação do calor sobre os alimentos ricos em hidratos de carbono e em particular num aminoácido chamado asparagina, quando a temperatura excede os 120 graus centígrados.
Através de uma reação chamada “reação de Maillard” os hidratos de carbono contidos num alimento vão associar-se à asparagina produzindo assim a acrilamida. Embora já se conhecesse esta substância, tendo sido mesmo desde 1994 classificada pela IARC como pertencendo ao grupo de substâncias provavelmente cancerígenas (grupo 2A), seria só em 2002 que um estudo sueco anunciaria ter detetado a presença de acrilamida nos alimentos ricos em hidratos de carbono que tivessem sido aquecidos tais como: batatas fritas e pão. Não foi detetada em alimentos que não tenham sido aquecidos ou que tivessem sido cozidos.
Não se sabe ainda qual o limite de segurança a partir do qual poderá representar um problema sério para a saúde. A partir dos estudos disponíveis em modelo animal chegou-se à conclusão de ser uma substância cancerígena ao se ter observado o desenvolvimento de vários tipos de cancro nos animais. No entanto, as doses utilizadas são muito superiores às presentes nos alimentos que ingerimos. Segundo a OMS qualquer exposição à substância representa sempre um risco, mesmo que muito baixo. Esse risco aumenta consoante a exposição for maior. Em animais, a acrilamida em altas doses está associado a um aumento de cancros do sistema nervoso, cavidade oral, tiroide, mama, útero e testículos. Além disso apresenta também uma ação neurotóxica.
Além de ser considerada “provavelmente cancerígena” pela IARC, organizações como a FDA e a OMS disponibilizam algumas recomendações para o consumo de acrilamida. A DECO, em Portugal, também alerta para o problema do consumo de alimentos com níveis altos da substância, tendo feito uma avaliação de algumas marcas de batatas fritas por níveis de concentração. Em 2010, a European Chemical Agency adicionou a acrilamida à lista de substâncias de muito alta preocupação (Substances of Very High Concern), inspirando assim cuidados adicionais na monitorização dos mecanismos de produção alimentar, de modo a diminuir a sua presença nos alimentos. A FDA publicou uma lista com a concentração de acrilamida em vários alimentos.
Desde a descoberta da presença de acrilamida nos alimentos em 2002, vários estudos epidemiológicos avaliaram a relação entre o seu consumo e vários tipos de cancro. Os resultados ainda não são relevantes, com conclusões contraditórias, mas observou-se uma relação positiva entre o consumo de acrilamida e o cancro do endométrio, do ovário e da mama. Teoricamente todos os tecidos do corpo humano podem ser afetados pela ação carcinogénica da acrilamida, uma vez que esta é hidrofílica e portanto capaz de se difundir por todo o organismo. Um estudo recente sugere que a acrilamida pode aumentar o risco de mielomas e linfomas nos homens, embora ainda sejam necessários mais estudos para o comprovar.
Métodos de cozinhar que utilizem temperaturas elevadas são aqueles que produzem mais acrilamida, tais como: fritar, tostar ou assar. Fritar parece ser aquele que mais produz a substância, seguido dos outros dois. Cozer ou cozer a vapor não produz acrilamida. Todos os alimentos ricos em hidratos de carbono e asparagina produzem acrilamida. Quanto maior a percentagem deste aminoácido mais acrilamida produz. A asparagina representa cerca de 40% dos aminoácidos totais das batatas, 14% dos da farinha de trigo e 18% da farinha de centeio, por exemplo. Batatas, cereais e café são algumas das fontes com maior produção de acrilamida quando expostas a temperaturas elevadas.
Além da temperatura, o tempo de exposição também contribui para essa produção, isto é, quanto maior a temperatura e maior o tempo de exposição, mais concentração de acrilamida. Uma das formas de termos uma perceção da quantidade desta substância num alimento frito ou tostado passa por verificarmos a intensidade da cor: quanto mais castanho escuro, mais acrilamida. Este exemplo serve para uma torrada, por exemplo. O ideal será mesmo comer o pão aquecido, ou levemente torrado, evitando uma torrada queimada. Outra das fontes importantes de acrilamida na alimentação é o café feito a partir de sementes torradas.
Para quem queira consumir batatas fritas aconselha-se a deixar de molho as batatas entre 10 a 15 minutos, o que reduz a produção de acrilamida. Pelo contrário, guardar batatas no frigorífico parece aumentar a produção da substância. Convém recordar que fritar batatas reúne vários fatores de risco: a produção de acrilamida nas batatas, a produção de substâncias cancerígenas através do aquecimento do óleo e o consumo de um alimento de pouco valor nutricional, com um índice glicémico elevado.
Existem em curso alguns estudos que buscam minimizar a concentração de acrilamida em alimentos de produção industrial. Embora não possamos eliminar por completo o consumo desta substância cancerígena, podemos reduzir o consumo de alimentos ricos na substância, como as batatas fritas, e dar preferência a cozer a vapor os alimentos ou comê-los crus, quando possível.
Outras fontes de acrilamida são: o fumo do tabaco, alguns produtos de cosmética, produtos de tratamento das águas e plásticos.
Referências:
https://monographs.iarc.fr/ENG/Classification/ClassificationsAlphaOrder.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12166997
https://www.who.int/foodsafety/publications/chem/acrylamide_faqs/en/index1.html
https://monographs.iarc.fr/ENG/Classification/index.php
https://www.who.int/foodsafety/publications/chem/acrylamide_faqs/en/index.html
https://mcs.deco.proteste.pt/map/show/13961/nwssrc/323961/src/324001.htm
https://echa.europa.eu/documents/10162/13585/pr_10_05_acrylamide_20100330_en.pdf
https://monographs.iarc.fr/ENG/Monographs/vol95/mono95.pdf
https://www.medicalnewstoday.com/releases/250766.php
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18006919
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19949857