Adicionar especiarias poderá diminuir a inflamação aumentada por uma refeição rica em gordura saturada e hidratos de carbono refinados.
Existe uma relação forte entre o excesso de peso e o risco de doenças cardiovasculares e outras doenças crónicas, o que pode em parte ser mediado pela inflamação crónica de baixo grau (Ndumele et al., 2016; León-Pedroza et al., 2015). Por outro lado, o risco de doenças cardiometabólicas está fortemente associado a uma alimentação pouco saudável (ingestão elevada de gorduras saturadas, hidratos de carbono refinados e bebidas açucaradas e uma ingestão baixa de cereais integrais, frutos e vegetais), o que pode contribuir para uma inflamação pós-prandial (após uma refeição) elevada (Micha et al., 2017; O’Keefe & Bell, 2007).
Tanto a hiperglicemia como a hiperlipidemia, os quais são fatores de risco independentes de doença cardiovascular, aumentam a inflamação pós-prandial, a qual está também associada a um risco superior de doença cardiovascular (O’Keefe & Bell, 2007; Bell et al., 2008). Após uma refeição rica em gorduras saturadas e hidratos de carbono refinados há um aumento excessivo de glicose e ácidos gordos livres em circulação. Ao serem metabolizados pelas células, ultrapassam a capacidade das mitocôndrias de produzir energia, o que leva a stress oxidativo, o qual ativa vias inflamatórias (Muñoz & Costa, 2013; Emerson et al., 2017).
A inflamação pós-prandial contribui também para um aumento da inflamação crónica de baixo-grau (Chiu et al., 2013). Nesse sentido, a identificação de estratégias nutricionais que possam contribuir para reduzir a inflamação pós-prandial poderá ser importante na prevenção de doenças cardiometabólicas. Especiarias como o açafrão-das-Índias, gengibre ou canela, além de acrescentarem sabor aos alimentos, poderão ter benefícios para a saúde devido à presença de vários compostos bioativos, muito deles com propriedades anti-inflamatórias (Kunnumakkara et al., 2018).
Os efeitos nos mediadores inflamatórios da ingestão de uma mistura de especiarias tal como acontece numa refeição não são inteiramente conhecidos. Nesse sentido, foi realizado um estudo clínico aleatorizado com 12 homens obesos ou com excesso de peso (Oh et al., n.d.). Os participantes ingeriram de forma aleatorizada uma das três seguintes refeições:
- Refeição rica em gordura saturada e rica em hidratos de carbono refinados;
- Refeição rica em gordura saturada e rica em hidratos de carbono refinados contendo 2g de uma mistura de especiarias;
- Refeição rica em gordura saturada e rica em hidratos de carbono refinados contendo 6g de uma mistura de especiarias.
A mistura de especiarias continha manjericão, folha de louro, pimenta preta, canela, coentros em pó, cominhos, gengibre, orégãos, salsa, pimento vermelho, tomilho, açafrão-das-Índias e alecrim. Foram recolhidas amostras de sangue antes e depois de cada refeição, sendo que no caso da refeição com 6g de especiarias foi observada uma redução dos marcadores inflamatórios, nomeadamente uma diminuição de 1314% nos níveis da citocina IL-1β. Tanto no caso da refeição simples como com 2g de especiarias não houve diferenças na inflamação pós-prandial. As 6 gramas correspondem a cerca de 1 colher de chá de especiarias.
O estudo conclui assim que acrescentar pelo menos 6g de especiarias a uma refeição rica em gordura saturada e hidratos de carbono refinados poderá atenuar os efeitos desta na inflamação pós-prandial em pessoas com excesso de peso, o que poderá diminuir o risco de doenças cardiovasculares ao diminuir a inflamação crónica de baixo-grau (Oh et al., n.d.).
Tanto uma inflamação crónica de baixo grau como o stress oxidativo estão associados a um risco superior de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de cancro como cancro colorretal e cancro da mama (Noemí et al., 2012; Kang, 2002; Carini et al., 2017; Sosa et al., 2013). A alimentação poderá ter um papel importante na regulação da inflamação crónica. Têm sido desenvolvidos vários instrumentos para medir o potencial inflamatório da dieta, tal como o Índice Inflamatório Alimentar (IIA). Uma meta-análise a 9 estudos prospetivos com 134067 participantes no total baseado no IIA chegou a resultados semelhantes. Os participantes com um IIA mais elevado (dieta mais inflamatória), tiveram:
- Risco 22% superior de mortalidade total;
- Risco 24% superior de mortalidade por doença cardiovascular;
- Risco 28% superior de mortalidade por cancro;
- Risco 32% superior de doença cardiovascular.
A meta-análise concluiu que dietas mais inflamatórias (com um IIA elevado) estão de forma independente associadas a um risco superior de mortalidade total, por doença cardiovascular, por cancro e de doença cardiovascular (Zhong et al., 2017).
A relação entre a alimentação e o stress oxidativo também tem sido avaliada. Um desses instrumentos é o NEAC (capacidade antioxidante não enzimática), o qual estima o conteúdo total de antioxidantes de uma determinada dieta (Serafini & Rio, 2004). Uma dieta inflamatória é geralmente caracterizada por um consumo elevado de hidratos de carbono refinados, carnes vermelhas e processadas e gordura saturada. Por outro lado, uma dieta antioxidantes é rica em vegetais, leguminosas, frutos e frutos secos. Alguns alimentos e componentes com potencial anti-inflamatório, de acordo com o IIA (Shivappa et al., 2014):
- Açafrão-das-Índias;
- Fibra;
- Beta-caroteno;
- Flavonóides;
- Ómega-3;
- Magnésio;
- Vitaminas C, D, E;
- Alho;
- Cebola.
Os componentes mais inflamatórios são:
- Gorduras saturadas;
- Gorduras hidrogenadas;
- Farinhas refinadas;
- Açúcares adicionados.
Outro instrumento que permite estimar o potencial anti-inflamatório dos alimentos é o Índice de Dieta Anti-inflamatória (IDAI). O IDAI é um índice validado que inclui 20 alimentos ou grupos de alimentos (Kaluza et al., 2017). Alguns dos alimentos com potencial anti-inflamatório:
- Frutos e vegetais (>6 porções/dia);
- Leguminosas (>6 porções/semana);
- Frutos secos (>2 porções/semana);
- Pão integral (>2 porções/dia);
- Chocolate (>1 porções/dia);
- Fruta seca (>0,5 porções/dia);
- Chá (>3 porções/dia);
- Café (>2 porções/dia);
- Infusão de ervas (>0,5 porções/dia);
- Azeite e óleo de colza (>0 porções/dia);
- Linhaça (>2 porções/semana).
Alimentos com potencial inflamatório:
- Carne vermelha (<0,5 porções/dia);
- Carne processada (<0,5 porções/dia);
- Carne de órgãos (0 porções/dia);
- Batatas fritas (0 porções/dia);
- Refrigerantes (0 porções/dia).
Um estudo prospetivo que acompanhou 68273 participantes ao longo de 16 anos mostrou que aqueles que fizeram uma dieta mais anti-inflamatória tiveram um risco inferior de mortalidade. Para o estudo foi utilizado o índice de dieta anti-inflamatória (IDAI). Entre aqueles um IDAI mais elevado, foram observados os seguintes resultados:
- Diminuição de 18% no risco de mortalidade total (31% no caso de fumadores);
- Diminuição de 20% no risco de mortalidade por doença cardiovascular (36% no caso de fumadores);
- Diminuição de 13% no risco de mortalidade por cancro (22% no caso de fumadores);
- Não fumadores com um IDAI mais elevado viveram em média mais 4,6 anos do que fumadores com um IDAI baixo.
O estudo concluiu que uma dieta anti-inflamatória poderá diminuir o risco de mortalidade total, por doença cardiovascular e por cancro, além de prolongar o tempo de vida, especialmente entre fumadores (Kaluza et al., 2018).
Além disso, um estudo de caso controlo com 3419 casos e 4933 controlos sugere que uma dieta inflamatória poderá aumentar o risco de cancro colorretal. Alguns resultados do estudo:
- Valores de IIA elevados (dieta inflamatória) estiveram associados a um risco 93% superior de cancro colorretal;
- Valores de IIA elevados e valores de NEAC baixos estiveram associado a um risco 48% superior de cancro colorretal.
O estudo conclui que uma dieta inflamatória e baixa em antioxidantes poderá aumentar o risco de cancro colorretal (Obón-Santacana et al., 2019).
A dieta ocidental poderá também induzir um estado inflamatório crónico. Depois de uma infeção as defesas do organismo permanecem num estado de alerta de forma a poderem responder mais rapidamente a um novo ataque. De acordo com um estudo em modelo animal, uma dieta ocidental, rica em gordura e açúcar e pobre em fibra, produziu efeitos semelhantes a uma infeção (Christ et al., 2018). Depois de 1 mês de uma dieta ocidental, os animais tiveram um aumento no número de determinadas células do sistema imunitário, tais como granulócitos e monócitos, o que indica que existe um envolvimento das células progenitoras da medula óssea.
Esses efeitos levaram a uma resposta inflamatória sistémica nos animais, a qual desapareceu quando voltaram a uma dieta padrão saudável. No entanto, a dieta ocidental produziu alterações epigenéticas nas células envolvidas na imunidade, o que faz com que o sistema imunitário responda a pequenos estímulos de forma agressiva. Essas respostas agressivas podem aumentar o risco de doenças como diabetes tipo 2 ou doenças cardiovasculares como a aterosclerose. Este estudo sugere por isso que a nossa dieta, especialmente a dieta ocidental, pode afetar a nossa resposta imunitária inflamatória de maneiras semelhantes a uma infeção. O sistema imunitário interpreta a dieta ocidental como uma ameaça e coloca-o num estado de alerta permanente (Christ et al., 2018).
Uma dieta de base vegetal saudável, com frutos, vegetais, leguminosas, cereais integrais, frutos secos, sementes, complementada com gorduras insaturadas, especiarias, ervas aromáticas, chá, cacau e linhaça é naturalmente anti-inflamatória e antioxidante, reduzindo assim o risco de mortalidade e de doenças crónicas.
Referências:
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