Não há muito tempo, um estudo realizado na Universidade de Stanford andava na boca do mundo. As conclusões desse estudo surgiam de forma alarmante nos cabeçalhos dos noticiários: “Alimentos biológicos não são mais seguros nem nutricionalmente superiores aos convencionais“. Como pudemos escrever antes, essa mensagem tingida de sensacionalismo mediático convida a outras interpretações quando se analisam os resultados do próprio estudo. Uma Organização dedicada ao estudo do impacto das substâncias tóxicas presentes nos alimentos e outros produtos apresentou o estudo com uma perspectiva diferente: “Produtos biológicos reduzem a exposição a pesticidas, confirma um estudo“. O mesmo estudo referia que se era um facto que os alimentos produzidos de forma convencional apresentavam índices superiores de substâncias tóxicas, estes ainda assim mantinham-se dentro dos valores admitidos pelas autoridades, sem que isso represente um risco conhecido para a saúde. O problema surge exatamente em definir um limite de segurança sem que se leve em conta inúmeras variáveis que o possa modificar, nomeadamente: a condição de saúde, a idade e o efeito cumulativo.

No que diz respeito aos limites de segurança, existem evidências em como as doenças surgem abaixo dos limites atualmente existentes. Isso leva a que tenha de ser necessário rever essas referências levando em conta as múltiplas exposições, especialmente em grupos mais vulneráveis (como as crianças). Por exemplo, um estudo realizado em 917 crianças com 7 anos de idade, avaliou a função cognitiva dessas crianças relacionando com a exposição pré-natal ao metilmercúrio. Os investigadores observaram que era possível detetar disfunções induzidas pela substância em níveis de exposição considerados seguros.

Um estudo recente analisou a exposição a substâncias tóxicas múltiplas em crianças. Os alimentos representam a via principal da exposição a estes substâncias de várias classes químicas, tais como: metais pesados (mercúrio, chumbo, arsénico), poluentes orgânicos persistentes – POPs (dioxinas, DDT, dieldrina, clordano) e pesticidas (clorpirifos, permetrina, endosulfan). Outras substâncias analisadas são produzidas durante a confeção de certos alimentos, como a acrilamida. Embora a exposição a substâncias tóxicas seja de preocupação para todas as idades, torna-se mais preocupante em crianças, as quais são mais vulneráveis aos seus efeitos. Os problemas pediátricos que têm sido associados à exposição a substâncias ambientais tóxicas evitáveis incluem o cancro, asma, envenenamento por chumbo, distúrbios neurocomportamentais, dificuldades de aprendizagem e de desenvolvimento e defeitos de nascimento.

Os autores deste estudo compararam o consumo de substâncias tóxicas com as referências estabelecidas para o risco de cancro e de outros problemas de saúde. Todas as 364 crianças (207 em idade pré-escolar e 157 em idade escolar) apresentavam valores superiores aos de segurança para o arsénico, dieldrina, DDE e dioxinas. Além disso, mais de 95% das crianças em idade pré-escolar excederem os valores de segurança de acrilamida, um sub-produto encontrado em alimentos como a batata-frita. A exposição a pesticidas é particularmente alta em alimentos como os tomates, pêssegos, maçãs, uvas, alface, brócolos, morangos, espinafres, produtos lácteos, pêras, feijão-verde, pimentos e aipo. A EWG tem uma lista disponível da qual constam os produtos com maior e menor concentração de pesticidas.

O que este estudo traz como grande contributo é o facto de avaliar o efeito cumulativo de substâncias tóxicas na saúde a longo-prazo nas crianças, uma vez que os valores de segurança que temos baseiam-se na exposição a substâncias individuais sem levar em conta o facto de estarmos expostos continuamente a múltiplas substâncias. Rainbow Vogt, a autora principal do estudo explica porque se focaram nas crianças: “Focámo-nos nas crianças porque a exposição nestas idades precoces pode ter efeitos a longo prazo em doenças que se manifestam mais tarde. Os resultados deste estudo mostram a necessidade de se prevenir a exposição a múltiplas toxinas em crianças pequenas no sentido de diminuir o seu risco de cancro”.

Segundo o estudo as crianças em idade pré-escolar apresentam uma exposição superior a mais de metade dos compostos tóxicos avaliados. “Nós precisamos ser especialmente cuidadosos com as crianças, porque elas tendem a ser mais vulneráveis a muitos destes químicos e os seus efeitos no cérebro em desenvolvimento”, diz Irva Hertz-Picciotto, uma das principais investigadoras do estudo. Mesmo relativamente baixas exposições podem aumentar significativamente o risco de cancro ou danos neurológicos. Alguns exemplos:

  • Exposição crónica ao arsénico por ingestão está relacionada com vários tipos de cancro.
  • O chumbo é conhecido por danificar os sistemas nervoso e reprodutor, especialmente em crianças pequenas e em pequenas doses. Por cada μg/dL no sangue, observa-se uma diminuição de 1 ponto de QI nas crianças.
  • A exposição ao clordano (pesticida) está associado a alguns cancros e neurotoxicidade.
  • A dieldrina está relacionada com a Doença de Parkinson e cancro.
  • O DDE (metabolito do DDT) é genotóxico (interfere com o ADN) e um disruptor endócrino.
  • O TCDD, o mais tóxico das dioxinas, é um disruptor endócrino, conhecido também por danificar os sistemas imunológico, nervoso e reprodutivo em desenvolvimento, além de mostrar ser mutagénico, cancerígeno, imunotóxico e hepatotóxico em modelo animal.
  • Outros estudos publicados nos últimos dois anos mostram haver uma relação entre a exposição a pesticidas organofosforados e um risco superior de ADHA (défice de atenção e hiperatividade) assim como um QI inferior nas crianças.
  • Os pesticidas encontram-se também associados a um maior risco de cancros como o Tumor de Wilms.

O estudo além de identificar os níveis de exposição e os seus riscos para as crianças, também se concentra em encontrar estratégias preventivas no sentido de reduzir a exposição a essas substâncias. Essas estratégias são diferentes para cada tipo de substância:

  • Pesticidas: substituir produtos e leite de agricultura convencional por biológicos. De acordo com o estudo, o leite, juntamente com os frutos e vegetais, é uma das principais fontes de clorpirifos (pesticida), o que pode ser explicado pela aplicação desta substância nos produtos utilizados como alimento ao gado, a qual é proibida na produção de leite biológico.
  • Poluentes orgânicos persistentes (POPs): os resultados deste estudo mostram que o leite é a principal fonte de exposição aos POPs em todas as faixas etárias, seguido dos produtos de origem animal. O peixe é a principal fonte de arsénico, clordano, dieldrina, dioxina e DDT. Uma vez que os POPs acumulam-se na gordura animal, consumir uma dieta baseada em vegetais (plant-based diet) representa uma estratégia para reduzir a exposição a POPs. Outra das estratégias passa por reduzir o consumo de carne, laticínios e peixe. O peixe é praticamente a única fonte de metilmercúrio, o qual se encontra em maior concentração nos peixes predadores e de maior porte (ex: tubarão, peixe-espada, atum).
  • Acrilamida: eliminar ou reduzir muito o consumo de cereais refinados, batatas-fritas, bolachas ou torradas queimadas.

De acordo com um dos autores do estudo, “dada a exposição significativa a poluentes, a sociedade deveria estar preocupada com a continuidade de substâncias que nós introduzimos no ambiente. quando descobrimos que um químico tem riscos significativos para a saúde, passarão décadas antes de ser inteiramente removida do ecossistema”. A mensagem de alerta deste estudo passa pelos riscos associados a uma exposição precoce das crianças às inúmeras substâncias tóxicas presentes nos alimentos. As estratégias de prevenção das várias doenças associadas a essa exposição passam por consumir alimentos de origem biológica e reduzir o consumo de produtos animais, nomeadamente os laticínios. Os peixes embora representem benefícios ao nível do desenvolvimento do cérebro pela concentração em ácidos-gordos ómega-3 (EPA e DHA), são por outro lado uma fonte de metilmercúrio, um poderoso neurotóxico. Embora este estudo não seja definitivo, juntamente com muito outros assinalam os perigos da exposição aos produtos tóxicos presentes nos alimentos convidando a uma medida de precaução, evitando-os e privilegiando aqueles que são de agricultura biológica e de origem vegetal.

Referências:

https://www.ehjournal.net/content/11/1/83/prepub

https://www.ehjournal.net/imedia/1443486628828403_manuscript.pdf

https://www.ucdmc.ucdavis.edu/publish/news/newsroom/7190

https://annals.org/article.aspx?articleid=1355685

https://www.ewg.org/

https://www.ewg.org/release/organic-produce-reduces-exposure-pesticides-research-confirms

https://www.ewg.org/foodnews/

https://www.ewg.org/chemindex/term/438

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9392777

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16112318

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1519547/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1449810/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15015917

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16112328

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2022666/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16835633

https://www.environmentalhealthnews.org/ehs/newscience/2012/01/2012-0223-chemicals-iq-loss-similar-to-disease

https://www.envirohealthpolicy.net/kidstest/Cancer%20Pages/Individual%20Cancers/Wilms%20tumor.htm

https://pt.wikipedia.org/wiki/Poluentes_org%C3%A2nicos_persistentes

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15975179

https://www.fda.gov/food/foodsafety/product-specificinformation/seafood/foodbornepathogenscontaminants/methylmercury/ucm115644.htm