Alimentos de origem vegetal eficazes na prevenção de cancro da próstata agressivo (e outros cancros)

“Incluir mais alimentos e bebidas de origem vegetal, tais como frutos, vegetais, ervas e chá, poderá oferecer alguma proteção contra o cancro da próstata agressivo”, diz Susan Steck, autora de um estudo recente apresentado na conferência anual, a  “International Conference on Frontiers in Cancer Prevention Research“, patrocinada pela American Association for Cancer Research. O estudo sugere que um contributo elevado de um tipo específico de fitoquímicos, os flavonóides, poderá diminuir o risco de cancro da próstata agressivo. Vários estudos pré-clínicos já haviam mostrado alguns benefícios contra o cancro da próstata, mas poucos  examinaram o efeito de flavonóides em cancros da próstata em humanos. Neste estudo foram avaliados 920 homens afro-americanos e 977 homens de etnia branca, recentemente diagnosticados com cancro da próstata. Aqueles que tinham um consumo mais alto de flavonóides apresentavam um risco 25% inferior de cancro da próstata agressivo quando comparados com aqueles com um consumo inferior de flavonóides.

Anteriormente outro estudo já havia sugerido benefícios claros no prognóstico de cancro da próstata através de uma alteração na dieta, previlegiando o consumo de alimentos de origem vegetal. Há mais de 35 anos que o médico e investigador Dean Ornish, membro do Intituto de Pesquisa em Medicina Preventiva, em parceria com a Universidade da Califórnia tem vindo a investigar a relação entre as alterações na dieta e estilo de vida e a saúde. Um desses estudos consistiu em acompanhar 93 doentes de cancro da próstata que participaram voluntariamente num estudo no qual se avaliaram os efeitos de uma alteração da dieta e de estilo de vida no controlo da doença. Durante um ano, 43 participantes fizeram parte do grupo experimental, o qual adotou uma dieta bem planeada com exclusão de produtos de origem animal e baixo consumo de gordura. Além disso, seguiram um programa de exercício físico e gestão do stress. Os doentes do grupo de controlo receberam o tratamento convencional. Ao fim desse ano nenhum dos que faziam parte do grupo experimental necessitaram de tratamento convencional, ao contrário de 6 no grupo de controlo. O Antigéno Específico da Próstata (PSA) diminuiu 4% no primeiro grupo contrastando com um aumento de 6% no segundo, tendo-se observado uma inibição do crescimento das células de cancro da próstata quase 8 vezes superior no grupo experimental quando comparado com o de controlo.

Ao fim de dois anos os participantes foram de novo avaliados constatando-se que 13 de 49 (27%) dos pacientes no grupo de controlo e 2 de 43 (5%) do grupo experimental tiveram de dar inicio a tratamentos convencionais (remoção da próstata, radiação e terapia hormonal). O estudo conclui que pacientes com cancro da próstata de estágio inicial optando por uma vigilância ativa, poderão ser capazes que evitar ou adiar tratamento convencional por pelo menos 2 anos fazendo alterações significativas na sua dieta e estilo de vida.

Estes estudos vêm acrescentar-se a muitos outros que dão suporte científico às recomendações atuais de se seguir um dieta com ênfase nos alimentos de origem vegetal. Susan Steck afirma que “os resultados (do seu estudo) suportam as recomendações de saúde pública e linhas orientadoras de organizações como a American Institute for Cancer Research no sentido de se consumir uma dieta baseada em vegetais (plant-based diet)“. O que esta autora vem sugerir é que em particular os alimentos ricos em flavonóides podem ser uma mais-valia nessa estratégia de prevenção, em particular naqueles que estejam em maior risco da doença. Segundo as recomendações mais recentes baseadas nas evidências disponíveis, 30 a 40% de todos os cancros poderiam ser evitados caso se seguissem essas recomendações.

O que são os flavonóides?

Nas últimas décadas têm-se feito vários avanços na ciência da nutrição ao identificar uma nova classe de micronutrientes aos quais se deu o nome de fitoquímicos. Estas moléculas são produzidas pelas plantas para se protegerem das agressões externas, tais como a radiação, as bactérias, os fungos e os predadores. Sem valor nutricional, os fitoquímicos têm revelado em diversos estudos inúmeras propriedades capazes de interferir positivamente com os mecanismos biológicos do organismo assim como com os mecanismos de doenças como o cancro. Depois da descoberta das vitaminas e dos minerais para a saúde nos anos 30, a descoberta destes compostos representa um dos maiores avanços na compreensão da ação funcional dos alimentos na nossa saúde. Se algum tipo de componentes presentes nos alimentos de origem vegetal são responsáveis pelas suas muitas propriedades quimiopreventivas, esses componentes são os fitoquímicos, moléculas sem valor nutritivo mas com valor bioativo.

Estas substâncias são classificadas em função da sua estrutura química. Os flavonóides representam uma família alargada de fitoquímicos subdividida noutras classes tais como os flavonóis, flavonas, catequinas, flavanonas, antocianinas e isoflavonas. Estas moléculas estão distribuídas por vários alimentos diferentes:

Fontes comuns de flavonóides
SubclasseFlavonóidesAlgumas fontes comuns
AntocianidinasCianidina, Delfinidina, Malvidina, Pelargonidina, Peonidina, PetunidinaFrutos silvestres, tais como amoras, framboesas, mirtilos ou morangos; uva preta
CatequinasCatequinas:
Catequina, Epicatequina, Epigalocatequina Epicatequina galate, Epigalocatequina galate
Polímeros:
Proantocianidinas
Catequinas: Chás (em particular o chá verde), cacau, uvas, frutos vermelhos, maçãsProantocianidinas: Cacau, maçãs, frutos vermelhos, uvas pretas
FlavanonasHesperetina, Naringenina, EriodictiolCitrinos tais como laranja, toranja ou limão.
FlavonóisQuercetina, Kaempferol, MiricetinaCebolas amarelas, couve, brócolos, maças, frutos vermelhos, chás, etc.
FlavonasApigenina, LuteolinaSalsa, tomilho, aipo, malaguetas
IsoflavonasDaidzeína, GenisteínaFeijão de soja, alimentos à base de soja, leguminosas

São vários os mecanismos biológicos nos quais estes fitoquímicos poderão atuar, tornando-os assim poderosos aliados na prevenção (e sobrevivência) do cancro:

  • Enzimas de fase II: tal como outros fitoquímicos, os flavonóides estimulam a atividade desta classe específica de enzimas produzidas no nosso organismo, responsáveis pela eliminação de substância potencialmente tóxicas ou cancerígenas, antes que possam produzir dano no ADn das células.
  • Ciclo celular: quando a célula se divide, passa por uma série de etapas conhecida por ciclo celular. Caso sejam detetados danos no ADN da célula, o ciclo pode ser interrompido de forma a permitir a reparação do ADN ou ativação de vias bioquímicas que levam à apoptose (morte programada da célula), caso o dano seja irreparável. Caso a regulação deste mecanismo seja ineficaz, isso poderá levar à propagação de mutações que contribuem para o desenvolvimento do cancro. Os flavonóides aumentam a eficácia deste ciclo.
  • Proliferação e Apoptose: Ao contrário das células saudáveis, as células de cancro multiplicam-se rapidamente e perdem a capacidade de responder aos sinais químicos que as levariam à morte celular (apoptose). Vários estudos mostram a capacidade destes fitoquímicos em induzir a apoptose e inibir a proliferação.
  • Invasão e Angiogénese: vários flavonóides interferem com a ação das enzimas que permitem ao tumor invadir tecidos periféricos. Igualmente são capazes de inibir a criação de novos vasos sanguíneos, os quais permitem o desenvolvimento do tumor.
  • Inflamação: A inflamação contribui com uma série de mecanismos e substâncias que contribuem para o desenvolvimento do cancro. Os flavonóides interferem com várias vias bioquímicas que estão implicados nos processos inflamatórios. Parte da sua ação anti-inflamatória é atribuída à capacidade de inibir a atividade do fator de transcrição NF-kB.

A maior parte dos alimentos ricos nestas moléculas, têm igualmente muitos outros benefícios pelas suas concentrações elevadas em fitoquímicos, nutrientes, vitaminas, minerais e fibra. São por isso, juntamente com todos os outros alicamentos (alimentos com propriedades anticancerígenas) os atores principais de um prato cuja história seja a da prevenção do cancro.

Referências:

https://www.newswise.com/articles/usc-arnold-school-study-suggests-plant-based-foods-may-offer-reduced-risk-for-aggressive-prostate-cancer

https://www.aacr.org/home/scientists/meetings–workshops/frontiers-in-cancer-prevention-research.aspx

https://www.thieme-connect.com/ejournals/html/10.1055/s-0030-1250111

https://www.ornishspectrum.com/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16094059

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18602144

https://www.dietandcancerreport.org/expert_report/recommendations/recommendation_plant_foods.php

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https://jn.nutrition.org/content/134/12/3479S/F1.large.jpg

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15142168?dopt=Abstract

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