sandro-botticelli-birth-of-venus-detail-of-breasts-and-handsSabemos hoje que 95% de todos os cancros são originados em causas externas que podemos controlar. O cancro da mama não escapa à regra. Até 38% de casos de cancro da mama poderiam ser evitados caso modificássemos hábitos de estilo de vida relacionados com dieta e exercício físico. Ao contrário do que possamos julgar, a maior parte dos casos de cancro da mama acontece a mulheres sem história familiar da doença. Cerca de 5% de casos de cancro da mama devem-se a uma mutação nos genes BRCA1 ou BRCA2.

AICR / WCRF

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Estes número colocam sobre nós a responsabilidade de alterar esta realidade, modificando hábitos e comportamentos que promovam a incidência de cancro. O cancro da mama é o cancro mais comum entre as mulheres, havendo mais de 1 milhão de casos anuais. Em pouco menos de metade dos casos, a doença é fatal, sendo a primeira causa de morte de cancro nas mulheres, perfazendo 14% de todos os casos de morte por cancro em todo o mundo. Muitos dos fatores de risco estão direta ou indiretamente relacionados com a dieta. O painel responsável pelo relatório “Food, Nutrition, Physical Activity and the Prevention of Cancer” diz estar impressionado pelas evidências que mostram a importância dos acontecimentos do início de vida, incluindo a dieta assim como fatores que afetam o estatuto hormonal, na modificação do risco de cancro da mama.

Embora hoje esteja bem estabelecida a relação entre dieta e cancros como o da mama, pouco se tem feito para interiorizarmos este conhecimento e pormos em prática o que sabemos. Tem sido estabelecida uma relação de risco entre o índice de massa corporal e o cancro da mama, sendo a obesidade um dos principais fatores de risco. Segundo o relatório da WCRF/AICR o índice de massa corporal é um fator de risco convincente para o cancro da mama. As células adiposas não são meros armazéns de gordura. Têm atividade biológica, nomeadamente aumentam os níveis de várias hormonas no organismo, tais como: a insulina, o IGF-1 e o estrogénio; todos fatores de risco envolvidos na génese do cancro da mama, criando assim um ambiente que encoraja a carcinogénese e inibe a apoptose (morte programada da célula). Além disso aumenta igualmente os valores de inflamação no corpo, outra das importantes condições favoráveis ao desenvolvimento do cancro.

proten-hair-lossAlguns estudos sugerem também que o consumo de gorduras saturadas, particularmente as que existem nas carnes vermelhas e produtos lácteos, pode aumentar o risco de cancro da mama, em particular antes da menopausa. Com as gorduras de origem vegetal não se observa essa associação. Embora se consiga relacionar o consumo de gorduras saturadas, típica de uma dieta ocidental, com o risco de cancro da mama, ainda não se compreende inteiramente as razões biológicas para esse risco.

Recentemente um novo estudo vem trazer novos dados que nos podem ajudar a perceber melhor o papel das gorduras, em particular, o colesterol, no desenvolvimento do cancro da mama. O estudo explica a ligação que existe entre os níveis elevados de colesterol e o cancro da mama, especialmente nas mulheres pós-menopausa, sugerindo que alterações na dieta ou terapêuticas que reduzam o colesterol poderão oferecer uma forma simples e acessível para reduzir o risco de cancro da mama.

Não se trata do colesterol em si mesmo que promove o crescimento do cancro da mama, mas sim um subproduto, um metabólito conhecido por 27-hidroxicolesterol (27HC), o qual parece funcionar como o estrogénio e pode de forma independente estimular o crescimento das células de cancro que sejam sensíveis à hormona. Além disso, foi também identificada uma relação possível entre a exposição ao 27-hidroxicolesterol e a resistência aos antiestrogénios utilizados no tratamento do cancro da mama.

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A hormona estrogénio estimula o crescimento de cerca de 75% de todos os cancros da mama, aqueles que são positivos para os recetores de estrogénio. Os investigadores do laboratório onde foram realizados estes estudos já haviam estabelecido que o 27HC se imita o estrogénio em animais. Neste estudo, os autores procuraram perceber se esta atividade estrogénica é suficiente por si para promover o crescimento do cancro da mama e de metástases e se ao se controlar os níveis desta substância poderá ser possível controlar o tumor.

100511-health-breast-cancer-hormone-therapy.jpg.custom1200x675x20.dimgEm modelos animais de cancro da mama positivo ao recetor estrogénio, os efeitos proliferativos do 27HC foram confirmados. Não só este metabólito do colesterol está envolvido no crescimento do tumor, mas também se relaciona com o seu potencial de metastizar. Animais com níveis elevados de 27HC apresentaram mais metástases no pulmões de células de cancro da mama. Os investigadores demonstraram que o crescimento do tumor aumentou com suplementação de 17β-estradiol ou 27-hidroxicolesterol. A atividade desta molécula é inibida através de um antiestrogénio ou da cessação de suplementação de 27HC.

Outra das descobertas que foram feitas utilizando tecidos humanos de cancro da mama mostrou existir uma correlação direta entre a agressividade do tumor e níveis elevados da enzima (CYP27A1 ) que produz a molécula 27HC. De acordo com Erik Nelson, o principal autor do estudo, “quanto pior o tumor, mais concentração da enzima tem“. O autor também refere a potencial relação entre a exposição ao 27HC e ao desenvolvimento de resistência ao tamoxifen, utilizado no tratamento de muitos casos de cancro da mama. Além disso, o estudo também sugere que pode interferir com os inibidores de aromatase.

Outro dos autores, Donald McDonnell, diz que “esta é uma descoberta muito significativa. Os tumores de cancro da mama por expressarem esta enzima para produzir 27HC, estão a produzir uma molécula semelhante ao estrogénio que pode promover o crescimento do tumor. Em essência, os tumores desenvolveram um mecanismo que permite utilizar uma fonte diferente de combustível“.

Níveis elevados de colesterol foram identificados como um fator de risco independente para o cancro da mama. Estes resultados poderão ter implicações para o futuro tratamento e prevenção do cancro da mama. De acrodo com estes dados, diminuir os níveis de colesterol pode resultar numa redução no risco de cancro da mama e eventualmente poderá afetar a resposta aos tratamentos hormonais. Será preciso também verificar estes resultados com novos estudos assim como tentar saber se o 27HC terá um papel no crescimento de outros cancros.

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Como conclusão os investigadores referem que no modelo que utilizaram, uma dieta rica em gorduras promove o crescimento do tumor, podendo esse efeito ser parcialmente revertido através do tratamento com agentes que inibam a síntese de colesterol ou de 27HC.

A partir destes resultados podemos optar por duas vias de intervenção: fármacos que controlem os níveis de colesterol (como as estatinas, com efeitos secundários) ou alterações na dieta e exercício físico que diminuam os níveis de colesterol (como uma dieta pró-vegetariana, sem efeitos secundários). A melhor maneira de garantirmos que os níveis de colesterol estejam baixos é de facto reduzindo o consumo de gorduras saturadas e colesterol.

1012cholesterolAlém do colesterol, outros fatores podem contribuir para o aumento de risco de cancro da mama: níveis altos de IGF-1 (associados ao consumo de proteína animal e açúcar), níveis altos de metionina (abundante na proteína animal), níveis elevados de estrogénio, níveis elevados de insulina, entre outros. Todos estes fatores se traduzem naquilo que chamamos de dieta ocidental, caracterizada por excesso de gorduras saturadas, proteína animal, hidratos de carbono simples e poucos vegetais e fibra.

Mais do que procurar soluções farmacológicas para explorar estas características metabólicas do cancro, deveríamos concentrar os nossos esforços em traduzir estes resultados em medidas concretas e alterações no estilo de vida garantindo assim uma diminuição no risco não só no cancro da mama mas de muitos outros cancros e doenças.

Algumas ideias chave deste estudo:

  • Níveis elevados de 27HC poderão promover o crescimento do cancro da mama.
  • Aumento de metástases de células de cancro da mama nos pulmões poderá estar associado a níveis elevados de 27HC.
  • Diminuir os níveis de colesterol poderá resultar numa diminuição do risco de cancro da mama e talvez afetar a resposta a tratamentos hormonais.

 

 

Referências:

https://www.sciencemag.org/content/342/6162/1094

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3950897/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24093019

https://www.aicr.org/research/research_science_preventability.html

https://www.cancer.gov/cancertopics/factsheet/Risk/BRCA

https://www.dietandcancerreport.org/cup/current_progress/breast_cancer.php

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12865454?dopt=Citation

https://www.ascopost.com/ViewNews.aspx?nid=10806