(CONTINUAÇÃO DA PARTE 1)
TENDO FITOESTROGÉNIOS, NÃO SERÁ DESACONSELHADO PARA AS CRIANÇAS, ESPECIALMENTE OS MENINOS?
Como vimos, comer soja durante a infância, não só é uma ótima fonte de proteína, gorduras saudáveis, hidratos de carbono, fibra, vitaminas, minerais e fitoquímicos, como poderá ser a melhor altura para diminuir o risco de cancro da mama no caso das meninas. Um estudo italiano com crianças alimentadas com fórmula à base de soja não mostrou sinais de ginecomastia (aumento da mama) nos rapazes nem puberdade precoce nas raparigas, assim como nenhuma alteração hormonal. As crianças apresentaram valores normais de idade óssea, metabolismo ósseo, estradiol e osteocalcina .
Outro estudo prospetivo que acompanhou 89 crianças até aos 9 anos, mostrou que não existiu uma associação entre o consumo de soja na infância e sinais de puberdade precoce nem excesso de peso. A ingestão de soja não esteve associada a alterações no peso ou na altura, nem a puberdade precoce .
OUVI DIZER QUE COMER SOJA TEM EFEITOS EFEMINIZANTES NOS HOMENS.
Uma revisão sobre os efeitos efeminizantes da soja conclui que não existem efeitos efemenizantes da soja em homens, mesmo em quantidades superiores às consumidas por asiáticos. A exposição a isoflavonas nos homens não tem efeitos nos níveis de testosterona, estrogénio nem na qualidade do sémen .
Só existem dois casos descritos envolvendo homens, nos quais o consumo de soja esteve associado a ginecomastia. No entanto, tratam-se de casos extremos nos quais esses dois homens consumiam entre 14 a 20 porções de soja por dia, o que representa uma quantidade 9 vezes superior à quantidade média de um japonês idoso. Nesses casos foi observado um aumento dos tecidos mamários e perda de libido. No entanto, quando reduziram o consumo de soja, os sintomas desapareceram . Como com qualquer alimento ou nutriente, doses extremamente elevadas podem ter efeitos adversos. Estes dois casos ilustram bem isso.
A ENDOMETRIOSE É SENSÍVEL AO ESTROGÉNIO, POR ISSO NÃO POSSO COMER SOJA, CERTO?
Relativamente à relação entre o consumo de soja e o risco de endometriose, embora existam pouco estudos sobre o assunto, os que existem sugerem que a soja seja neutra ou até mesmo benéfica para a doença. Um estudo com 495 mulheres mostrou que níveis mais elevados na urina de fitoestrogénios não estiveram associados a um risco superior de endometriose . Por outro lado, um estudo mostrou que mulheres com níveis superiores de isoflavonas na urina tiveram um risco inferior de desenvolver endometriose .
Uma vez que a endometriose é uma doença inflamatória e dependente do estrogénio, uma dieta anti-inflamatória e que esteja associada a níveis inferiores de estradiol deverá ser a mais indicada. Uma dieta de base vegetal, rica em vegetais, frutos, leguminosas, cereais integrais, frutos secos e sementes, além de pobre em gorduras saturadas, hidrogenadas e álcool poderá ser uma ótima opção para diminuir o risco ou controlar a doença.
A SOJA FAZ MAL À TIRÓIDE!
As preocupações com a tiróide surgem de estudos in vitro e em animais. Os estudos publicados em humanos mostram que as isoflavonas não afetam o funcionamento da tiróide . Uma revisão de estudos clínicos concluiu que o consumo de soja não está associado a problemas na função da tiróide e que não existem razões para pessoas com hipotiroidismo deixaram de a consumir a não ser que façam uma ingestão pobre de iodo . Uma revisão sistemática da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) concluiu que as isoflavonas não têm efeitos negativos na mama, útero ou tiróide em mulheres depois da menopausa.
No caso de pessoas com hipotiroidismo, a soja poderá fazer com que seja necessário aumentar a dose da medicação de substituição hormonal, não porque tenha um efeito prejudicial sobre a tiróide, mas porque inibe a absorção do medicamento. No entanto, não existem evidências que as pessoas com hipotiroidismo devam evitar soja. É recomendável que se faça um intervalo de 4 horas entre a medicação e o consumo de soja. Um estudo sugere que mulheres com um consumo muito elevado de soja poderão estar mais suscetíveis a problemas de tiróide. No entanto, isso só acontece caso tenham uma ingestão insuficiente de iodo.
OK, A SOJA PODE SER SAUDÁVEL, MAS SÓ NO CASO DA FERMENTADA!
A soja, independentemente de ser fermentada ou não, está associada a inúmeros benefícios para a saúde. A soja fermentada continua a ser rica em isoflavonas, inclusive estas são mais bem absorvidas. Nesse sentido, se o problema fossem as isoflavonas, não faria sentido alegar que apenas a soja fermentada fosse segura. A única diferença, e de certa forma vantagem, na fermentação é o facto da soja passa a ter valor probiótico, além de diminuir a concentração de ácido fítico, o que poderá melhorar a absorção de alguns minerais. No entanto, mesmo na presença de ácido fítico, a absorção de cálcio a partir de bebida de soja enriquecida ou de tofu é semelhante à do leite . O mesmo se observa com a absorção de ferro a partir da soja não fermentada, a qual é bastante elevada, provavelmente por se encontrar na forma de ferritina .
A fermentação também diminui em certa medida a concentração de inibidores de protease presentes na soja, os quais poderiam interferir com a digestão da proteína. No entanto, cozinhar ou processar os feijões de soja desativa a maior parte dessas substâncias, pelo que não representa um problema. Na realidade, a digestão de proteína de soja é bastante eficaz, independentemente na presença ou não de resíduos de inibidores de protease .
Alguns estudos disponíveis que temos, mostram que o tofu (produto de soja não fermentado), poderá ser mais eficaz a diminuir o risco de doenças crónicas do que o miso (produto de soja fermentado) . A única exceção é o caso do natto (produto de soja fermentada) que pela sua grande concentração em vitamina K2 está associado a melhoria da saúde óssea e diminuição do risco de fraturas e osteoporose .
Por último, os estudos que temos não suportam a ideia de que os produtos de soja fermentados sejam melhores para a saúde e inclusive, uma meta-análise a 13 estudos prospetivos incluindo 517106 participantes mostrou que embora o consumo de soja não fermentada esteja associado a uma diminuição de 37% no risco de cancro do estômago, um consumo elevado de sopa de miso (1-5 porções/dia) poderá aumentar o risco de cancro do estômago. Uma das explicações possíveis poderá ser a grande concentração de sal no miso .
Em resumo: a alegação de que só a soja fermentada é segura e que tem vantagens para a saúde, não tem nenhum fundamento científico. Ambas as formas são benéficas para a saúde, com exceção do natto que poderá ter benefícios acrescidos para a saúde óssea.
OUVI DIZER QUE COMER TOFU PODERÁ AUMENTAR O RISCO DE DEMÊNCIA.
Os receios de que a soja poderá aumentar o risco de demência surgiram com um estudo seccional cruzado feito na Indonésia. O estudo sugere que exista uma correlação entre o consumo de tofu e perda de memória, mas que o tempeh pelo contrário esteve associado a melhor memória. O facto de dois produtos de soja produzirem efeitos contrários levanta suspeitas, sendo que os investigadores sugeriram que a explicação mais plausível seja o facto do tofu (mas não o tempeh) na Indonésia conter formaldeído, sendo esta tóxica e estando associada a diminuição da memória em modelo animal . Por outro lado, uma meta-análise a 10 estudos clínicos aleatorizados com 1024 participantes, mostrou que as isoflavonas melhoraram a função cognitiva e memória visual em mulheres depois da menopausa .
A SOJA CONTRIBUI PARA A DESFLORESTAÇÃO E TEM UM GRANDE IMPACTO AMBIENTAL!
Na realidade 75% da soja produzida é utilizada para alimentar os animais da agropecuária. Apenas 6% da soja é usada para alimentação humana. Significa que o responsável pela desflorestação é o excessivo consumo de carne e não de soja por via direta. É o bife no prato e não o tofu que contribui para a desflorestação. De qualquer forma podemos ter o cuidado de escolher soja de produção europeia e evitar a soja que seja produzida no Brasil, EUA ou Argentina.
https://tabledebates.org/building-blocks/soy-food-feed-and-land-use-change
OUTROS EFEITOS DA SOJA.
O consumo de soja poderá diminuir o risco de cancro colorretal, da próstata, do pulmão e do ovário .
Consumir produtos de soja poderá diminuir os níveis de LDL. No entanto, essa diminuição foi mais significativa em indivíduos com colesterol elevado e quando foi utilizada soja menos processada .
A ingestão de um valor igual ou superior a 25 g de proteína de soja por dia poderá diminuir a pressão arterial. Esses efeitos poderão ser atribuídos às isoflavonas .
Um estudo a partir de três coortes com um total de 210700 participantes mostrou que a ingestão de isoflavonas esteve associada a uma diminuição de 13% no risco de doença coronária e que a ingestão de mais de uma porção de tofu por semana esteve associada a uma diminuição de 18% no risco de doença coronária. O estudo concluiu que uma ingestão superior de isoflavonas e tofu poderá diminuir o risco de doença coronária, sendo que esses efeitos nas mulheres são mais significativos no caso de mulheres mais novas ou depois da menopausa sem substituição hormonal .
Uma dieta com soja em doentes com doença crónica renal poderá diminuir a proteinuria e a proteína C-reativa, enquanto mantém o estado nutricional do doente .
As isoflavonas da soja poderão diminuir a frequência e severidade dos afrontamentos em mulheres na menopausa. De acordo com uma meta-análise a estudos clínicos suplementos com mais de 18,8 mg de genisteína foram duas vezes mais potentes a reduzir a frequência dos episódios de afrontamentos .
Referências:
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