Do ponto de vista do risco de cancro, a ingestão de produtos lácteos parece ter efeitos contraditórios. Por um lado, existem boas evidências que estes produtos possam diminuir o risco de cancro colorretal. Por exemplo, uma meta-análise que incluiu 19 estudos prospetivos mostrou que a ingestão de 400 g/dia de produtos lácteos esteve associada a um risco 17% inferior de cancro do cólon (Aune et al., 2012). Outro estudo prospetivo que acompanhou 77712 participantes ao longo de 7 anos mostrou também que a ingestão de produtos lácteos esteve associada a um risco 69% inferior de cancro retal e a ingestão de cálcio esteve associada a um risco 45% inferior de cancro do cólon (Tantamango-Bartley et al., 2017). No entanto, parece que os efeitos na prevenção de cancro colorretal possam estar relacionados com o cálcio e não com outros componentes presentes nestes produtos. Uma análise a 2 estudos prospetivos de grandes dimensões mostrou que a diminuição de risco observou-se de forma independente da origem do cálcio (Zhang et al., 2016).

Por outro lado, a ingestão de produtos lácteos poderá aumentar o risco de cancro da próstata, embora essa associação não seja tão robusta como a anterior. No entanto, alguns estudos e meta-análises sugerem que de facto os produtos lácteos possam constituir um risco para o cancro da próstata. Por exemplo, uma meta-análise a 32 estudos prospetivos mostrou que a ingestão de produtos lácteos esteve associado aos seguintes efeitos:

  • Produtos lácteos (400 g/dia): risco 7% superior de cancro da próstata;
  • Leite (200 g/dia): risco 3% superior de cancro da próstata;
  • Leite magro (200 g/dia): risco 6% superior de cancro da próstata;
  • Queijo (50 g/dia): risco 9% superior de cancro da próstata.

Além disso, o cálcio total e presente nos produtos lácteos esteve também associado a um risco superior, contrariamente ao cálcio sem ser de origem láctea, o que sugere que sejam outros componentes presentes nos produtos lácteos que possam explicar esses efeitos. O estudo conclui que uma ingestão elevada de produtos lácteos, leite, leite magro e queijo possam aumentar o risco de cancro da próstata total (Aune et al., 2015).

Outra revisão a 47 estudos com mais de 1 milhão de participantes mostrou também que a maior parte dos estudos sugere que produtos animais, em especial produtos lácteos aumentam ou não alteram o risco de cancro da próstata. Por outro lado, a maior parte dos estudos sugere que produtos vegetais e em especial uma dieta vegana diminuem ou não alteram o risco de cancro da próstata (Shin et al., 2019).

Mais recentemente, um estudo prospetivo que acompanhou 28737 homens ao longo de cerca de 8 anos mostrou os seguintes resultados:

  • Uma ingestão de 430 g/dia de produtos lácteos, comparativamente com 20,2 g/dia esteve associada a um risco 27% superior de cancro da próstata;
  • Uma ingestão de 430 g/dia de produtos lácteos, comparativamente com nenhum produto lácteo esteve associada a um risco 62% superior de cancro da próstata;
  • Uma ingestão superior de cálcio de fontes não lácteas (905 mg/dia) comparativamente com uma ingestão inferior (349 mg/dia) não esteve associada ao risco de cancro da próstata.

Não houve uma associação entre a ingestão de queijo e iogurte e o risco de cancro da próstata. Além disso, o risco só se tornou evidente acima de 150 g/dia de produtos lácteos.

O estudo concluiu que homens com uma ingestão superior de produtos lácteos, mas não cálcio sem ser de origem láctea, tiveram um risco superior de cancro da próstata (Orlich et al., 2022).

Além dos efeitos observados na ingestão de produtos lácteos no risco de cancro da próstata, vários estudos têm também observado que estes produtos podem ter efeitos no risco de mortalidade ou recidiva após um diagnóstico. Em 2012, um estudo prospetivo que acompanhou 3918 homens mostrou que aqueles que consumiam leite gordo mais do que 4 vezes por semana depois de um diagnóstico de cancro da próstata tiveram um risco 2 vezes superior de mortalidade por cancro da próstata e um risco 51% superior de recidiva, comparativamente com aqueles que consumiam leite gordo menos do que 3 vezes por mês (Pettersson et al., 2012).

Em 2015 outro estudo prospetivo com 926 homens mostrou que aqueles que consumiam um valor superior ou igual a 3 porções por dia de produtos lácteos depois de um diagnóstico de cancro tiveram um risco 2,4 vezes superior de mortalidade por cancro da próstata, comparativamente com aqueles que consumiram menos do que 1 porção por dia (Yang et al., 2015).

Em 2017, um estudo realizado na Suécia que acompanhou 230 homens diagnosticados com cancro da próstata localizado, mostrou que aqueles que consumiam um valor superior ou igual a 3 porções por dia de leite gordo tiveram um risco 6,1 vezes superior de mortalidade por cancro da próstata, comparativamente com aqueles que consumiam menos do que 1 porção por dia (Downer et al., 2017).

Mais recentemente um estudo prospetivo que acompanhou 1334 homens com cancro da próstata acompanhados ao longo de 8 anos veio reforçar aquilo que já se sabia relativamente ao efeito do leite gordo no risco de recidiva após um diagnóstico de cancro da próstata. Alguns resultados do estudo:

  • Aqueles que consumiram mais do que 4 porções de leite gordo por semana tiveram um risco 73% superior de recidiva, comparativamente com aqueles que consumiram menos do que 3 porções por mês;
  • Entre aqueles que tinham excesso de peso (IMC>27), o risco de recidiva foi 3 vezes superior.

O estudo concluiu que o consumo de leite gordo depois de um diagnóstico de cancro da próstata esteve associado a um risco superior de recidiva, especialmente entre aqueles que tinham excesso de peso ou obesidade. Homens com cancro da próstata que escolham beber leite deverão escolher uma opção com pouca gordura (Tat et al., 2018). A análise estatística aos dados do estudo sugere que a gordura saturada no leite gordo possa ser um dos componentes responsáveis pelos efeitos observados.

Outro dos mecanismos que poderão explicar incluem (Harrison et al., 2017):

  • Diminuição dos valores de vitamina D devido à ingestão elevada de cálcio;
  • Níveis elevados de IGF-1 associados ao consumo de leite;
  • O leite é uma fonte de estrogénios, os quais poderão aumentar o risco de cancro da próstata;
  • Ingestão elevada de gordura saturada, a qual tem efeitos no sistema imunitário e na inflamação.

Para aqueles que têm risco elevado de cancro da próstata ou que tenham tido um diagnóstico da doença, poderá ser indicado reduzir ou mesmo evitar o consumo de produtos lácteos, em especial o leite gordo. Por outro lado, uma dieta de base vegetal rica em frutos, vegetais, leguminosas, cereais integrais, frutos secos e sementes poderá diminuir o risco da doença.

Referências:

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3. Zhang X, Keum N, Wu K, Smith-Warner SA, Ogino S, Chan AT, et al. Calcium intake and colorectal cancer risk: Results from the nurses’ health study and health professionals follow-up study. Int J Cancer. 2016 Jul 28;

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