Já estamos “mortos” de saber: o consumo de carne e produtos de origem animal está associado a um risco superior de cancro. No entanto, temos ainda muito por fazer até que aquilo a que se tem chamado dieta ocidental (ou mais apropriadamente, “acidental”) passe a incluir mais produtos de origem vegetal, com poucos ou nenhuns produtos de origem animal. De facto, em 1907 as parangonas do New York Times davam-nos conta disso mesmo: “O cancro aumenta entre os consumidores de carne. Por outro lado, italianos e chineses, praticamente vegetarianos, mostram a menor mortalidade de todos“.

New York Times, 1907

New York Times, 1907

A expressão “praticamente vegetarianos” vai ao encontro daquilo que hoje representa a recomendação consensual sobre o papel de uma dieta pro-vegetariana (plant-based diets) na prevenção de cancro e de outras doenças. Passados mais de 100 anos sobre a notícia mais acima, continuamos sem uma alteração significativa na percepção geral sobre os malefícios de um consumo centrado em produtos animais. Organizações como a AICR/WCRF alertam-nos para a relação estabelecida entre o consumo de carnes vermelhas e processadas e o risco de vários tipos de cancro, em particular o cancro colo-retal.

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carne-vermelha-20110919-size-598Um novo estudo realizado em vários países, conclui que fumar, dietas ricas em produtos animais e álcool são os fatores com uma correlação mais forte com taxas de incidência de cancro. Este estudo é um estudo populacional, no qual as taxas de incidência de vários tipos de cancro, em homens e mulheres, a partir de 87 países com taxas de grande qualidade assim como de 157 países com dados estatísticos, foram comparadas estatisticamente com índices de vários fatores de risco.

Os dados da dieta foram obtidos a partir da FAO das Nações Unidas. Foram incluídos dados de vários períodos a partir de 1980, uma vez que existe geralmente um compasso de até 20 anos entre alterações alimentares e mudanças nas taxas de cancro. Os produtos animais incluem carne, leite, peixe e ovos.

Para os 87 países com dados de qualidade, os índices de tabagismo e produtos animais explicaram mais de metade das taxas de incidência de cancro, com um contributo inferior do consumo de bebidas alcoólicas. Nos homens o tabagismo representa o dobro da importância no risco de cancro em relação aos produtos animais, enquanto nas mulheres observa-se o oposto. Estes dois fatores explicam 70% da variação em todos os cancros, com exceção do cancro do pulmão.

formation-of-HCA-with-heatOs tipos de cancro nos quais se observa uma correlação mais forte com o consumo de produtos animais incluem o cancro da mama, útero, rim, ovário, pâncreas, próstata, testículo, tiroide e mieloma múltiplo. Algumas das razões pelas quais provavelmente estes produtos aumentam o risco de cancro passam pelo facto de promoverem o crescimento das células através da produção da hormona IGF-1. Outros elementos presentes na carne vermelha possivelmente relacionados com o risco de cancro incluem: o ferro heme, as aminas heterocíclicas produzidas ao cozinhar proteína animal e os efeitos que tem na microbiota.

O cancro do pulmão neste estudo está também associado ao consumo de produtos animais, além do tabaco. Este resultado poderá explicar o facto de embora existir um consumo similar de tabaco no Japão e nos EUA, a taxa de incidência ser superior neste último.

O consumo de adoçantes estavam associados à incidência de cancro do cérebro nas mulheres, útero, pâncreas e próstata. Para vários cancros, a incidência está correlacionada com a latitude, provavelmente devido às diferenças na produção de vitamina D através da radiação solar.

Este estudo vem no seguimento de outros estudos recentes que corroboram a mesma relação entre produtos animais e incidência de cancro.

red-meat-riskEm 2012 foram publicados os resultados de um importante estudo desenvolvido pela Harvard. Os investigadores deste estudo, incluindo o autor e professor Frank Hu, observaram mais de 37000 homens participantes do Health Professionals Follow-up Study por cerca de 22 anos, e mais de 83000 mulheres, participantes do Nurses’ Health Study por cerca de 28 anos. Ficou estabelecida uma relação entre o consumo regular de carne vermelha e processada e um aumento de risco de morte precoce.

Uma porção diária de carne vermelha (do tamanho de um baralho de cartas) está associada a um aumento de 13% na mortalidade, e uma porção semelhante de carnes processadas (um hotdog ou duas fatias de bacon) está associada a um aumento de 20% na mortalidade. Especificamente em relação ao cancro, o consumo destes alimentos aumenta o risco de morte precoce por cancro em 10% para as carnes vermelhas e 16% para as carnes processadas.

Mais recentemente, um estudo com quase meio milhão de participantes, mostra haver uma associação entre o consumo de carnes processadas e cancro, além de doenças cardiovasculares. O estudo, publicado na revista BMC Medicine, calcula que cerca de 3,3% de mortes poderiam ter sido evitadas se os participantes consumissem menos de 20 gramas de carne processada por dia. Para se chegarem a estes resultados foram utilizados dados do estudo EPIC (European Prospective Investigation into Cancer an Nutrition) obtidos a partir de cerca de 450000 participantes de 10 países europeus.

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Os participantes com idades compreendidas entre os 35 e os 69 anos, livres de doença no início do estudo, foram seguidos ao longo de 13 anos. Aqueles que consumiram maiores quantidades de carnes processadas apresentaram um risco superior de morte prematura quando comparados com aqueles que consumiram doses moderadas. Por cada 50 gramas de carne processada consumida por dia (um cachorro quente), houve um risco 18% superior de morrer ao longo do estudo.

Outro estudo recente financiado pelo National Cancer Institute sugere que as dietas vegan (sem produtos animais) poderão ser a forma mais eficaz de prevenção do cancro. Já sabíamos que dietas predominantemente vegetarianas reduzem o risco de cancro, mas este estudo sugere que uma dieta vegan pode ser ainda mais eficaz. Mulheres vegan, por exemplo, têm 34% menos probabilidade de virem a ter cancro da mama ou do ovário, mesmo quando comparado com indivíduos com uma dieta responsável, de acordo com os resultados do estudo. Este estudo faz parte de um estudo de longa duração a mais de 96000 participantes desenvolvido na Universidade Loma Linda.

HygeiaConvém sempre relembrar que a palavra “dieta” deriva do grego “diaita“, que significa “estilo de vida equilibrado“. Mais do que um alimento isolado, interessa o padrão geral do estilo de vida que se pratica, com especial ênfase no que se come. Todo o conhecimento que temos acumulado nos últimos anos sugerem que padrões alimentares baseados predominantemente em produtos vegetais são protetores em relação a vários cancros. No ano passado (2013) a dieta mediterrânica foi classificada como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO. Em grande medida podemos atribuir as suas melhores virtudes ao facto de se tratar de uma dieta pro-vegetariana.

 

Referências:

https://query.nytimes.com/mem/archive-free/pdf?res=9502E1D81331E733A25757C2A96F9C946697D6CF

https://www.mdpi.com/2072-6643/6/1/163

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18630488

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24267037

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22412075

https://www.hsph.harvard.edu/hpfs/

https://www.channing.harvard.edu/nhs/

https://www.biomedcentral.com/1741-7015/11/63/abstract

https://epic.iarc.fr/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23169929

https://www.llu.edu/public-health/health/index.page?