A dieta ocidental é caracterizada por um padrão alimentar com excesso de alguns nutrientes (gordura, açúcar, sal, proteína animal) e carência de outros fundamentais para a prevenção de doenças crónicas, tais como alguns minerais, vitaminas, fitoquímicos e fibra.

O consumo de alimentos processados e ultraprocessados, comuns neste tipo de padrão alimentar, está cada vez mais a aumentar em muitos países. Na Europa, mais de metade das calorias ingeridas diariamente provêm de alimentos ultraprocessados, chegando mesmo a 79% das calorias diárias em países como a Alemanha (Slimani et al., 2009). Este produtos, depois de passarem por vários processos físicos, biológicos e/ou químicos, são concebidos para serem microbiologicamente seguros, convenientes, muito palatáveis e económicos (Monteiro et al., 2018).

Alguns exemplos destes produtos incluem pão industrial, pastelaria, bebidas açucaradas, snacks embalados, refeições pré-preparadas, carnes processadas, entre outros. Estes produtos, além de serem hipercalóricos, ricos em hidratos de carbono refinados, gorduras saturadas, sal e pobres em fibra, têm na sua composição aditivos e contaminantes, o que tudo junto poderá explicar porque o seu consumo está associado a um risco superior de dislipidémias, obesidade, hipertensão e cancro (Rauber et al., 2015Mendonça et al., 2016Mendonça et al., 2017Fiolet et al., 2018).

A ingestão destes produtos está associada a vários problemas de saúde, incluindo cancro e mortalidade, além de contribuírem para uma ingestão excessiva de calorias. No entanto, a maior parte dos estudos disponíveis são realizados em adultos, não se conhecendo os seus efeitos na saúde de crianças. Um estudo recente procurou investigar a relação entra a ingestão de alimentos ultraprocessados, tais como cereais de pequeno-almoço, guloseimas, refrigerantes, sumos, iogurtes açucarados, pizza, hamburguers, nuggets, entre outros, e indicadores de saúde nas crianças (Vernarelli et al., 2022). Com base numa amostra de mais de 1500 crianças entre os 3 e os 15 anos, foram observados os seguintes resultados:

  • As crianças com melhores indicadores de aptidão cardiovascular ingeriram em média menos 226 calorias a partir de alimentos ultraprocessados comparativamente com aqueles que não apresentaram uma aptidão cardiovascular saudável;
  • As crianças com menos de 5 anos que ingeriram em média mais 273 calorias a partir de alimentos ultraprocessados tiveram piores indicadores de desenvolvimento locomotor.

O estudo concluiu que intervenções que ajudem as famílias a reduzir a ingestão de ultraprocessados poderão diminuir o risco de doenças cardiovasculares em idade adulta (Vernarelli et al., 2022).

Os alimentos ultraprocessados (grupo 4) podem ser classificados como (Monteiro et al., 2018Monteiro et al., 2016): produtos industriais geralmente com 5 ou mais ingredientes. Esses ingredientes frequentemente incluem aqueles usados nos alimentos processado como açúcar, óleos, gorduras, sal e conservantes. Os ingredientes utilizados apenas nos ultraprocessados incluem produtos não utilizados nas preparações culinárias e aditivos cuja função é imitar qualidades sensoriais dos alimentos do grupo 1. Alguns dos aditivos que se encontram apenas nestes produtos incluem corantes, estabilizadores, intensificadores de sabor, açúcares artificiais, estabilizadores, emulsionantes, entre outros. Os alimentos do grupo 1 são uma parcela pequena ou mesmo ausente dos alimentos do grupo 4. Exemplos: refrigerantes, gelado, chocolate, doces, pão embalado, margarinas, biscoitos, cereais de pequeno-almoço, alimentos pré-confecionados, hamburguers, entre outros.

As crianças são particularmente vulneráveis não só aos efeitos dos alimentos ultraprocessados como aos inúmeros estímulos que apelam ao seu consumo. Investir numa alimentação saudável e sustentável desde cedo é uma forma de proteger a criança de doenças futuras, mesmo que seja uma luta desigual, entre frutos e vegetais e produtos industriais desenhados para estimular o consumo excessivo. É preciso muita fibra para essa luta (literalmente), mas as recompensas futuras são muitas.

Referências:

  1. Slimani N, Deharveng G, Southgate D a. T, Biessy C, Chajès V, van Bakel MME, et al. Contribution of highly industrially processed foods to the nutrient intakes and patterns of middle-aged populations in the European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition study. European Journal of Clinical Nutrition [Internet]. 2009 Nov 4 [cited 2018 Feb 17];63(S4):S206–25. Available from: https://www.nature.com/articles/ejcn200982

2. Monteiro CA, Cannon G, Moubarac JC, Levy RB, Louzada MLC, Jaime PC. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutr. 2018 Jan;21(1):5–17.

3. Rauber F, Campagnolo PDB, Hoffman DJ, Vitolo MR. Consumption of ultra-processed food products and its effects on children’s lipid profiles: A longitudinal study. Nutrition, Metabolism and Cardiovascular Diseases [Internet]. 2015 Jan 1 [cited 2019 Feb 13];25(1):116–22. Available from: https://www.nmcd-journal.com/article/S0939-4753(14)00260-9/abstract

4. Mendonça R de D, Pimenta AM, Gea A, de la Fuente-Arrillaga C, Martinez-Gonzalez MA, Lopes ACS, et al. Ultraprocessed food consumption and risk of overweight and obesity: the University of Navarra Follow-Up (SUN) cohort study. Am J Clin Nutr [Internet]. 2016 Nov 1 [cited 2019 Feb 13];104(5):1433–40. Available from: https://academic.oup.com/ajcn/article/104/5/1433/4564389

5. Mendonça R de D, Lopes ACS, Pimenta AM, Gea A, Martinez-Gonzalez MA, Bes-Rastrollo M. Ultra-Processed Food Consumption and the Incidence of Hypertension in a Mediterranean Cohort: The Seguimiento Universidad de Navarra Project. Am J Hypertens. 2017 Apr 1;30(4):358–66.

6. Fiolet T, Srour B, Sellem L, Kesse-Guyot E, Allès B, Méjean C, et al. Consumption of ultra-processed foods and cancer risk: results from NutriNet-Santé prospective cohort. BMJ [Internet]. 2018 Feb 14 [cited 2018 Feb 16];360:k322. Available from: http://www.bmj.com/content/360/bmj.k322

7. Vernarelli J, Nuzie K, Melzer D. Ultraprocessed Food Intake Is Associated With Poor Cardiovascular Fitness in US Children and Adolescents. Current Developments in Nutrition [Internet]. 2022 Jun 1 [cited 2022 Jul 3];6(Supplement_1):410. Available from: https://doi.org/10.1093/cdn/nzac054.065

8. Monteiro CA, Cannon G, Levy R, Moubarac JC, Jaime P, Martins AP, et al. NOVA. The star shines bright. World Nutrition [Internet]. 2016 Jan 7 [cited 2018 Feb 17];7(1–3):28–38. Available from: https://worldnutritionjournal.org/index.php/wn/article/view/5