Consumir alimentos com índice glicémico elevado poderá aumentar o risco de recidiva de cancro colo-retal

Tem sido um tema quente na discussão sobre o cancro e os fatores de risco associados. Se por um lado temos vários investigadores que alegam que o consumo de açúcar ou de alimentos com índice glicémico elevado contribui para o desenvolvimento do cancro, outros dizem que essa relação ainda não é clara e chegam mesmo a duvidar que exista algum tipo de consequência no seu consumo. Existem naturalmente alguns dados que não podemos deixar de pensar que contribuem para por uma questão de precaução evitar alimentos com um índice glicémico elevado quando tentamos prevenir ou controlar um cancro.

Desde os anos 30 que sabemos que o açúcar está intimamente relacionado com o metabolismo das células de cancro. Na realidade a glicose é a matéria prima que serve de base para o combustível de todas as células, saudáveis ou não. Mas a forma como as células de cancro obtêm energia a partir dela é diferente. O biólogo Otto Warburg ganhou em 1931 o Prémio Nobel da Medicina por descobrir que o metabolismo dos tumores está inteiramente dependente do consumo de glicose. Enquanto as células saudáveis produzem energia (ATP) a partir da oxidação da glicose, utilizando para isso o oxigénio disponível, as células de cancro fazem-no através da fermentação, excluindo assim a necessidade de oxigénio do processo. Por ser um processo menos eficaz para a obtenção de energia isso significa que vão precisar de mais quantidade de glicose para produzir a mesma energia. Este mecanismo conhecido por glicólise foi aliás explorado para servir de base para o exame PET (tomografia por emissão de positrões). O que o exame faz é após a introdução de glicose devidamente preparada, a máquina consegue detetar quais as regiões do corpo que consomem mais glicose. Se uma das áreas se destacar a causa mais provável é tratar-se de cancro.

Quando consumimos açúcar ou alimentos com um índice glicémico elevado, os níveis de glicose no sangue sobem rapidamente. Essa subida é acompanhada pela descarga imediata de insulina no sangue, hormona responsável pela pela metabolização do açúcar nas células. A acompanhar a insulina é segregada uma outra hormona chamada IGF cujo papel é o de estimular o crescimento das células. Ambas as hormonas promovem assim o desenvolvimento das células fazendo-as crescer mais depressa. Tudo o que promova o crescimento celular deve despertar imediatamente um sinal de alerta quando lidamos com cancro, uma doença caracterizada justamente pelo crescimento descontrolado das células. Além disso tanto a insulina como o IGF-1 promovem os fatores inflamatórios dos quais dependem as células de cancro para se desenvolverem.

Embora se saiba tudo isto ainda não existe um consenso generalizado sobre o papel do consumo de açúcar no desenvolvimento do cancro. Por uma questão de bom-senso somos levados a considerar benéfico uma redução do consumo de açucares simples e alimentos com índice glicémico elevado. De facto com isso conseguimos não só muito provavelmente reduzir o risco de cancro e contribuir para o controlo da doença, como também trazer benefícios para muitas outras doenças associadas ao seu consumo, quer se trate de doenças cardiovasculares ou diabetes. Os estudos que existem que avaliam a relação entre índice glicémico elevado e alguns cancros não são ainda inteiramente conclusivos embora existam alguns resultados de estudos que aprecem indicar uma relação entre o consumo de alimentos com um índice glicémico elevado e um aumento de risco de cancro.

Recentemente, um novo estudo retorna ao centro deste debate e relança a hipótese de que consumir alimentos com índice glicémico elevado não só poderá aumentar o risco de vários cancros, como poderá aumentar o risco de recidiva após tratamento. Este resultado é importante no sentido de contribuir para uma melhor gestão da sobrevivência assim como participação do sobrevivente na sua própria recuperação através de alterações na dieta e estilo de vida. Segundo os resultados de um estudo desenvolvido por investigadores do Dana-Farber Cancer Institute onde foram observados mais de 1000 pacientes com cancro colo-retal em estágio avançado, os sobreviventes de cancro colo-retal cuja dieta seja fortemente baseada em alimentos ricos em hidratos de carbono e açúcares poderão ter mais probabilidades de ter uma recidiva da doença quando comparados com aqueles que têm uma dieta mais equilibrada. Essa associação é mais evidente em pacientes que tenham excesso de peso ou sejam obesos, segundo os autores.

Embora ainda seja cedo para se tirarem conclusões definitivas, Jeffrey Meyerhardt, professor de Medicina na Harvard Medical School e um dos autores do estudo, diz que o “estudo certamente reforça a ideia que a dieta pode impactar a prgressão do cancro colo-retal, e que os pacientes e os seus médicos deveriam considerar isto quando fazem planos após os tratamentos”.

Estudos anteriores mostram que os sobreviventes de cancro colo-retal cuja dieta e padrão de atividade levem a quantidades excessivas de insulina no sangue têm um risco superior de recidiva e morte da doença. Qualquer alimento que apresente um índice glicémico elevado, tais como as farinhas ou cereais refinados, contribui para um aumento nos valores de açúcar no sangue. Meyerhardt e os seus colegas avaliaram os efeitos da dieta “Ocidental” (grandes quantidades de carne, gordura, cereais refinados e sobremesas açucaradas) num estudo anterior, tendo chegado à conclusão que aqueles que seguem esta dieta apresentam uma probabilidade 3 vezes superior de recidiva.

Este novo estudo busca identificar quais os componentes da dieta Ocidental mais responsáveis por estes valores. O estudo envolveu 1011 participantes com cancro colo-retal de estágio III, tendo sido seguida a sua dieta durante o período de observação. Os investigadores avaliaram os níveis de hidratos de carbono presentes nas dietas dos participantes, assim como o seu índice glicémico (um indicador que mede a velocidade a que os níveis de açúcar do sangue sobem após a ingestão de um alimento específico) e a sua carga glicémica (medida que leva em conta a quantidade de hidratos de carbono consumidos), buscando uma relação entre essas medidas e a recidiva de cancro colo-retal. Aqueles que apresentavam valores superiores de carga glicémica e hidratos de carbono revelaram um risco 80% superior de recidiva ou morte quando comparados com aqueles que apresentavam valores inferiores.

Uma razão provável para este relação poderá ter a ver com o papel da insulina e do IGF-1 no desenvolvimento das células de cancro. Meyerhardt sugere que “à luz desta e de outras pesquisas, nós teorizamos que fatores incluindo uma carga glicémica elevada poderá estimular a produção de insulina a qual poderá aumentar a proliferação de células e prevenir o processo natural de morte celular das células de cancro que metastizaram do seu sítio original”. O autor conclui com palavras de deverão ser levadas em conta por parte daqueles que acompanham a recuperação dos seus doentes: “as nossas descobertas poderão oferecer uma orientação útil a pacientes e médicos nas maneiras de aumentar a sobrevivência dos pacientes depois do tratamento”. De facto, esperemos que seja em breve consensual que podemos fazer muito por nós e pela nossa saúde antes, durante e depois de termos um cancro. Para já, e segundo este e outros estudos, talvez seja sensato reduzir ou eliminar o consumo de açúcares simples da nossa dieta e com isso deminuir provavelmente o risco de vários cancros ou das suas recidivas. Nas palavras do próprio investigador “deveríamos substituir alimentos com índice glicémico elevado por alimentos com índices ou cargas glicémicas baixas”.

Segundo as evidências disponíveis, no atual estado de conhecimento, o consumo de carnes vermelhas e processadas está de forma convincente relacionado com um aumento de risco de cancro colo-retal. De acordo com a estimativa do maior relatório desenvolvido sobre a relação entre nutrição e cancro, caso se reduzisse o consumo de carnes vermelhas e processadas e se consumisse mais alimentos ricos em fibras, cerca de 45% de casos de cancro colo-retal poderiam ser evitados.

Referências:

https://www.eurekalert.org/pub_releases/2012-11/dci-shc110612.php

https://www.newswise.com/articles/view/595810/?sc=c9

https://jnci.oxfordjournals.org/content/early/2012/11/02/jnci.djs399.abstract

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17699009

https://www.nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1931/warburg-bio.html

https://www.dana-farber.org/

https://www.dietandcancerreport.org/cup/current_progress/colorectal_cancer.php