“Houston, we have a problem!”… Estas célebres palavras, ditas em 1970 pela tripulação da missão espacial Apollo 13 quando confrontada com um problema elétrico numa das secções da espaçonave onde viajavam, poderiam muito bem ser aplicadas ao atual problema do cancro. Um ano depois dessa expressão de alarme, o Presidente dos EUA, Richard Nixon, declararia uma “Guerra ao Cancro”, destinando uma sólida verba do Estado para a investigação de uma cura para a doença. O facto é que contrariamente às expectativas da época, os avanços são no mínimo modestos, com algumas exceções em que os tratamentos disponíveis são realmente bem-sucedidos. Desde então, toda a pesquisa médica tem-se concentrado em algumas abordagens clássicas, como a quimioterapia, e muitas vezes deixa de lado algumas outras que à partida parecendo promissoras, não têm o suporte financeiro necessário para se avaliar a sua eficácia. De facto, o problema do financiamento representa em si mesmo um reflexo de uma doença social que insiste em colocar no campo das prioridades a perspectiva de um negócio, com os respetivos retornos na forma de lucro para quem decide financiar um estudo clínico. As limitações deste modelo são evidentes. Caso um tratamento novo não represente uma oportunidade de vantagem económica para quem o apoie, dificilmente verá a luz do dia no terreno do mercado da saúde. As doenças que nos afligem têm algures algum tipo de relação com os nossos modelos sociais.

Em Agosto de 2011, um grupo de médicos e cientistas da Universidade da Pensilvânia publicam os resultados de um tratamento que julgam poder vir a ser a revolução dos tratamentos oncológicos. Trata-se de uma vacina de cancro, produzida a partir dos glóbulos brancos do paciente, modificados geneticamente e reintroduzidos no organismo. Para este pequeno estudo de 3 voluntários com leucemia os resultados foram no mínimo suprpreendentes: 2 entraram em remissão completa e o terceiro viu o seu cancro reduzido em 70%. A um dos participantes tinham sido dadas algumas semanas de vida.

Para este tratamento, os investigadores isolaram a partir do sangue da própria pessoa certos tipos de glóbulos brancos que o organismo utiliza para combater o cancro. A partir de uma versão modificada e inofensiva do virus de HIV, introduziram uma série de genes nos glóbulos brancos de forma a dirigir a sua atividade para a destruição das células de cancro. Depois de multiplicadas em laboratório foram reintroduzidas nos pacientes. Estes glóbulos modificados não só perseguem as células de cancro como se multiplicam abundantemente no organismo fazendo assim parte de um batalhão de células imunitárias prontas a perseguir e destruir qualquer célula suspeita que encontrem. Os efeitos secundários são mínimos: alguma febre e dores nas articulações, tal como se pode sentir numa gripe ou numa infeção ligeira.
Perante os resultados, Dr. Carl June, um dos cientistas que pertence à equipa de investigação deixa escapar o seu entusiasmo: “Os resultados do teste preliminar ultrapassa as nossas mais ousadas expectativas!”. Mas perante este facto, porque em primeiro lugar só 3 voluntários fizeram parte do estudo, e porque não voltámos a ouvir notícias sobre a sua evolução? Em primeiro lugar tanto o National Cancer Institute (aquele que deveria ir na linha da frente da procura de solução mais eficazes e menos tóxicas de tratamento) como várias farmacêuticas recusaram-se a financiar o estudo. O financiamento ficou a cargo de uma Fundação criada por um casal que viu a sua nora perder a vida com cancro. O dinheiro foi suficiente para apenas 3 participantes. Poderíamos dizer que o risco associado inicialmente seria motivo suficiente para não se financiar o estudo. O que se torna mais dificil de aceitar é não se disponibilizar imediatamente uma verba quando os resultados iniciais são tão promissores.

 

Dito isto, ficamos sem saber o que se torna mais complicado tratar: o cancro, ou um modelo socioeconómico que espartilha as possibilidades de tratamento em função da sua mais-valia no mercado. É que para o primeiro ainda vão existindo umas vacinas e outras soluções possíveis; mas para o segundo não há vacina que nos valha. É urgente encontrar novas formas de financiamento menos sujeito aos interesses de viabilidade económica no produto final da pesquisa. Pois afinal o verdadeiro produto final destes esforços em encontrar soluções para esta temível doença, serão as incontáveis vidas humanas que delas dependem.

 

O estudo clínico ainda está aberto e a recrutar voluntários: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT01029366?id=NCT01029366&rank=1

 

Estudo Completo:

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1103849#t=article

Notícia original:

https://www.msnbc.msn.com/id/44090512/ns/health-cancer/t/new-leukemia-treatment-exceeds-wildest-expectations/#.T_wJD3DrVSQ