Tratamento de imunoterapia inovador eficaz a tratar leucemias em crianças e adultos

O futuro parece ser o dos tratamentos individualizados. O “graal” de todos os tratamentos será aquele que passa por identificar o perfil genético individual de cada cancro no sentido de atingir alvos precisos sem danificar tecidos saudáveis. Trata-se de atingir com precisão alvos militares sem danos colaterais para a população civil. O que temos hoje disponível consiste numa arma de destruição maciça que compromete seriamente a vida e a sobrevivência posterior da população 

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atingida. Mesmo que sobreviva passarão muitos anos até que os efeitos retroativos deixem de se fazer sentir. Mas no espírito dos avanços que têm sido feitos recentemente, num clima de um certo renascimento das imunoterapias desde que a 1ª vacina de células dendríticas foi aprovada para tratamento de cancro da próstata e o prémio Nobel da Medicina de 2011 foi atribuído postumamente a Ralph Steinman pela descoberta das células dendríticas em 1973, um novo tratamento parece trazer uma luz de esperança para os doentes de leucemia. Existem hoje mais de uma centena de estudos clínicos em curso, com o objetivo de estudar a eficácia destes tratamentos.

Emily Whitehead:

Estávamos em Outubro de 2011 quando o cancro de Emily Whitehead teve uma recidiva pela primeira vez. Esta criança de 7 anos tinha lutado durante mais de um ano contra o cancro infantil mais comum, a leucemia linfoblástica aguda (LLA). Quinze porcento de todas as crianças com este tipo de cancro não respondem ao tratamento convencional. Foi esse o caso de Emily, o que geralmente representa uma probabilidade muito baixa de sobrevivência. Quando confrontados com a situação, os pais procuraram uma segunda opinião médica. Depois de tentarem pela segunda vez um curso intensivo de quimioterapia e a doença ter recidivado novamente a Fevereiro de 2012, os pais sentiram que era tempo de experimentar qualquer coisa diferente. Foi assim que chegaram ao Hospital de Crianças de Filadélfia onde foram convidados a incluir a filha num estudo clínico com um tratamento experimental para leucemias e linfomas de células B.

Emily passou assim a fazer parte de um grupo de 12 voluntários para testar um novo tratamento de imunoterapia. Dessas 12 pessoas que receberam infusões dos seus próprios linfócitos T depois de terem sido modificados geneticamente para atacarem as células de cancro, 9 tiveram uma resposta favorável. O tratamento está a ser desenvolvido por cientistas da Universidade da Pensilvânia. Os participantes, todos com cancros em fase avançada, incluem 10 adultos com leucemia linfocítica crónica e 2 crianças com leucemia linfoblástica aguda. Dois dos primeiros três pacientes tratados no Hospital da Universidade da Pensilvânia continuam saudáveis e em remissão completa mais de dois anos após o tratamento, com as células modificadas ainda em circulação nos seus organismos. Estes resultados são a primeira demonstração bem-sucedida do uso de uma terapia de transferência de genes no sentido de tornar as próprias células do sistema imunitário em armas apontadas às células de cancro. Os resultados abrem caminho para uma potencial mudança de paradigma no tratamento destes tipos de cancros do sangue, com poucas possibilidades de cura em fases avançadas senão através de transplante de medula óssea, o qual representa um procedimento arriscado e sem garantias de sucesso.

Como funciona o tratamento:

O tratamento utiliza células do sistema imunitário extraídas a partir do sangue do paciente, os linfócitos T. Estas células são depois geneticamente modificadas para expressarem uma proteína que irá reconhecer e ligar-se a uma alvo chamado CD19, o qual encontra-se nos linfócitos B cancerosos:

  1. As células de cancro. Os linfócitos B, que se encontram no sistema imunitário, tornam-se cancerosas em certas leucemias e linfomas.
  2. As células saudáveis do sistema imunitário. Os linfócitos T reconhecem e atacam células invasoras doentes.
  3. O problema. As células de cancro escapam à vigilância do sistema imunitário, evitando a deteção por parte dos linfócitos T.
  4. A solução. Neste tratamento experimental, os linfócitos T são recolhidos a partir do sangue do paciente e modificadas em laboratório no sentido de passarem a reconhecer e ligarem-se a uma proteína que só se encontra na superfície dos linfócitos B. Depois desta modificação, estas células passam a ser chamadas de linfócitos T recetores quiméricos de antigénio (chimeric antigen receptor T cells). As células são introduzidas de volta no paciente onde se dispersam de forma a encontrarem linfócitos B cancerosos.
  5. O resultado. Enquanto as células modificadas se multiplicam no organismo, ligam-se e destroem os linfócitos B cancerosos de divisão rápida. Elas permanecem no organismo por muito tempo continuando a buscar e destruir qualquer novo linfócito B canceroso.

Efeitos secundários do tratamento:

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Todas as outras células que não expressem CD19 são ignoradas pelos linfócitos T modificados o que limita os efeitos colaterais tipicamente sentidos durante os tratamentos convencionais. Além da morte das células de cancro, as CAR (células modificadas) induzem a célula a produzir citoquinas que estimulam o crescimento de outros linfócitos T, criando assim um exército que aumenta até todas as células alvo terem sido destruídas. Nos pacientes que tiveram remissão completa após o tratamento, as células CAR exibiram uma grande proliferação após a inoculação. Este efeito levou a que todos os pacientes desenvolvessem um síndrome de libertação de citoquinas caracterizado por febres, náusea, hipoxia e pressão baixa, tratado com um fármaco que bloqueia as citoquinas. Outro dos efeitos colaterais passa pela destruição de linfócitos B saudáveis. Uma vez que estas células são importantes para o sistema imunitário do organismo combater infeções, os pacientes recebem um tratamento preventivo para evitar complicações.

Financiamentos:

Em Agosto de 2012, a Universidade da Pensilvânia e a Novartis anunciaram um acordo para prosseguirem os estudos deste novo tratamento e para a comercialização futura do mesmo. A Novartis adquiriu os dieritos exclusivos do CART-19 previamente conhecido por CTL019. Juntos, a Universidade e a multinacional vão construir um Centro para Terapias Celulares Avançadas (CACT) na Filadélfia, dedicado à descoberta, desenvolvimento e desenvolvimento de imunoterapias através de um projeto conjunto dirigido por cientistas e médicos de ambas as instituições. Este interesse por parte das farmacêuticas vem confirmar a previsão feita pela GlobalData na qual os próximos 6 anos veremos um crescente aumento de interesse nestas novas terapias.

Estudos clínicos:

Atualmente o estudo clínico para esta nova terapia está a decorrer e encontra-se disponível para candidaturas de voluntários que tenham as condições exigidas. Para adultos contactar a Universidade da Pensilvânia. No caso de crianças o Hospital de Crianças da Filadélfia pode ser contactado.

A recuperação de Emily:

Depois dos pais não encontrarem solução possível nos tratamentos convencionais aceitaram correr o risco de participarem no estudo clínico do novo tratamento de imunoterapia. A 17 de Abril de 2012 a Emily tornou-se a primeira criança a ser tratada com o CTL019. Depois de lidarem com os efeitos secundários da terapia conhecidos por síndrome de libertação de citoquinas, 3 meses após o início do tratamento a Emily passou de doente em estado quase terminal para uma situação de remissão completa. Seis meses depois da remissão, a doença continuava sem sinais visíveis com a presença ativa confirmada dos linfócitos T modificados no seu organismo a garantir que nenhuma célula de cancro possa ousar reaparecer. Atualmente a Emily, para a maior alegria possível dos pais, continua saudável, feliz, ocupada com uma rotina normal de vida entre brincadeiras e a escola.

Uma das consequências naturais da evolução destas novas terapias ao longo dos próximos anos, é que estas deixem de ser consideradas como medidad de último recurso e que sejam aplicadas em fases anteriores da doença de forma aumentar a probabilidade de eficácia. Um dos cientistas responsáveis pelo estudo diz que deverá haver uma mudança na forma de pensar estes tratamentos e a admissão em estudos clínicos: “se tivermos um paciente com uma doença de alto-risco para a qual uma terapia de células possa ser necessária, nós deveremos recolher células no momento em que a criança ainda esteja razoavelmente saudável”. Pela primeira vez os cintistas e médicos admitem que este tratamento possa vir a substituir o complexo e arriscado procedimento de transplante de medula óssea. Emily é uma criança que transporta em si a esperança de um futuro próximo onde os tratamentos são mais eficazes e com menos danos colaterais para a pessoa. A imunoterapia nas suas várias aplicações surge como um mensageiro forte desse futuro vitorioso.

Referências:

https://www.uphs.upenn.edu/news/News_Releases/2012/12/tcell/

https://www.uphs.upenn.edu/news/News_Releases/2011/08/t-cells/

https://www.chop.edu/news/new-immune-cell-therapy-reverses-an-aggressive-all.html

https://www.chop.edu/service/oncology/pediatric-cancer-research/t-cell-therapy.html

https://www.chop.edu/service/oncology/patient-stories-cancer/leukemia-story-emily.html

https://www.novartis.com/newsroom/media-releases/en/2012/1631944.shtml

https://www.penncancer.org/Tcelltherapy/

https://www.multivu.com/mnr/50777-chop-engineered-immune-t-cell-therapy-anticancer-effect-in-children