Imunoterapia em 2013: o ano da grande viragem no tratamento do cancro.

A ideia não é nova. Tem na realidade mais de 110 anos. Tudo começou quando no final do séc. XIX William Coley (1862-1936) reparou que a reposta imunológica a uma infeção bacteriológica parecia causar regressão do tumor em alguns pacientes de cancro. A partir dessa observação, Coley começou a tratar doentes infetando-os com alguns tipos de bactérias. Embora tivesse havido alguns casos de sucesso, a sua abordagem nunca chegou a ser adotada de forma alargada.

Estamos no entanto a chegar a um ponto de inflexão no que diz respeito à utilização da imunoterapia no combate ao cancro. O conceito é simples e elegante: treinar o sistema imunitário para destruir as células de cancro. O foco passa assim a ser os recursos inatos do doente e não tanto a doença. A complexidade surge na transição da teoria para a prática. Nos últimos anos têm sido muitos os avanços na compreensão do funcionamento do sistema imunológico e dos seus mecanismos de regulação.

O problema com as imunoterapias tem em parte a ver com o facto de haver muitas diferenças nos resultados observados, funcionando muito bem para algumas pessoas, mas com poucos ou nenhuns resultados para outras. O passado está repleto de estudos clínicos a vacinas de cancro fracassados. No entanto, de acordo com investigadores como o ilustre imunologista Drew Pardoll, agora que já se adquiriu mais conhecimentos acerca das moléculas e células envolvidas na ativação do sistema imunitário, podemos estar à beira de um tempo no qual vacinas de cancro passarão a ser tratamentos de 1ª linha. De acordo com o investigador, três acontecimentos marcam este período de transição importante para a imunoterapia:

  • A aprovação da vacina sipuleucel-T (Provenge) de células dendríticas para o tratamento de cancro da próstata;
  • A aprovação do Ipilimumabanticorpo que desativa um mecanismo de inibição do sistema imunológico (CTLA-4);
  • Resultados muito promissores com um anticorpo que bloqueia um mecanismo inibidor presente nos tumores (PD-1).

Existem atualmente centenas de estudos clínicos para vários tipos de imunoterapia a decorrer, sendo que cerca de 33 destes estudos encontram-se na fase III, a última fase antes de um tratamento ser aprovado e passar a estar disponível para todos os doentes.

Imunoterapias atualmente em estudos clínicos de Fase III

Para relembrar: a imunoterapia procura estimular e mobilizar os recursos inatos do sistema imunitário com o objetivo de combater o cancro. Devido às capacidades únicas do sistema imunitário, estas terapias poderão representar um potencial superior às terapias correntes uma vez que podem oferecer uma proteção a longo-prazo contra a doença com menos efeitos secundários.

Nem todas as imunoterapias funcionam da mesma maneira. Algumas estimulam a capacidade natural do sistema imunitário em combater o cancro removendo obstáculos à sua ação, outras aumentam o poder mortífero das células imunitárias do paciente, enquanto algumas sinalizam as células de cancro de forma a serem destruídas pelo sistema imunitário. Os investigadores, ao identificarem as várias formas de estimular uma resposta imunitária procuram agora combinar vários tratamentos que incidem em cada um destes mecanismos. Por exemplo, poderia ser possível desenvolver um tratamento que “libertasse os travões” do sistema imunitário enquanto em simultâneo “carregasse no acelerador” no sentido de aumentar o poder destrutivo das células imunitárias.

Os linfócitos T são células naturalmente capazes de destruir células de cancro. No entanto, muitos tumores desenvolvem métodos sofisticados de impedir que esses linfócitos T funcionem. Uma das formas de isso acontecer passa pelo facto de estes linfócitos quando se encontram no microambiente em torno do tumor expressarem à sua superfície níveis elevados de moléculas que funcionam como travões, tornando-as lentas e impedindo-as de agirem de forma agressiva, como seria desejável. Essa descoberta levou os investigadores a procurar formas de contrariar estas moléculas inibidoras.

A história destas proteínas começou em 1987 quando investigadores descobriram um gene a que chamaram CTLA4. No entanto, foram precisos 8 anos antes que a função de regulação do CTLA4 fosse descoberta, e mais 16 anos de pesquisa para que esse conhecimento fosse traduzido numa terapia clinicamente eficaz: um anticorpo que tem como alvo o CTLA4, o ipilimumab. Depois de se ligar ao CTLA4 na superfície dos linfócitos T, o ipilimumab liberta os travões desses linfócitos, estimulando-os à ação. O ipilimumab foi o 1º tratamento conhecido na história a prolongar a sobrevivência em pacientes com melanoma metastizadotendo sido aprovado em Março de 2011.

Em alguns pacientes, os efeitos do ipilimumab produzem efeitos duradouros ao longo do tempo. De facto, cerca de 1 em cada 5 pacientes tratados com apenas 4 doses do anticorpo ainda têm benefícios mais de 4 anos após completarem o tratamento. Alguns resultados preliminares sugerem que o ipilimumab possa ser benéfico no tratamento do cancro do pulmão e cancro da próstata em fase avançada, mas estes resultados precisam de ser verificados em estudos maiores.

Os sucessos com o anticorpo ipilimumab motivou os investigadores a desenvolverem terapias que tenham como alvo outra proteína reguladora chamada PD-1, assim como a proteína à qual a PD-1 se liga, a PDL-1. Os primeiros resultados com a utilização destes tratamentos têm sido encorajadores, com vários estudos clínicos atualmente a decorrer. Um dos anticorpos que tem como alvo a PD-1, o nivolumab, tem tido vários resultados promissores em cancros como o do pulmão, melanoma e rim. A PD-1 foi trazida à atenção dos imunologistas de cancro como um possível alvo para a imunoterapia por Drew Pardoll, professor em Johns Hopkins.

Se utilizarmos a analogia de um carro, enquanto algumas imunoterapias libertam os travões que inibem os linfócitos T de atacar as células de cancro, outras funcionam como se pisassem no aceleradorestimulando o sistema imunitário a atacar essas células. As vacinas de cancro representam uma forma de se conseguir uma resposta desse tipo, treinando o sistema imunitário e ensinado-o a reconhecer e destruir o tumor. As vacinas de células dendríticas atuam dessa maneira. Até agora a única vacina aprovada para esse fim é a sipuleucel-T (Provenge).

As vacinas de cancro representam atualmente uma área de intensiva investigação com várias centenas de estudos clínicos a decorrer. Algumas dessas vacinas baseiam-se na utilização das células dendríticas do próprio paciente, tal como a sipuleucel-T, com alguns resultados preliminares encorajadores para vários cancros, como por exemplo o cancro colo-retal. Outras atuam de forma diferente, tal como a PROSTVAC, atualmente a ser estudada em estudo clínico depois dos resultados preliminares terem mostrado benefícios para homens com cancro da próstata avançado.

Outro estudo clínico de vacinas de cancro recente que tem tido bons resultados preliminares trata-se de um tratamento que combina duas vacinas para o tratamento de cancro do pâncreas avançado (GVAX Pancreas e CRS-207). As duas vacinas trabalham em conjunto de formas diferentes no tipo de estímulo que provocam no sistema imunitário do doente. O facto dessa combinação resultar melhor do que a utilização de uma vacina isoladamente dá também um indicador importante para utilizações futuras de combinações de imunoterapias diferentes.

Uma das imunoterapias em desenvolvimento recente tem mostrado ser muito promissora para o tratamento de leucemias em adultos e crianças. Vários doentes que fizeram este tratamento, incluindo o conhecido caso das meninas Maddie Major e Emily Whitehead, estão em remissão completa até hoje, depois dos tratamentos convencionais terem falhado.

Neste tipo de imunoterapia (adotiva), os linfócitos T são recolhidos a partir do paciente e geneticamente modificados em laboratório de forma de forma a ligarem-se às células de leucemia atacando-as de seguida. O número de linfócitos T modificados (células CAR T) é expandido em laboratório antes de serem administrados ao paciente. Enquanto o conhecimento sobre o funcionamento dos linfócitos T aumenta, espera-se que novas imunoterapias adotivas surjam num futuro próximo.

E se dúvidas havia que a imunoterapia veio para ficar e que representa, no momento em que nos encontramos da investigação, um ponto de não-retorno, a mais prestigiada revista americana de ciência (Science), elegeu a imunoterapia para o tratamento do cancro como o avanço mais importante de 2013. O artigo é aberto pelas palavras esperançadas de quem anuncia uma boa-nova: “Este ano marca um ponto de viragem no cancro, agora que os esforços há muito procurados de soltar o sistema imunitário contra os tumores estão a valer a pena, mesmo que o futuro permaneça um ponto de interrogação”.

O artigo continua, dando conta de como a imunoterapia passou todos os testes, fortalecendo o seu lugar de destaque no tratamento do cancro:

“Nós concluímos que a imunoterapia do cancro passa o teste. Fá-lo porque este ano estudos clínicos cimentaram o seu potencial em pacientes e fizeram vacilar até os céticos. O assunto está cheio de histórias de vidas prolongadas: a mulher com um tumor do tamanho de uma toranja no seu pulmão de um melanoma, viva e saudável 13 anos depois; a menina de 6 anos à beira da morte por leucemia, agora no 3º ano e em remissão; o homem com cancro do rim metastizado cuja doença continua a desaparecer mesmo depois do tratamento ter terminado.

Enquanto as histórias se acumulam, existe também outra camada, um sentimento de paradigmas a mudar. A imunoterapia marca uma forma inteiramente nova de tratar o cancro – tendo como alvo o sistema imunitário e não o tumor em si. Os oncologistas, bem realistas como são, dizem que uma esquina foi dobrada e que já não voltaremos atrás.”

Drew Pardoll

Podemos esperar em tempos muito próximos grandes mudanças na forma como tratamos o cancro. O facto da medicina estar a voltar-se para o indivíduo, estimulando os seus próprios recursos para combater a doença, representa também uma perspectiva inteiramente nova, com enormes implicações no papel que cada um de nós tem nos seus processos de cura e de prevenção da doença. Drew Pardoll deixa-nos com palavras de esperança, agora fundadas em cada vez mais consistentes evidências. E também não deixa de nos alertar para os problemas de um sistema baseado em interesses que tantas (demasiadas) vezes se sobrepõem aos valores mais fundamentais da vida:

“Quando eu era um estudante de oncologia, fui ensinado que existiam três pilares no tratamento do cancro: cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Eu tenho tanta confiança no potencial da imunoterapia que penso que os anos entre 2010 e 2015 serão vistos historicamente como o tempo em que a imunoterapia se tornou o quinto pilar do tratamento do cancro. Existem barreiras para que isto se torne uma realidade, mas já não são científicas. São regulatórias e financeiras. Para usar uma analogia militar, nós temos as armas mas não os fundos para testar ou manufaturá-las rápido o suficiente“.

Que os anos vindouros sejam o advento de um novo tempo no tratamento e na prevenção do cancro é o que desejamos para este final de 2013. Que a boa-nova rapidamente se converta em realidade acessível para todos!

Referências:

https://cancerprogressreport.org/2013/Documents/2013_AACR_CPR_FINAL.pdf

https://www.sciencemag.org/content/342/6165/1432.full

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23666915

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22547592

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23535954

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3812363/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2834462/

https://www.chop.edu/service/oncology/pediatric-cancer-research/t-cell-therapy.html

https://www.uphs.upenn.edu/news/News_Releases/2013/12/ctl019/

https://www.cancer.gov/cancertopics/druginfo/fda-ipilimumab

https://www.yervoy.com/patient.aspx

https://www.penncancer.org/Tcelltherapy/

https://www.onclive.com/publications/obtn/2013/November-2013/Novel-Vaccine-Induces-Durable-Remissions-in-Patients-With-Advanced-Lymphoma

https://www.onclive.com/conference-coverage/nyl-2013/PD-1-and-PD-L1-Inhibitors-Expected-to-Change-the-Landscape-of-Lung-Cancer-Treatment