Frutos vermelhos poderão ser eficazes contra vários cancros

Dizia-se em tempos, em plena ocupação romana, que seriam todos os caminhos que iriam dar a Roma. O cancro comporta-se como um Império ávido de conquista e de crescimento sem limites. Como tal, são muitas as necessidades que tem e as estratégias que utiliza para cumprir os seus objetivos. São muitos os caminhos e mecanismos que utiliza para criar condições ao seu desenvolvimento. Essa sua capacidade estratégica de sobrevivência tem dado muito trabalho aos investigadores que procuram perceber e entrar na “mente” deste hábil general. Os alimentos, enquanto eficazes agentes de quimioprevenção (agentes presentes nos alimentos capazes de prevenir a iniciação de lesões pré-malignas, a sua progressão para o cancro ou recidiva de cancro), têm a particularidade de agir sobre inúmeros mecanismos da carcinogénese. De facto, o alimento completo, por ser ele próprio um sistema complexo de substâncias e nutrientes em interação dinâmica, podem agir sobre o metabolismo do cancro em várias frentes em simultâneo. A abordagem clássica de investigação está baseada numa tentativa de isolar um constituinte pelas suas propriedades terapêuticas e convertê-lo num medicamento. Muito provavelmente essa abordagem fica incompleta quando se trata de uma doença que contém tantos mecanismos associados.

Nos alimentos existe uma autêntica sinfonia de substâncias, capazes de interferir com dezenas de mecanismos diferentes, tais como: a apoptose, a proliferação, a inflamação, o ciclo celular, a reparação da célula, a angiogénese, a produção de enzimas, entre outros. Além disso, a própria expressão dos genes pode ser alterada através dos alimentos que consumimos. Pesquisas sugerem, por exemplo, que uma mistura de substâncias presentes nas amoras, podem inibir o desenvolvimento do cancro de forma mais eficaz do que através de agentes individuais focados em desativar um gene em particular. Investigadores da Universidade de Ohio, liderados pelo professor Gary D. Stoner, examinaram os efeitos de framboesas negras em genes alterados por um químico cancerígeno num modelo animal do cancro do esófago. Dos mais de 2200 genes afetados pelo químico, 462 foram normalizados nos animais que consumiram o composto concentrado de amoras. Stoner diz mesmo que “claramente foi demonstrado que os frutos vermelhos, contendo uma variedade de compostos anticancerígenos, têm um efeito muito abrangente na expressão de genes envolvidos no desenvolvimento do cancro”. A maior parte dos genes que recuperaram a sua função normal através do concentrado de framboesas, estão associados à proliferação das células, apoptose, o crescimento de novos vasos sanguíneos e outros processos que contribuem para o desenvolvimento do cancro. O tecido parecia ter um aspeto mais normal e saudável. O investigador refere também a importância de conjugar vários agentes num só, de forma a se obterem mais resultados nos seus efeitos quimiopreventivos.

Os componentes principais presentes nestes frutos na sua ação quimiopreventiva poderão ser os antocianinos, uma classe de substâncias pertencentes à família dos flavonóides. Estes mesmos investigadores da Universidade de Ohio observaram que as antocianinas inibem o crescimento e estimulam a apotose (morte programada da célula) no cancro do esófago em ratos. Outra das substâncias identificada pela equipa de Gary Stoner, que estuda as propriedades quimiopreventivas dos frutos vermelhos há mais de duas décadas, é um polifenol chamado ácido elágico. Segundo estudos desenvolvidos por esta equipa, uma dieta de concentrado de amoras inibiu o crescimento do cancro do esófago 30 a 70% e do cancro do colon até 80%.

Um outro estudo, desenvolvido na Universidade de Illinois sugere que as amoras podem ser eficazes a prevenir cancro colo-retal. A pesquisa utilizou dois modelos animais, os quais por terem um gene desativado desenvolvem tumores intestinais ou colite (inflamação do intestino que pode contribuir para o desenvolvimento do cancro colo-retal). Ambos os grupos foram alimentados com uma dieta típica ocidental e suplementados com concentrado de amoras durante 12 semanas. No primeiro grupo a incidência dos tumores diminuiu 45% e o número de tumores diminuiu 60%. No segundo a incidência e o número de tumores diminuiu 50%. Além disso, as amoras inibiram o desenvolvimento dos tumores reduzindo a inflamação crónica associada com a colite. Este último aspeto torna-se muito relevante por ter aplicações noutras enfermidades relacionadas com a inflamação, tal como as doenças cardiovasculares. O autor do estudo, Wancai Young, espera agora financiamento para iniciar estudos clínicos em humanos.

No cancro da mama também parece haver elementos suficientes para afirmar haver benefícios no consumo de frutos vermelhos. Em estudos animais onde se avaliaram os efeitos de mirtilos e amoras em tumores de cancro sensíveis ao estrogénio, uma dieta de 6 meses com estes frutos reduziu o volume do tumor nos ratos em 70%. A investigadora Harini Aiyer da Georgetown University School of Medicine, observou também que ao adicionar ácido elágico a células de cancro da mama tratadas com o fármaco Tamoxifen, estas tornavam-se menos resistentes aos efeitos do medicamento. “Se virmos o estrogénio como o combustível de alguns cancros da mama que faz o carro avançar, poderemos utilizar o ácido elágico, que funciona como um anti-estrogénio, para interromper o abastecimento de combustível ou até mesmo parar o motor”, explica Aiyer. Além dos efeitos anti-estrogénicos, os fitoquímicos presentes nos frutos vermelhos poderão inibir o desenvolvimento do cancro da mama prevenindo danos e melhorando a reparação do ADN.

Um dos estudos conclui que para se obterem os mesmos resultados observados no modelo animal, seria necessário consumir cerca de 1/2 a 1 chávena destes frutos frescos ou congelados diariamente. Segundo Gary Stoner, poderá haver vantagem em consumir uma variedade grande de frutos vermelhos. Aiyer igualmente sugere o consumo destes frutos numa base diária e refere a importância de se obterem os benefícios do alimento completo. É justamente a combinação dos vários componentes dos frutos vermelhos que parece ser mais eficaz na prevenção do cancro. Os estudos desta investigadora, por exemplo, mostraram que uma dieta de amoras é mais eficaz a reduzir os tumores mamários do que uma dieta de ácido elágico isolado. De acordo com Aiyer isso deve-se ao facto das antocianinas destes frutos terem uma ação sinérgica com o ácido elágico aumentando as suas propriedades. Congelado ou ao natural, além de muito saborosos e versáteis, consumir regularmente frutos vermelhos deverá fazer parte da nossa dieta diária.

Referências:

https://www.aacr.org/home/public–media/aacr-press-releases/press-releases-2009.aspx?d=1237

https://cancerpreventionresearch.aacrjournals.org/content/3/11/1443

https://www.mcw.edu/Hemonc/faculty/StonerGaryMDPhD.htm#.UGBOkaTybIU

https://www.springerlink.com/content/m153753n373v744k/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18444155

https://www.sciencedaily.com/releases/2008/08/080827163933.htm

https://www.sciencedaily.com/releases/2010/11/101102131833.htm

https://preventcancer.aicr.org/site/News2?page=NewsArticle&id=21907&news_iv_ctrl=2302

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2769015/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3024548/