Pregnant-Art-2Recentemente a OMS concluiu um relatório (State of the Science of Endocrine Disrupting Chemicalsno qual alerta para os potenciais perigos dos efeitos dos chamados disruptores endócrinos (substâncias interferem com a ação normal das hormonas) e para a necessidade de se investigar melhor o seu real impacto sobre a saúde humana e o ambiente. O estudo, sendo o mais completo relatório acerca dos DEs até à data, realça algumas “associações entre a exposição aos DEs e problemas de saúde, incluindo o potencial de tais químicos poderem contribuir para o cancro da mama em mulheres, cancro da próstata em homens, alterações no sistema nervoso em crianças, hiperatividade e défice de atenção em crianças e cancro da tiróide“.

Durante os últimos 10 anos houve uma mudança significativa da investigação da associação entre a exposição de adultos aos DEs para a relação entre doenças que surgem mais tarde na vida e a exposição durante períodos críticos do desenvolvimento. Isto é agora considerada a abordagem mais apropriada para a maioria das doenças endócrinas e disfunções. Os dados obtidos a partir de modelo animal e estudos em humanos mostram que a exposição a DEs durante a gestação e puberdade têm um papel no aumento da incidência das doenças reprodutivas, cancros hormono-dependentes, problemas de aprendizagem e comportamento, infeções, asma e talvez obesidade e diabetes. De facto, as crianças representam o grupo mais vulnerável à exposição aos DEs.

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Um estudo recente vem confirmar em modelo animal a relação que existe entre a exposição precoce a um destes disruptores endócrinos (BPA – Bisfenol A) e o risco elevado de cancro da próstata em idade adulta. De acordo com a autora do estudo, Gail Prins, este é o primeiro estudo que demonstra de forma direta que a exposição ao BPA, substância que se encontra em garrafas de plástico ou no revestimento interior das latas, durante o desenvolvimento aumenta o risco de cancro da próstata em tecidos humanos. Os níveis de concentração que foram estudados são os mesmos que existem no nosso ambiente quotidiano. O aumento de risco pode ser observada em células estaminais da próstata que se tornam mais sensíveis ao estrogénio numa fase precoce do desenvolvimento através da exposição ao BPA.

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Garrafas de plástico são fonte de BPA.

A exposição a substâncias como o BPA com a capacidade de interferir com o sistema hormonal tornou-se muito comum, muitas das quais ainda nem sequer se conhecem todos os seus malefícios. Na realidade de acordo com a OMS, cerca de 800 químicos são suspeitos ou capazes de interferir com os recetores hormonais, a síntese ou a conversão das hormonas. No entanto, apenas uma pequena fração destes químicos foram estudados em testes capazes de identificar os seus efeitos endócrinos em organismos. 

As células estaminais têm uma grande longevidade e passam a sua sensibilidade adquirida ao estrogénio aos tecidos da próstata que produzem ao longo da vida. Uma vez que o cancro da próstata é estimulado em parte pelos níveis mais elevados de estrogénio nos homens ao envelhecerem, a sensibilidade superior ao estrogénio dos tecidos da próstata torna o desenvolvimento do cancro muito mais provável, de acordo com Prins. A investigadora diz que “estudos de mulheres grávidas nos EUA mostram que mais de 95% delas acusam a presença de BPA na urina, o que significa que ingeriram estes compostos recentemente. O trabalho de Prins levou a que se proibisse a venda de biberões e copos que contivessem BPA em Chicago, no ano de 2009.

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Durante a gestação o risco é maior.

Estudos anteriores de Prins em modelo animal mostraram que a exposição a níveis elevados de estrogénio ou BPA durante a gestação aumenta a probabilidade de cancro da próstata em adulto. Para determinar se esta ligação também se verifica em humanos, Prins desenvolveu um novo modelo animal no qual se usam células estaminais da próstata implantadas em ratos. A partir dessas células os ratos desenvolveram tecido da próstata humano. Para imitar a exposição ao BPA durante o desenvolvimento precoce da próstata, Prins alimentou os ratos com BPA durante as duas primeiras semanas após o transplante, em doses semelhantes aquelas que se observam em mulheres americanas grávidas. O tecido então amadureceu durante um mês até se tornar semelhante a tecido da próstata humano.

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Os recibos são fonte de BPA.

De seguida, Prins expôs os ratos a níveis elevados de estrogénio durante cerca de 2 a 4 meses, de forma a imitar o aumento normal de estrogénio observado em homens em envelhecimento. Sinais de cancro desenvolveram-se no tecido humano da próstata em cerca de 1 terço dos ratos alimentados com BPA. Nos ratos não alimentados com BPA observou-se o desenvolvimento de cancro em 12% dos animais. Caso as células estaminais fossem expostas ao BPA antes do implante e durante o desenvolvimento, 45% dos ratos mostraram sinais de cancro. Prins explica que os investigadores acreditam que “o BPA reprograma as células estaminais de forma a tornarem-se mais sensíveis ao estrogénio ao longo da vida, levando a uma suscetibilidade superior ao longo de toda a vida a doenças incluindo o cancro”.

A mesma ideia é desenvolvida no mencionado relatório da OMS, no qual se pode ler que nos adultos, as hormonas ou os DEs têm um efeito enquanto estão presentes, o qual desaparece quando as mesmas desaparecem, um pouco à semelhança com o efeito do açúcar na produção de insulina a qual deixa de acontecer quando os níveis de açúcar estão baixos. Por outro lado, a exposição a hormonas ou DEs durante o desenvolvimento (gestação e infância) pode ter efeitos permanentes se a exposição ocorre durante o período no qual um tecido específico se está a desenvolver. Os efeitos podem tonar-se visíveis apenas décadas mais tarde. Quando um tecido se está a desenvolver é mais vulnerável à ação das hormonas e portanto dos DEs. Se um DE estiver presente durante um desses períodos poderá desregular os níveis normais das hormonas, levando a alterações no desenvolvimento as quais poderão conferir sensibilidade acrescida a doenças mais tarde na vida.

Latas de alimentos são fonte de BPA.

Latas de alimentos são fonte de BPA.

Além disso, o problema dos riscos associados à exposição a estas substâncias agrava-se pelo facto de estarmos expostos a muitas delas em simultâneo no nosso ambiente. Essa exposição contínua e múltipla pode representar um risco adicional pela sinergia que acontece entre as várias substâncias. Aliás, o problema dos limites de segurança que existem estabelecidos para os níveis considerados seguros para a saúde humana prende-se com o facto de dizerem respeito a substâncias isoladas, não levando em conta o efeito cumulativo e sinérgico entre elas.

Um estudo recente analisou a exposição a substâncias tóxicas múltiplas em crianças. Os autores deste estudo compararam o consumo de substâncias tóxicas com as referências estabelecidas para o risco de cancro e de outros problemas de saúde.Todas as 364 crianças (207 em idade pré-escolar e 157 em idade escolar) apresentavam valores superiores aos de segurança para o arsénico, dieldrina, DDE e dioxinas. Além disso, mais de 95% das crianças em idade pré-escolar excederem os valores de segurança de acrilamida, um sub-produto encontrado em alimentos como a batata-frita. O que este estudo traz como grande contributo é o facto de avaliar o efeito cumulativo de substâncias tóxicas na saúde a longo-prazo nas crianças, uma vez que os valores de segurança que temos baseiam-se na exposição a substâncias individuais sem levar em conta o facto de estarmos expostos continuamente a múltiplas substâncias.

Confirmando esta ideia de efeito sinérgico entre substâncias, outro estudo mais recente desenvolvido na Texas Tech University descobriu que dois carcinogénicos conhecidos, o arsénico e o estrogénio, quando presentes em simultâneo, mesmo em níveis considerados seguros para os humanos caso se encontrassem de forma isolada, podem causar cancro em células da próstata. Os investigadores verificaram que a combinação dos dois químicos aumentava em quase o dobro a probabilidade de criar cancro em células da próstata. De acordo com Kamaleshwar Singh, professor na mesma universidade, estes resultados podem ter um impacto na regulação dos níveis considerados seguros para a saúde destas e outras substâncias.

Escolher sempre biberãos que sejam isentos de BPA.

Escolher sempre biberões que sejam isentos de BPA.

A escolha do estrogénio para o estudo deve-se ao facto desta substância se encontrar em grande abundância no ambiente, em particular através do efeito estrogénico dos disruptores endócrinos. Ao contrário de químicos que fazem grandes danos ao ADN das células, tal como o benzeno, o arsénico e o estrogénio não são muito mutagénicos. No estudo realizado, células da próstata de humanos foram tratadas cerca de uma vez por semana durante 6 semanas com arsénico, estrogénio e uma combinação dos dois. Muitos dos testes envolveram níveis dessas substâncias considerados seguros. De acordo com os autores, os dois químicos inibiram a expressão do gene MLH1, o qual é responsável por enviar um sinal de forma a dar-se início à sequência de auto-destruição de uma célula quando esta está danificada. Ao não ser possível ativar esta sequência, a célula torna-se cancerosa após a exposição.

 

Bisfenol A (BPA)

O BPA é utilizado em garrafas de plástico, recipientes de plástico para comida, material dentário, latas assim como recibos e faturas impressos nos locais de venda. O BPA é um conhecido DE e vários estudos mostram que animais expostos a baixas concentrações têm taxas elevadas de diabetes, cancros da mama e próstata, diminuição de espermatozóides, adolescência precoce, obesidade e problemas neurológicos. Um grande corpo de evidências indicam que o BPA pode desregular o sistema endócrino em concentrações muito baixas. Em concentrações muito baixas o químico causa alterações permanentes nas células da mama e da próstata que precedem o cancro, resistência à insulina e vários outros problemas de saúde.

 

Referências:

https://apps.who.int/iris/bitstream/10665/78102/1/WHO_HSE_PHE_IHE_2013.1_eng.pdf

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3551655/

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/pros.22701/abstract

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2442886/#!po=7.14286

https://www.niehs.nih.gov/health/topics/agents/sya-bpa/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1280330/

https://news.uic.edu/bpas-and-prostate-cancer