Consumir carnes processadas aumenta o risco de morte prematura

O consumo de carne vermelha e em particular de carnes processadas tem sido sistematicamente associado a um aumento de mortalidade e risco de cancro além de outras doenças. Segundo as evidências disponíveis, no atual estado de conhecimento, o consumo de carnes vermelhas e processadas está de forma convincente relacionado com um aumento de risco de cancro colo-retal. De facto, segundo a estimativa do maior relatório desenvolvido sobre a relação entre nutrição e cancro, caso se reduzisse o consumo de carnes vermelhas e processadas e se consumisse mais alimentos ricos em fibras, cerca de 50% de casos de cancro colo-retal poderiam ser evitados. As evidências existentes tornaram possível ser consensual entre várias instituições de saúde pública, a recomendação de se reduzir o consumo de carnes vermelhas e evitar as processadas.

Em 2012 foram publicados os resultados de um importante estudo desenvolvido pela Harvard. Os investigadores deste estudo, incluindo o autor e professor Frank Hu, observaram mais de 37000 homens participantes do Health Professionals Follow-up Study por cerca de 22 anos, e mais de 83000 mulheres, participantes do Nurses’ Health Study por cerca de 28 anos. Ficou estabelecida uma relação entre o consumo regular de carne vermelha e processada e um aumento de risco de morte precoce. Um porção diária de carne vermelha (do tamanho de um baralho de cartas) está associada a um aumento de 13% na mortalidade e uma porção semelhante de carnes processadas (um hotdog ou duas fatias de bacon) está associada a um aumento de 20% na mortalidade. Especificamente em relação ao cancro, o consumo destes alimentos aumenta o risco de morte precoce por cancro em 10% para as carnes vermelhas e 16% para as carnes processadas.

Mais recentemente, um estudo com quase meio milhão de participantes, mostra haver uma associação entre o consumo de carnes processadas e cancro, além de doenças cardiovasculares. O estudo, publicado na revista BMC Medicine, calcula que cerca de 3.3% de mortes poderiam ter sido evitadas se os participantes consumissem menos de 20 gramas de carne processada por dia. Para se chegarem a estes resultados foram utilizados dados do estudo EPIC (European Prospective Investigation into Cancer an Nutrition) obtidos a partir de cerca de 450000 participantes de 10 países europeus. Os participantes com idades compreendidas entre os 35 e os 69 anos livres de doença no início do estudo, foram seguidos ao longo de 13 anos. Aqueles que consumiram maiores quantidades de carnes processadas apresentaram um risco superior de morte prematura quando comparados com aqueles que consumiram doses moderadas. Por cada 50 gramas de carne processada consumida por dia (um cachorro quente), houve um risco 18% superior de morrer ao longo do estudo.

Aqueles que consumiram mais carnes vermelhas e processadas também consumiram menos frutos e vegetais comparados com os que consumiram menos quantidade desses alimentos. Além disso muitos desses indivíduos são com maior frequência fumadores. Os autores do estudo referem que estes fatores podem ter influência nos resultados mas também assinalam o facto de que muitos estudos epidemiológicos encontram repetidamente uma relação entre um consumo elevado de carne e morte prematura.

Especificamente para o cancro colo-retal, um dos cancros mais diretamente relacionado com o consumo de carnes vermelhas e processadas, consumir mais de cerca de 500 gramas de carne vermelha por semana (um pequeno hamburguer por dia) aumenta o risco. Qualquer quantidade de carne processada consumida regularmente aumenta o risco, daí que o AICR, ou mesmo o ACS, recomendem evitar-se o consumo de carnes processadas, por não haver uma quantidade mínima de segurança sem que isso represente risco.

Convém relembrar que estas recomendações fazem parte de um grupo de 10 que segundo este relatório, caso fossem respeitadas, isso significaria 30 a 40% de episódios de cancro que seriam evitados. Estas recomendações são hoje transversais às principais instituições de saúde pública, tal como a American Cancer Society:

De acordo com a AICR/WCRF, carnes processadas são todas aquelas (vermelhas ou brancas) que tenham sido conservadas através de métodos como fumar, curar ou salgar ou a adição de conservantes químicos. Fiambre, bacon, salsichas, presunto, chouriço, entre outros, são considerados carnes processadas. Não se tem ainda uma certeza sobre quais os componentes exatos destes alimentos responsáveis pelos efeitos no cancro. Pensa-se que poderá ser por causa dos nitratos e nitritos presentes nestes produtos, o sal, as altas temperaturas utilizadas nos processos de fabrico ou o ferro heme das carnes vermelhas.

No que diz respeito à prevenção do cancro, não só importa o que se exclui da dieta, como o que se inclui. Sabemos que a maior parte das substâncias quimiopreventivas encontram-se nos alimentos de origem vegetal. Quando substituímos alimentos como as carnes vermelhas, que aumentam o risco de alguns cancros, por proteínas vegetais, ricas em nutrientes, fitoquímicos e fibra, obtemos assim um duplo benefício. O estudo da Harvard que avaliou o consumo de carnes vermelhas em relação à mortalidade, buscou perceber qual o benefício associado a diferentes fontes de proteína. quando se substitui uma porção de carne vermelha por outra mais saudável temos um risco inferior de morte precoce nos seguintes valores: 7% para o peixe, 14% para as aves, 10% para os laticínios magros, 10% para as leguminosas e 14% para os cereais integrais. Mas aquele que se destacou no estudo foram as oleaginosas estando associadas a uma diminuição de 19% de risco de morte precoce. Os investigadores estimam que 9,3% de mortes nos homens e 7,6% no final do estudo poderiam ter sido evitadas se os participantes tivessem consumido menos do que 0,5 porções diárias de carne vermelha. Estes resultados levam o investigador Frank Hu a concluir que “este estudo dá-nos a clara evidência que o consumo regular de carne vermelha, especialmente carnes processadas, contribui substancialmente para a morte precoce. Por outro lado, escolher fontes mais saudáveis de proteína em substituição da carne pode conferir benefícios para a saúde significativos reduzindo a mortalidade por doença crónica”.

Um estudo recente financiado pelo National Cancer Institute sugere que as dietas vegan (sem produtos animais) poderão ser a forma mais eficaz de prevenção do cancro. Já sabíamos que dietas predominantemente vegetarianas reduzem o risco de cancro mas este estudo sugere que uma dieta vegan pode ser ainda mais eficaz. Mulheres vegan, por exemplo, têm 34% menos probabilidade de virem a ter cancro da mama ou do ovário, mesmo quando comparado com indivíduos com uma dieta responsável, de acordo com os resultados do estudo. A mensagem tem sido clara e uniforme em todas as evidências: existem benefícios evidentes na substituição de produtos animais por produtos vegetais. É uma decisão benéfica para nós e para o planeta.

De acordo com as evidências disponíveis podemos prevenir cerca de 50% dos casos de cancro colo-retal, caso seguíssemos as seguintes recomendações da AICR:

  1. Comer uma variedade de frutos, vegetais e cereais integrais. Estes alimentos contêm vitaminas, minerais, fitoquímicos e fibra, um importante componente na prevenção do cancro colo-retal. Por cada 10 g de fibra consumida diariamente (menos do que uma chávena de feijões) o risco deste cancro diminui 10%.
  2. Beber com muita moderação, ou não beber de todo. Se optar por beber não exceder mais do que uma bebida por dia para as mulheres e duas para os homens.
  3. Reduzir o consumo de carnes vermelhas e evitar carnes processadas. Limitar o consumo a não mais do que 500 g de carne vermelha por semana. A pesquisa mostra que o consumo de carnes processadas aumenta para o dobro o risco de cancro colo-retal quando comparado com as carnes vermelhas.
  4. Manter um peso saudável. O excesso de peso está relacionado com o risco de cancro, em particular o excesso de gordura visceral (abdominal).
  5. Fazer exercício todos os dias da semana. Estudo mostram que a atividade regular pode ajudar a manter os níveis de hormonas no organismo equilibrados. Recomenda-se cerca de 30 minutos de exercício diário.
  6. Parar de fumar.

O cancro colo-retal é a segunda principal causa de morte relacionada com o cancro em homens e mulheres. É também um dos cancros que mais se pode prevenir, de acordo com as evidências que temos hoje disponíveis.

Referências:

https://www.biomedcentral.com/1741-7015/11/63/abstract

https://www.dietandcancerreport.org/cup/current_progress/colorectal_cancer.php

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22412075

https://www.channing.harvard.edu/nhs/

https://epic.iarc.fr/

https://preventcancer.aicr.org/site/PageServer?pagename=recommendations_05_red_meat

https://www.cancer.org/Healthy/EatHealthyGetActive/ACSGuidelinesonNutritionPhysicalActivityforCancerPrevention/acs-guidelines-on-nutrition-and-physical-activity-for-cancer-prevention-summary

https://blog.aicr.org/2012/02/23/what-is-processed-meat-anyway/

https://www.hsph.harvard.edu/news/press-releases/2012-releases/red-meat-cardiovascular-cancer-mortality.html

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23169929

https://www.natap.org/2012/newsUpdates/archinternmed.2012.174v1.pdf

https://www.aicr.org/enews/march-2013/prevent-50-percent-colon-cancers.html