Bebidas alcoólicas aumentam o risco de cancro e diminuem a esperança de vida em quase duas décadas

Tem-nos sido dito que o consumo de bebidas alcoólicas como o vinho tinto representa benefícios para as doenças cardiovasculares e até para o cancro. No entanto quanto mais a pesquisa avança mais se percebe que a relação riscos/benefícios pode de forma clara tender para o prato dos riscos e muito pouco para os benefícios. De facto, se hoje já temos dados suficientes para limitarmos o consumo de álcool como forma de prevenção de vários tipos de cancro, esse esforço fica condicionado pela ideia generalizada dos seus benefícios.

Se é certo que o vinho tinto contém resveratrol, um fitoquímico com propriedades anticancerígenas presente nas uvas pretas, também é certo que inevitavelmente contém etanol. O etanol, vulgarmente chamado de álcool acaba por ser um anti-herói nesta bebida “saudável”. De acordo com as evidências disponíveis, a Agência Internacional da Pesquisa sobre o Cancro classificou o etanol como uma substância cancerígena para os humanos. Não existe diferença no tipo de bebida alcoólica, uma vez que todas são constituídas por etanol. De acordo com alguns estudos, cerca de 10% de todos os cancros nos homens e 3% nas mulheres podem ser atribuídos o consumo de álcool. No entanto, perante estes factos, 1 em cada 5 pessoas não sabe que o seu consumo pode causar cancro. Segundo o relatório da AICR/WCRF, existem evidências convincentes suficientes para afirmarmos que o consumo de álcool aumenta o risco de cancro da mama, colo-retal (homens), esófago, boca, faringe e laringe. Provavelmente aumenta o risco de cancro colo-retal (mulheres) e do fígado.

De acordo com investigadores da Boston University School of Medicine, o consumo de álcool nos EUA resulta em aproximadamente 20000 mortes de cancro todos os anos, o que representa 3,5% de todas as mortes de cancro nesse país. O estudo, publicado no American Journal of Public Health, mostra que as bebidas alcoólicas de qualquer tipo são um dos grandes responsáveis por mortes e por uma diminuição significativa na esperança de vida. O estudo também mostra que reduzir o consumo de álcool representa uma importante estratégia de prevenção, uma vez que o álcool é cancerígeno mesmo quando consumido em pequenas quantidades.

Os investigadores focaram a sua análise nos sete cancros relacionados com o consumo de álcool: cavidade oral, faringe, laringe, esófago, fígado, colo-retal e mama. Nas mulheres, o cancro da mama mostrou ser a causa mais comum de mortes de cancro atribuídas ao álcool, representando aproximadamente 6000 mortes anuais, cerca de 15% de todas as mortes de cancro da mama. Nos homens, os cancros mais comuns atribuídos ao consumo de álcool foram os da boca, garganta e esófago, chegando aos cerca de 6000 mortes anuais. O estudo descobriu também que cada morte relacionada com o álcool representou uma média de 18 anos de vida perdidos.

Embora os níveis mais altos de consumo de álcool estão associados a um risco superior de cancro, o consumo médio de 1,5 bebidas diário ou menos representa cerca de 30% de todas as mortes de cancro atribuídas ao consumo de álcool. O consumo de 1,5 a 3 bebidas por dia foi responsável por cerca de 15% de mortes dos 7 tipos de cancro associados ao consumo de álcool.

De acordo com Timothy Naimi, um dos autores do estudo, “a relação entre o álcool e o cancro é forte, mas não é devidamente levada em consideração pelo público e mantém-se pouco enfatizada até pelos médicos. O álcool é um fator altamente prevenível que tem sido mantido às escuras em plena luz do dia“.

A AICR, em linha com outras organizações de saúde, recomenda a que caso se beba não se ultrapassar uma bebida por dia para as mulheres e duas bebidas para os homens. No que diz respeito ao cancro da mama, a AICR descobriu que qualquer quantidade de álcool aumenta o risco. Por cada bebida comum diária parece haver um aumento de 11% de risco de cancro da mama pós-menopausa. Um estudo envolvendo mais de 320 000 mulheres sugere que duas ou mais bebidas por dia aumenta 41% a possibilidade de desenvolver cancro da mama.

Estes factos precisam ser conhecidos por todos de forma a poderem ser tomadas medidas de prevenção. Nem mesmo a moderação parece ser possível em alguns casos, uma vez que de acordo com a pesquisas feitas, não existem níveis seguros para o consumo desta substância. O mesmo se passa com as carnes processadas em relação ao cancro colo-retal, para as quais também não existe limite de segurança para o seu consumo sem que isso represente risco de cancro. No que diz respeito ao álcool, principalmente numa cultura onde o seu consumo é muito incentivado, existe ainda muito desconhecimento da sua relação com o cancro onde 1 em cada 5 pessoas não sabe que o seu consumo pode causar cancro. Talvez por isso seja afinal um grande contra-senso celebrar o consumo de uma bebida com a expressão “saúde”!

Referências:

https://blog.aicr.org/2013/02/15/study-daily-alcohol-drink-shortens-life-and-ups-cancer-death-risk/

https://ajph.aphapublications.org/doi/abs/10.2105/AJPH.2012.301199

https://monographs.iarc.fr/ENG/Monographs/vol44/volume44.pdf

https://www.alcoholandcancer.eu/

https://www.dietandcancerreport.org/expert_report/recommendations/recommendation_alcoholic_drinks.php

https://www.aicr.org/assets/docs/pdf/brochures/facts-about-alcohol.pdf

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9480365?dopt=Citation

https://www.cancercouncil.com.au/20432/get-informed/risk-and-prevention-get-informed/alcohol/alcohol-and-cancer/?pp=61362