As propriedades benéficas do consumo de oleaginosas e de amendoins são conhecidas. O consumo destes alimentos está associado a uma diminuição na mortalidade de várias doenças crónicas, tais como: doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias e doenças neurodegenerativas. Uma meta-análise conclui que consumir mais do que 10 gr de frutos secos por dia está associado a uma diminuição de 23% na mortalidade total 

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No entanto, embora os amendoins pareçam estar associados a uma menor mortalidade, a manteiga de amendoim parece não oferecer os mesmos benefícios. Isso deve-se, provavelmente ao facto da maioria das manteigas de amendoim terem açúcar e/ou gordura hidrogenada adicionados. Outro estudo confirmou os mesmos benefícios na redução de mortalidade, transversais a todas as etnias, reforçando a importância dos amendoins por serem uma forma eficaz e barata de reduzir o risco de doenças, em particular as doenças cardiovasculares .

 

Os amendoins são tecnicamente leguminosas, pertencendo à família de alimentos como as lentilhas, ervilhas, grão-de-bico e outros feijões. São particularmente ricos em proteína, niacina (vitamina B3), vitamina E, folato e manganésio. Além disso, são ricos em resveratrol, fitoquímico conhecido pelas suas propriedades anticancerígenas, assim como benefícios nas doenças cardiovasculares, na doença de Alzheimer e nos mecanismos do envelhecimento .

Embora sejam muitos os benefícios para a saúde humana do consumo de amendoins, estudos recentes sugerem que talvez não seja assim no caso de doentes oncológicos ou sobreviventes de cancro. De acordo com um estudo realizado por investigadores da Universidade de Liverpool, um componente presente nos amendoins poderá estimular a disseminação e sobrevivência de células de cancro no organismo . Trata-se de uma proteína conhecida por aglutinina de amendoim (PNA), a qual tem a capacidade de se ligar a certas moléculas de açúcar (glicoproteínas), uma das quais está presente em células de cancro e pré-cancerosas.

Quando a PNA se liga a essas moléculas interage com outra proteína que se expressa na superfície de células de cancro presentes na corrente sanguínea. Esta interação faz com que essas células se tornem mais adesivas sendo mais fácil colarem-se aos vasos sanguíneos. Além disso, permite que essas células de cancro formem pequenos aglomerados o que prolonga a sua sobrevivência enquanto se encontram em circulação. Muitos cancros epiteliais espalham-se e chegam a outros órgãos viajando através da corrente sanguínea, representando cerca de 85-90% dos cancros humanos.

 

Esta equipa de investigadores já tinha anteriormente mostrado que a PNA é resistente ao calor e à digestão, entrando na corrente sanguínea rapidamente na sua forma intacta e ativa a seguir à ingestão de amendoins. Ao ligar-se a células de cancro que se possam ter espalhado para a corrente sanguínea, pode ajudá-las a formar aglomerados e a colarem-se aos vasos sanguíneos, duas etapas importantes na cascata de metastização.

 

A aglutinina de amendoim (PNA) representa cerca de 0,15% do peso total de um amendoim comum e liga-se ao dissacárido Thomsen-Friedenreich (TF) o qual está expresso em cerca de 90% dos cancros humanos. Ao ligar-se ao TF poderá mimetizar a ação de uma lectina produzida endogenamente pelo organismo humano, a galectina-3, conhecida por promover a metastização. O estudo conclui assim que, uma vez que as metástases são responsáveis pela maior parte da mortes por cancro, o consumo regular de amendoins por pacientes de cancro deverá ter um efeito adverso na sobrevivência à doença, pelo que deverá ser desaconselhado .

A aglutinina de amendoim pertence a uma classe de proteínas com capacidade de se ligarem a hidratos de carbono chamadas lectinas. As lectinas estão presentes em todas as plantas e animais. Estas moléculas têm inúmeras funções fisiológicas, tais como: permitir que as células se liguem umas às outras e outras funções relacionadas com o sistema imunológico. Embora todos os alimentos contenham lectinas, apenas cerca de 30% dos alimentos que consumimos têm lectinas em quantidades relevantes . As leguminosas e os cereais são os alimentos com maior concentração de lectinas, seguidos de laticínios, peixe e vegetais da família solanaceae.

As lectinas resistem ao processo de digestão e entram na circulação. Pelas suas propriedades adesivas, ao colarem-se às células do intestino podem interferir com os mecanismos de reparação e de substituição dessas células, interferir com a digestão e absorção de nutrientes, assim como promover uma resposta imunológica .

As fitohemaglutininas são lectinas muito estudadas pelas suas propriedades tóxicas, presentes principalmente nas leguminosas. O feijão vermelho cru é uma das maiores fontes desta lectina, sendo particularmente perigoso consumi-lo cru . As lectinas também podem interagir com anticorpos, o que pode desencadear uma resposta imunológica contra os tecidos aos quais se ligam as lectinas .

Embora as lectinas possam ter uma série de efeitos adversos caso sejam consumidas em grandes quantidades, o facto é que cozinhar os alimentos ricos nestas proteínas elimina-as quase na totalidade, tal como quando se coze em água as leguminosas . O feijão vermelho cru tem cerca de 20000 a 70000 unidades de hemaglutininas, baixando para cerca de 200-400 depois de cozinhado. Cozinhar feijão de soja, por exemplo, por cerca de 5 a 10 minutos, elimina praticamente todas as suas lectinas .

Além disso, demolhar, germinar ou fermentar também elimina as lectinas , pelo que a utilização destas técnicas permite com segurança consumir alimentos como leguminosas ou cereais. Pelo contrário, como vimos, a aglutinina do amendoim resiste ao calor.

Resumindo: embora as lectinas em excesso possam representar um problema para a saúde, dificilmente teremos problemas ao consumir os alimentos que, embora sejam ricos nestas proteínas, precisam de ser cozinhados, o que as elimina quase na totalidade.

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